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O último golpe do califado do terror

O Estado Islâmico toma o lugar da Al Qaeda com métodos ainda mais violentos

Ángeles Espinosa
Membros do Estado Islâmico em um vídeo de março.
Membros do Estado Islâmico em um vídeo de março.AFP

O autodenominado Estado Islâmico cumpriu a ameaça de "afogar em sangue" os Estados Unidos como vingança por suas intervenções no Iraque, que têm castigado o grupo, da forma como havia anunciado em uma campanha prévia no Twitter. Apesar dos calafrios que provoca, o horripilante vídeo da decapitação de um jornalista norte-americano ressalta a astúcia midiática desses terroristas, e há grandes probabilidades de que ajude a agregar novos recrutas, inclusive no Ocidente.

Estado Islâmico (EI) é a nova designação que o grupo escolheu em junho, para substituir o nome Estado Islâmico no Iraque e do Levante (em referência à grande Síria), que havia sucedido a nomenclatura inicial Estado Islâmico no Iraque. Ainda que a organização tenha surgido a partir do braço iraquiano da Al Qaeda, acabou rompendo os laços com a matriz como consequência de sua expansão para a Síria, contra as ordens de seus dirigentes. Diferentemente da Al Qaeda, o EI não atacou alvos ocidentais fora dessa região.

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O nome escolhido faz referência a um governo ideal baseado na lei islâmica e associado ao início do Islã. Seu líder, Abu Bakr al Baghdadi, com certeza um apelido, declarou um "califado" nos territórios que controla tanto na Síria como no Iraque, e exige até que todos os muçulmanos do mundo lhe jurem lealdade, uma pretensão que foi ridicularizada por numerosos ulemas (sábios em leis e religião). Não obstante, sua capacidade para se financiar (o Governo iraquiano suspeita de contrabando de petróleo) faz com que seja obrigatório levá-lo a sério.

Sob quaisquer que sejam suas siglas, o que nunca muda é o fato de sua ideologia estar baseada em uma leitura literal e intransigente do Islã sunita, que considera hereges o restante dos muçulmanos (e as demais pessoas, infiéis). Suas raízes na luta contra a ocupação norte-americana no Iraque em meados da década passada trouxe o apoio da comunidade árabe sunita do país, que se sentiu prejudicada com a mudança política acarretada pela queda de Saddam Hussein. No entanto, com o tempo, a postura de desafiar as estruturas tribais criou inimigos (algo que os EUA aproveitaram para aplacar antes de retirarem suas tropas em 2011).

Sua leitura do Islã sunita considera hereges os demais muçulmanos

Logo, sua intervenção em uma Síria rebelada contra Bashar al Assad permitiu o aumento das bases do grupo, despertando a simpatia de muitos jovens muçulmanos em todo o mundo que não entendiam a passividade do Ocidente diante da feroz repressão do ditador. Sua sagaz utilização das redes sociais (com contas oficiais e uma rede de voluntários individuais que difundem suas mensagens) serviu para ampliar tanto a repercussão de suas ações como suas campanhas propagandísticas.

"O EI está usando as [redes] sociais e outros meios para recrutar seguidores e amedrontar seus inimigos até a rendição", escreveu o colunista Ali Hashem no Al Monitor.

Durante dezenas de entrevistas realizadas na última semana por esta correspondente com os desabrigados que chegaram ao Curdistão iraquiano, apenas em dois casos as vítimas tiveram contato com os fanáticos do EI. Todos os demais relatavam ter saído em fuga após as notícias de que os seguidores do grupo se aproximavam de seus povoados.

A mesma brutalidade que aterroriza os yazidis, cristãos e outras minorias, além da maioria dos muçulmanos, se torna doentiamente atraente para alguns jovens sauditas, paquistaneses, chechenos e europeus muçulmanos, incluindo alguns espanhóis. Segundo Hashem, "as histórias mais lidas nos sites noticiosos em árabe são na atualidade as relacionadas com as supostas atrocidades cometidas pelo EI".

Nem sequer é preciso que sejam verdadeiras. A comprovada crueldade do grupo as torna dignas de crédito, em especial quando se trata de qualquer tipo de comportamento medieval como as decapitações ou os casamentos forçados de garotas.

"Das muitas das acusações que correm estes dias, como o sequestro, violação e a venda de meninas, não temos provas e não correspondem com as linhas de conduta anteriores do grupo", alertava recentemente neste jornal Donatella Rovera, pesquisadora da Anistia Internacional no Iraque. "Os crimes do EI são suficientemente horrorosos para que não seja preciso exagerá-los."

O grupo, tão douto no manejo do Twitter e YouTube, não se preocupa em negar. Isso lhe permite vencer seus inimigos com um mínimo de confrontos, tal como ocorreu durante a tomada de Mossul e seu posterior avanço até Tikrit. E isso é o que fez até agora, concentrar-se na conquista de território, com o pretexto de fazer a jihad, ou guerra santa (apropriando-se de um termo religioso, para irritação dos muçulmanos que rejeitam que eles sejam chamados de jihadistas).

A brutalidade de seus golpes é um atrativo para alguns jovens

Essa política tem, além disso, outro objetivo: estimular o aumento do número de recrutas para reforçar as fileiras desses fanáticos. Não é só teoria. De acordo com o Observatório Sírio dos Direitos Humanos, pelo menos 6.000 novos combatentes se uniram ao EI na Síria durante o último mês. Esse alistamento sem precedentes elevaria suas fileiras até 21.000 milicianos. Embora a maioria seja síria, Rami Abdelrahman, o fundador desse centro de análise, declarou à Reuters que mil dos novos incorporados eram estrangeiros.

Além disso, o impacto internacional de suas ações de barbárie provoca um efeito de imitação sobre outros grupos. Ontem mesmo foram encontrados no Sinai, no Egito, os corpos decapitados de quatro homens que tinham sido sequestrados sob a mira de pistola dois dias antes na localidade de Sheij Zuwaid, a poucos quilômetros de Gaza. Grupos islamitas radicais se misturam nessa região com contrabandistas, e com frequência atacam os membros das forças de segurança.

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