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JOAQUÍN ALMUNIA, vice-presidente da Comissão Europeia

“Os resultados das europeias são um castigo a esse magma chamado Bruxelas”

O vice-presidente da Comissão Europeia pede uma análise, e uma ação diante dos populistas

Claudi Pérez
Almunia,na reunião do Círculo de Economia de Sitges.
Almunia,na reunião do Círculo de Economia de Sitges.Susanna Sáez (EFE)

Passou pouco mais de uma semana do choque que supôs a vitória de Marine Le Pen na França, que representa o resultado colhido pelos partidos radicais e uma série de emendas à totalidade do projeto europeu se essa centrifugação do voto para opções eurocéticas e anti-europeias se converta em tendência. No meio dessa sacudida, uma estranha paz reina no distrito europeu de Bruxelas. A sede da Comissão Europeia está semi-deserta na sexta-feira pela manhã: é festa. Em um dos andares do edifício, o vice-presidente Joaquín Almunia (Bilbao, 1948) oferece café e uma animada conversa da qual sobressai um alto nível de preocupação pelas potenciais consequências do 25-M (25 de maio). A essência da Europa reside em sua capacidade de reflexão: “Uma vida não examinada”, sustentava George Steiner, “não vale a pena ser vivida”. Almunia pede uma análise, mas pede também ação: “Não fazer nada seria um suicídio”, diz um dos social-democratas mais influentes de Bruxelas, que apoia sem reservas o conservador Jean-Claude Juncker para presidir a Comissão.

Pergunta. Sobem os anti-europeus; cai o bipartidarismo. O que os votantes estão querendo dizer?

Resposta. É preocupante o auge dessa amálgama de populistas, ultras, eurocéticos e inclusive xenófobos e fascistas que alcançam já uma quinta parte do Parlamento. Não só preocupa seu tamanho, como também o risco de que contaminem os debates do resto de forças políticas, como se viu com as declarações de Nicolas Sarkozy e David Cameron contra a liberdade de circulação de pessoas. O perigo é que os grandes partidos adotem atitudes defensivas e isso já acontece.

P. Que reação você espera?

R. Não fazer nada seria suicídio. O primeiro passo é respeitar os resultados eleitorais: o lógico é que Jean-Claude Juncker presidisse a Comissão para evitar uma confrontação institucional, uma paralisia perigosa.

P. Para isso a social democracia tem que apoiar o PP europeu. Você não teme que ambas formações sejam indistinguíveis?

R. Na Europa não pode ter uma grande coalizão à Alemanha. A dinâmica é diferente: há coincidências entre os partidos pró-europeus do Parlamento, assim como na Comissão e no Conselho, mas isso não significa que tenha disciplina de voto nem uma maioria estável, mas sim que as decisões cruciais se tomam por amplo consenso. Depois, a esquerda tem margem para se diferenciar em assuntos como a educação, a previdência e os impostos. Mas, diante destes resultados e a sensação de lonjura dos eleitores com respeito às instituições, há que fazer uma reflexão urgente sobre as decisões imprescindíveis para retomar  o crescimento e a criação de emprego, e sobre como nos submeter a um maior controle democrático.

P. Se não é Juncker, que está há anos em postos relevantes, precisamente o que os votantes querem evitar?

R. Eu não avalio os políticos pelos anos que levam no cargo, mas sim pelo que fizeram e são capazes de fazer no futuro. E Juncker, que não é da minha família política nem o responsável principal dos ajustes e as reformas destes anos, me parece o melhor dentro da centro-direita.

P. Que parte do acontecido é imputável à Comissão?

R. Em alguns países os Governos foram castigados; outros estão satisfeitos com suas políticas nacionais (a Alemanha) e mostraram sua rejeição para alguns aspectos do projeto europeu. Mas não acho que se possa ficar fazendo conjecturas como se pudesse discernir que grau de castigo corresponde à Comissão. Os resultados, em todo caso, suporiam um castigo a esse magma chamado Bruxelas: Comissão, Conselho, Eurogrupo, BCE, Merkel, tudo isso.

P. Esse é o problema: esse magma impede os eleitores de identificar os responsáveis pelas decisões e castigá-los de forma coerente. O exemplo é a Comissão Europeia.

R. À Comissão tem sido encomendada uma tarefa ingrata: aplicar as regras acordadas pelas capitais, que incluem remédios amargos. Podem nos criticar por isso. Mas essas regras foram provadas pelos sócios no Conselho.

P. O PP será a primeira força do Parlamento por 20 anos seguidos. O que acontece com a esquerda?

R. Para a social-democracia os resultados são medíocres. São bons na Itália e Romênia, bastante bons na Alemanha e Portugal, mas ruins no Norte e em dois países-chave: França e Espanha. Não é singelo tirar conclusões. Há uma centrifugação do voto desde os dois grandes partidos e isso não é apenas um episódio: corre o risco de converter em uma tendência. Para evitá-lo, a social-democracia tem que buscar um espaço mais amplo; abrir outros setores do eleitorado.

P. Mais para o centro? Não mais para a esquerda?

R. Mais para adiante. A social-democracia teve um problema nas últimas décadas: quando chegava ao poder, tinha que derrubar as grandes promessas anunciadas em campanha porque não eram consistentes com políticas econômicas solventes. Piketty e companhia apontam que há que redirigir o foco para corrigir os resultados do mercado, ser beligerantes em matéria de desigualdade. Esse era e é o caminho.

P. E na Espanha?

R. Na Espanha, precisamente, a social-democracia fez isso nos anos oitenta e noventa: derrubou políticas que reduziram as desigualdades. Quando isso é abandonado e se ativam políticas fiscais injustas, quando se dá uma machadada depois de outra aos serviços públicos ou quando se destroem milhões de empregos e não se atua em consequência, recrescem as desigualdades. Dito isto, a Espanha não participa dessa tendência à alça dos radicais. Deveríamos parabenizá-los por isso.

P. Sim houve uma machadada ao bipartidarismo.

R. Isso faz parte das consequências da crise. O acréscimo vertiginoso do desemprego, a falta de expectativas, a corrupção, geram a sensação de que os que governaram desde o início da crise não encararam suas consequências com o suficiente rigor nem se esforçaram o suficiente para explicar suas respostas aos cidadãos. Pode que na Espanha os cidadãos vão por adiante da política.

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