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Uma nova rainha, mais que uma consorte

Dona Letizia apoia o seu marido na ideia de que é preciso sair mais à rua e escutar as pessoas Quer ter uma agenda própria em seu novo papel

Mábel Galaz
SCHIAMARELLA

Passaram-se apenas dez anos desde que uma apresentadora de telejornais da Televisão Espanhola (TVE) se transformou em princesa das Astúrias. Uma década depois, Letizia Ortiz Rocasolano, filha de um executivo de uma empresa de comunicação e de uma sindicalista, se prepara para o salto definitivo: ser rainha da Espanha. Nunca Letizia poderia imaginar que chegaria a tal posição. Ela, que se criou em uma família liberal e nada monárquica – possivelmente o contrário disso –, só se aproximou dos salões palacianos quando seu trabalho como jornalista assim exigiu.

Mas no caminho cruzou com Felipe de Borbón e Grécia, então Príncipe das Astúrias. Letizia, como rainha consorte, tem pela frente a tarefa de apoiar o trabalho de seu marido, que enfrenta o imenso desafio de recuperar o crédito de uma instituição que pela primeira vez em quase quatro décadas foi posta em xeque, por causa de alguns escândalos que sacudiram a família real. Esse questionamento se viu acentuado nas últimas semanas por parte de setores políticos, e, na atualidade, só os dois grandes partidos, PSOE e PP, respaldam-na sem discussão. Mas dona Letizia quer mais. Tentará encher de conteúdo o seu novo posto e atuará como uma profissional que foge do protocolo desnecessário para procurar mais diálogo e proximidade.

Dona Letizia seguiu o conselho e o exemplo da rainha Sofía quando chegou ao palácio de La Zarzuela, mas logo ficou claro que ambas têm estilos muito diferentes na forma de ser e agir. Nora e sogra mantêm uma boa relação, mas não tão estreita como era no começo.

As tensões que marcaram o matrimônio dos Reis nos últimos anos influenciaram não só a sua relação como também o seu trabalho para a Coroa. Dona Sofía, como recordou dom Juan Carlos no discurso em que anunciou sua intenção de abdicar, sempre foi uma fiel e constante colaboradora, mas há muito tempo ambos deixaram de agir como cúmplices. A Rainha acompanhou o Rei quando assim mandava a agenda; nada mais. Dom Felipe e dona Letizia têm outros planos.

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Desde que vive no palácio de La Zarzuela, a até ontem princesa das Astúrias se fez ouvir. Há inclusive quem a tenha criticado por isso nesta década. Mas dona Letizia está acostumada a dizer o que pensa. E assim faz. Essa foi uma das qualidades que dom Felipe sempre mais gostou nela. Agora sua voz ressoa com mais força, sabedora de que chegou o momento de Felipe VI, e com ele também o seu.

Nos dias em que dona Letizia Ortiz era apresentada por dom Felipe como sua noiva, o casal frequentou muitas mesas, nas quais encontrou uma ampla representação da sociedade espanhola, e muitos de seus membros eram políticos. Nessas primeiras conversas, dona Letizia, que conservava seu selo de jornalista e começava a lavrar sua carreira como princesa, falava sem reservas. Tanto opinava sobre a reforma da saúde quanto sobre educação. Alguns deputados socialistas se surpreenderam ao escutá-la falar tão claramente e por sua postura tão progressista. Depois alguém deve ter lhe recomendado silêncio. Mas aquela foi, segundo outros observadores, a melhor versão de dona Letizia, a mesma que mandou seu noivo calar-se no dia em que lhe pediu a mão. Era então uma jovem de 31 anos, sorridente e espontânea. Alguns amigos do casal disseram que eles não puderam ter a desenvoltura que gostariam porque sempre estiveram condicionados pelo estilo imposto por dom Juan Carlos e dona Sofía. Agora não haverá mais desculpas. Seus acertos ou seus erros serão coisa deles.

