“Chávez deixou um legado tóxico”
O comentarista de política internacional Moisés Naím analisa a situação venezuelana e explica o que a oposição quer
Moisés Naím, colunista do EL PAÍS e um dos analistas políticos mais destacados da América Latina, autor do livro O Fim do Poder (editora Leya Brasil, 2013), concedeu uma entrevista à rádio chilena Duna sobre os protestos que incendeiam as ruas na Venezuela nos últimos dias. O escritor analisa o posicionamento dos manifestantes, a reação do governo do presidente Nicolás Maduro e indica que há uma evidência clara sobre a fragilidade do chavismo.
Questionado sobre a onda de violência contra os manifestantes e se isso está acontecendo porque Maduro não é Chávez, respondeu que ainda que Chávez estivesse no poder a situação seria parecida. “A Venezuela é um governo que parou de funcionar, que não pode dotar os cidadãos de uma segurança mínima. Qualquer pessoa quando sai às ruas corre o risco de ser roubado, sequestrado, assassinado. Temos um índice de homicídio maior que Bagdá. A segurança pessoal desapareceu simplesmente porque o Estado parou de funcionar”.
Depois de abordar a questão social, também mencionou o cenário econômico do país, ambos aspectos relacionados estreitamente com Cuba, país com o qual Chávez sempre teve boas relações e a quem Maduro continua enviando petróleo, como um pacto selado entre ambos os países. “Chávez deixou a Venezuela devastada. Uma inflação oficial de 56%, extraoficial, mas alta. Desabastecimento de tudo. Crianças sem tomar leite, escassez de produtos da dieta básica de todos os dias. Óleo, farinha, açúcar, não há. Medicamentos, também não. Se uma pessoa tem um familiar diabético, ou tem um acidente, não há remédios. Os índices de mortalidade nos hospitais estão pelas nuvens. É uma economia colapsada, com uma repressão política gigantesca. Perderam qualquer tentativa de parecer um governo democrático. E está também representa a presença clara do governo cubano. Existe evidência de que o governo cubano está participando de maneira muito importante na organização e treinamento na repressão que está ocorrendo”.
A partir da abordagem sobre a relação da Venezuela com Cuba, Naím analisa a dependência que existe, não só econômica, mas também política entre os dois países, que vai além de um simples agradecimento pelo petróleo enviado à ilha. “Na Venezuela está em jogo a sobrevivência do regime cubano. A Venezuela mantém a ilha dando presentes para uma economia que está falida, seja o petróleo ou outros presentes econômicos. É muito importante para os cubanos manter este apoio. E os cubanos têm décadas de experiência no controle destas situações, têm capacidade humana, gente experiente, têm todo o tipo de discurso que mantêm eles e o país.”
Para o analista, Chávez tinha “três coisas que Maduro não tem: carisma, inteligência e recursos econômicos”. E afirmou que a dilapidação do caixa começou no governo chavista que “deixou Maduro sem recursos nem capacidade produtiva”, já que, apesar dos dólares da exportação de petróleo, a moeda não entra em quantidades necessárias. E acrescentou: “Chávez fazia também a denúncia do passado e a criação da esperança para o futuro. Chávez pôde passar muitos anos denunciando o passado e dizendo que o que estava por vir era uma maravilha socialista, de igualdade, de felicidade, de inclusão. E é o que estamos vendo, os resultados estão aqui”.
Naím ainda relaciona a saída dos jovens às ruas com sua convivência e conhecimento do chavismo, já que grande parte deles viveram os 14 anos de Chávez no poder como uma rotina de suas vidas. “Não existe passado diferente ao chavismo. Um rapaz que está na rua, de 20, 26 anos, protestando, pode-se dizer que o que conheceu com consciência e o que está sucedendo a nível político, ou seja, tudo o que tem a ver com o Chávez. Hoje em dia, o chavismo já é passado na Venezuela. E a promessa de futuro, Chávez podia dar, mas já não vemos os resultados. Devemos contrastar promessas com resultados: uma economia desgastada, uma política repressiva e uma situação de segurança pessoal inaceitável”, afirmou.
O posicionamento da oposição também foi questionado e Naím assegura que existe consenso em alguns pontos, como parar a violência, que, para ele, é competência do governo venezuelano. Aqui não existem dois lados, não é uma guerra civil onde um dispara e o outro responde. Aqui existe um lado da sociedade que está disparando e assassinando o outro. São os que têm as armas, a organização, a milícia, os paramilitares e o apoio cubano”. Outro ponto no qual coincide a oposição é a liberação dos presos políticos e por último, “reconhecer que o país está dividido, de uma maneira muito profunda, que existe uma metade que não pode ser ignorada e excluída. Esta voz deve começar a ser incluída, estas expectativas, estas esperanças, em como se conduz o país".
Respondendo sobre a capacidade da oposição de mediar este diálogo, Naím foi taxativo: “Claro que sim. A oposição é democrática, não tem um monólito estagnado, centralizado, controlado por um núcleo só”. Mas admite que talvez nem todos estivessem de acordo em como deve ser feita esta transição. “Existem maneiras diferentes de ver as táticas e quando seria o momento adequado e definir o quê fazer em cada momento. Mas isso é normal dentro de um movimento político onde se permitem vozes múltiplas”, rebate. E conclui: "O que a oposição quer é que se cumpra a constituição, dentro dela existem muitos mecanismos para fazer isso”.
Criticou a falta de transparência na tomada de decisões e qualificou Chávez de um mandatário que fazia o que bem entendia, sem necessidade de dialogar com membros de seu próprio governo. “Aqui se governa por decreto e sem consulta. E nem é o governo em si, por muitos anos foi somente o presidente Chávez, que não necessitava consultar ninguém sobre nada. Se ele queria mudar o nome do país ou o fuso horário, ele o fazia. Depois vinham os advogados para justificar legalmente”, alega.
Antes de que a oposição seja convidada pelo governo a dialogar, Naím acredita que haverá uma segmentação interna no chavismo que, segundo disse durante a entrevista, "já está começando a ser aparente", já que "os próprios membros do partido e a população que lhe apoia estão se dando conta de que o presidente Maduro não tem condições de comandar o país". Concluiu a entrevista sem afirmar que a solução seria a saída do presidente chavista, porque "todos os dias há uma surpresa". Mas garantiu que "Ninguém na Venezuela acredita que Maduro seja único. Ninguém pensa que atua por seu critério. Maduro obedece instruções e simplesmente executa o que outros de dentro do governo venezuelano e cubano lhe indicam".
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