A fé que move montanhas… de votos e milhões
O megatemplo de Salomão é um desafio de poder e luxo às outras confissões religiosas
O megatemplo de Salomão inaugurado no centro de São Paulo pela Igreja Universal do Reino de Deus aparece como um desafio de poder e luxo às outras confissões religiosas.
O fausto desse templo de Deus contrasta, por exemplo, com a pobreza das moradias dos trabalhadores bolivianos e migrantes nordestinos que o fazem de coroa de espinhos.
A fé, seja laica ou religiosa, é algo digno de respeito, que deve manter-se no âmbito pessoal sem que seja contaminada pelos poderes mundanos.
Todas as Igrejas evangélicas se inspiram no cristianismo e têm como figura predominante o profeta judeu, Jesus de Nazaré, que dizia que “não tinha onde reclinar a cabeça”. À mulher samaritana profetizou que chegaria o dia em que já não seria necessário adorar nos templos, mas “em espírito e na verdade”.
Os 40 milhões de fiéis evangélicos brasileiros, na maioria, mulheres e integrantes da classe C, saída da miséria, buscam, porém, nos templos uma esperança para as amarguras de seu cotidiano doloroso.
Seus bispos e pastores lhes oferecem milagres e prêmios não só espirituais, mas também terrenos, movidos pela “teologia da prosperidade”. Deus, segundo eles, enriquecerá aos que forem mais generosos com seus templos, onde até já se usam as máquinas dos cartões de crédito.
Nada mais sagrado do que a fé pessoal. Os fiéis evangélicos devem ser vistos com total respeito. Suas leituras dos textos sagrados da Bíblia são um exercício não só religioso, mas também cultural, já que a Bíblia talvez seja o maior monumento literário da História.
No entanto, a exibição da fé como arma de poder, seja religioso, econômico ou político, parece mais distante da essência dos textos bíblicos e de seus profetas, que por fidelidade à Palavra de Deus não deixavam de gritar contra as injustiças e os poderes tiranos, e a favor de todos os desvalidos. Por isso acabavam sendo vítimas de morte violenta.
O Brasil está em processo de uma modernização que lhe custará ainda não poucos sacrifícios. E nada mais moderno do que uma líquida separação entre a Igreja e o Estado. Sem essa separação real, e não apenas virtual, o país continuará contaminado pelo conluio entre o trono e o altar.
Jesus dizia aos seus fieis que a verdadeira fé é a capaz de “mover montanhas”. Quando essas montanhas são feitas, entretanto, de dinheiro, riqueza e de votos, é um sinal de que continua sendo difícil separar os dois poderes.
E esse abraço entre o poder político e o religioso que acontece na inauguração do grande Templo luxuoso de Salomão faz pensar que a verdadeira modernidade do Brasil ainda deverá esperar.
Sem essa separação de poderes que contamina a fé e a política ao mesmo tempo será difícil, por exemplo, que possam ser aprovadas leis libertadoras de antigos tabus, desde a impossibilidade da mulher de decidir em consciência sobre seu próprio corpo à de todos aqueles que se veem impedidos de escolher como viver em liberdade sua própria sexualidade. Tabus e proibições que os brasileiros continuam arrastando e que os políticos acabam sacrificando muitas vezes no altar das urnas.
Tu suscripción se está usando en otro dispositivo
¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?
Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.
FlechaTu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.
Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.
En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.
Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.