Até os mais críticos com a nova rainha reconhecem que ela influenciou positivamente no caráter de dom Felipe. Com ele, dizem, ela ganhou a rua. É frequente que sejam vistos em salas de cinema, jantando em pequenos restaurantes do centro velho de Madri, comprando em shoppings, comparecendo a festas infantis como acompanhantes das suas filhas e fazendo excursões familiares em fins de semana prolongados.

Dom Felipe de Borbón, quando tira a gravata e veste uma calça jeans, se torna mais próximo. Até a chegada de dona Letizia à sua vida, o herdeiro frequentava ambientes da sociedade espanhola vinculados a filhos de empresários ricos ou a jovens de famílias aristocráticas. Agora, seu círculo de sempre se mantém, mas foi acrescido do círculo de amizades da sua esposa.

Dona Letizia mudou o ambiente ao redor do seu marido no que diz respeito ao âmbito mais privado da sua vida. Agora, ela se dispõe a dar sua opinião ao Rei como Rainha.

Nestas semanas de preparativos para a substituição na Coroa, a voz de dona Letizia foi muito ouvida. Em reuniões de trabalho com um número reduzidíssimo de conhecedores do grande segredo, a Princesa das Astúrias compareceu, opinou e deu ordens. Dom Felipe sempre gostou da resolução da sua esposa. Ela é a sua maior conselheira, a pessoa que mais influi nele. Por isso ninguém dúvida de que na intimidade de seu lar, depois das sessões oficiais de trabalho, eles continuavam preparando seu futuro.

Dona Letizia, por exemplo, apoiou o novo rei na ideia de que ele precisará pisar mais na rua, escutar mais as pessoas. Que é preciso relaxar o protocolo e serem mais próximos. Uma das histórias contadas no La Zarzuela ilustra como um ato público é diferente conforme for presidido por dona Sofía ou por dona Letizia. “Com dona Sofía, muitas saudações e uma reunião curta. Com dona Letizia, poucas saudações e uma reunião interminável.”

A nova rainha tem fama de perguntar tudo, de querer saber tudo, embora chegue aos atos oficiais muito preparada. A partir do momento em que se define seu comparecimento a um evento, ela começa a estudá-lo. De posse de um caderno e caneta, toma notas sem parar. Nada lhe escapa. A mesma obsessão que tem para aparecer com uma aparência perfeita – roupa, penteado e maquiagem – ante as objetivas das câmeras a leva a saber de cor os assuntos que deve abordar. A educação, a saúde e em especial os assuntos relacionados com as doenças raras e o câncer têm sido e continuarão sendo sua grande tarefa, à qual vai acrescentar aspectos relativos à nutrição.

Mas sua primeira incursão como rainha será no mundo da cultura com maiúscula, uma tarefa da qual até agora se ocupava sua antecessora no cargo. Na segunda-feira fará sua estreia. No Museu do Prado ela vai inaugurar a exposição El Greco e a Pintura Moderna, um ato que antes estava destinado à rainha Sofia.

Ela não quer que essa passagem à primeira fila interfira em excesso na tarefa de criar as filhas. Além disso, tem a missão de velar por quem a partir de hoje se transformará na nova Princesa das Astúrias. Ontem, no ato da abdicação, dona Letizia não tirou os olhos das filhas, às quais corrigiu a postura em várias ocasiões e indicou em que momento deveriam aproximar-se para beijar o avô. As meninas começaram também uma nova fase, com mais exposição pública. De concreto, já está decidido que Leonor participará da entrega dos próximos prêmios Príncipes das Astúrias, embora por sua idade, com apenas oito anos, ainda não lerá o discurso.

Mas, acima de qualquer outra missão, dona Letizia tem outra difícil tarefa: reverter as pesquisas. Até agora, nas sondagens realizadas periodicamente pelo palácio de La Zarzuela, ela tinha a pior avaliação. A perda de sua espontaneidade e o fato de estar consciente de ser permanentemente observada a transformaram em uma pessoa que às vezes pode parecer controlar excessivamente sua imagem. Essa é, agora, sua principal incumbência. Tem de conquistar as pessoas como conquistou seu lugar no palácio.

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