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A HRW alerta sobre as democracias autoritárias na América Latina

A concentração de poderes, o retrocesso na liberdade de expressão e a impunidade dos delitos de lesa-humanidade são algumas das violações aos direitos humanos citadas no relatório da ONG

Eva Saiz
Capa do relatório anual da Human Rights Watch.
Capa do relatório anual da Human Rights Watch.

A concentração de poderes nos países da Aliança Bolivariana das Américas (Alba) e as ameaças que as leis sobre telecomunicações significam para a liberdade de expressão e imprensa na Argentina e no Equador; o descumprimento das leis que procuram oferecer compensação às vítimas da violência na Colômbia e no México; a indefinição na estratégia de segurança dos países que enfrentam o narcotráfico; a impunidade e irregularidades na hora de julgar crimes de lesa-humanidade cometidos no passado em países como a Guatemala e Honduras – embora se trate de uma prática que se estende por quase toda a América Latina –; abusos no trato a manifestantes no Chile e Peru; o recurso à Justiça transicional para ajudar a resolver o conflito das Farc; a falta de transparência nas eleições venezuelanas e a posterior repressão aos simpatizantes da oposição que exigiam uma recontagem de votos; as leis que proíbem ou restringem severamente o direito ao aborto; as restrições à independência judicial, de novo, na Argentina, Equador e Venezuela; os programas de drones operados pelos EUA e os abusos ao direito à intimidade cometidos pela inteligência desse país e revelados por Edward Snowden. Essas são as linhas gerais que desenham o mapa das violações dos direitos humanos em 2013 no continente americano, segundo o Relatório Mundial da Human Rights Watch (HRW) divulgado nesta terça-feira.

“Observamos um aumento dos regimes autoritários que mantêm uma fachada democrática, mas onde essa democracia é uma ficção, onde se celebram eleições, às vezes limpas e outras não suficientemente transparentes, em que o partido que as vence, ao comprovar que temporariamente constitui uma maioria, tenta se perpetuar no poder, submetendo a sociedade e todos aqueles que não pensam como eles e intervindo rapidamente no Poder Judiciário. Nesta região, identificamos esse comportamento na Venezuela, e é muito provável que o Equador esteja se qualificando para esse grupo”, afirmou nesta terça-feira José Miguel Vivanco, diretor da HRW para a América Latina, durante a apresentação do relatório sobre a região.

Cuba: Continua a repressão

Embora a HRW reconheça os avanços representados pelas reformas migratórias no sentido de facilitar a liberdade de movimento e de expressão da dissidência e a redução das penas prolongadas de prisão para os detentos políticos, a organização continua sendo muito crítica com as detenções arbitrárias e os encarceramentos breves que o regime da ilha utiliza “de modo preventivo para evitar que as pessoas participem de eventos considerados contrários ao Governo”, além da repressão a dissidentes como as Damas de Branco, grupo que teve 30 integrantes detidas e agredidas em agosto de 2013 por assistirem a uma missa.

O relatório denuncia a ausência de liberdade de expressão em Cuba e as condições nos centros de detenção onde ainda estão “dezenas de detentos políticos”.

Vivanco se mostrou pessimista acerca do respeito aos direitos humanos no continente e dedicou especial ênfase à “falta de definição em matéria de segurança” do Governo mexicano do presidente Enrique Peña Nieto, em referência aos fatos de Michoacán e ao surgimento dos grupos de autodefesa, uma situação que não consta no relatório deste ano.

Impunidade pelos crimes de lesa-humanidade

Os escassos avanços no julgamento dos crimes de lesa-humanidade por abusos cometidos no passado, longínquo ou recente, por parte dos Governos da América Latina são quase uma constante no relatório que a HRW elaborou para a região. Salvo as exceções da Argentina, Chile e Equador, onde a organização reconhece progressos na hora de julgar violações cometidas durante suas respectivas ditaduras, a instituição é muito crítica nos casos da Guatemala, devido sobretudo à anulação da condenação imposta ao ex-chefe do Estado Efraín Rios Montt; de Honduras, onde é criticada a escassez de “julgamentos pelo uso excessivo da força e por assassinatos” depois do golpe de Estado de 2009; e Peru, onde são denunciadas “as extensas demoras da investigação judicial” e uma certa negligência na hora de destinar “suficiente pessoal e recursos”.

No caso do México, a HRW cita os escassos esforços por parte do novo Governo de Peña Nieto no sentido de investigar, perseguir e julgar os casos de assassinatos, desaparecimentos forçados e torturas perpetrados por militares e forças de segurança durante a “guerra contra o narcotráfico” instaurada nos seis anos de mandato de Felipe Calderón. “O Governo de Peña Nieto demonstrou ao longo deste ano que o tema dos direitos humanos não é prioritário”, afirmou Vivanco. O relatório denuncia o risco de impunidade para os abusos militares que pode decorrer do fato de esse tipo de delito “ser julgado por um sistema de Justiça militar que carece de independência e transparência”.

Argentina: Preocupação pela independência judicial

Além dos assuntos relacionados à liberdade de imprensa, a HRW destaca em seu relatório como a nova legislação aprovada em abril de 2013 pelo Governo de Cristina Fernández Kirchner implica uma "grave limitação da independência judicial" na Argentina. Embora o relatório reconheça que a Corte Suprema anulou algumas das disposições, ele alerta para as restrições que a lei prevê com relação à solicitação de medidas cautelares.

A HRW também demonstra sua preocupação com o Memorando de Entendimento assinado pela Argentina e o Irã a fim de revisar as provas que vinculavam cidadãos iranianos ao atentado de 1994 na sede da Associação Mutual Israelita-Argentina (Amia), de Buenos Aires, em que 85 pessoas morreram e mais de 300 ficaram feridas. O relatório também adverte sobre os obstáculos enfrentados pelas mulheres argentinas no acesso a métodos anticoncepcionais, e recorda que, salvo poucas exceções, o aborto é ilegal. Estas condições determinam que “frequentemente mulheres e jovens devam enfrentar gestações não desejadas ou com risco para sua saúde”.

Nesse sentido, o relatório é muito crítico no caso da Colômbia, onde se denuncia a recusa do Governo em reconhecer nos tribunais internacionais – no caso, a Corte Interamericana de Direitos Humanos – a participação das forças militares no chamado “caso dos falsos positivos”, em que civis mortos por soldados eram apresentados como sendo membros de guerrilhas esquerdistas. A HRW alerta sobre o perigo que acarreta o Marco Jurídico para a Paz, aprovado em 2012, já que ele prevê um sistema de Justiça transicional com o objetivo de favorecer o processo de paz com as Farc. A organização alerta que essa medida “abre as portas para a impunidade generalizada com relação a atrocidades cometidas por guerrilheiros, paramilitares e militares caso se alcance um acordo com as Farc”, segundo o documento. “O preço da paz não pode ser a impunidade total, não estamos nos anos 80”, advertiu Vivanco. “Isso significaria um retrocesso para a Colômbia.” O presidente colombiano, Juan Manuel Santos, defendeu o mecanismo de Justiça transicional em fóruns internacionais, como as Nações Unidas e a Organização dos Estados Americanos.

Processo de paz

Sem perder de vista o contexto de violência gerado pelo conflito armado na Colômbia e suas consequências, o relatório chama a atenção para os abusos contra civis cometidos durante o processo de paz por parte das Farc e do ELN, para a presença de organizações paramilitares que continuam ativas, e, concretamente, mostra sua preocupação com os problemas na aplicação da Lei das Vítimas, denunciando as ameaças e violências sofridas por numerosos refugiados internos que iniciaram o processo de reivindicação de terras.

Ameaça à liberdade de expressão

Venezuela: a violência pós-eleições

Além do aviso dos últimos relatórios sobre a concentração de poder do executivo e a deterioração dos direitos fundamentais, entre eles a liberdade de expressão, o informe do HRW nesta ocasião enfoca na falta de transparência e na violência pós-eleições contra a oposição. Esta última, aplicada pelas forças do governo venezuelano após as eleições presidenciais de abril de 2013. "Membros das forças de segurança bateram e prenderam arbitrariamente partidários do candidato da oposição Henrique Capriles [...] Algumas das pessoas detidas contaram que lhes perguntavam: "Quem é seu presidente?" e apanhavam caso não respondessem 'Nicolás Maduro', denuncia a organização. O documento afirma que nenhum fiscal investigou uma demanda crível sobre estes abusos.

HRW continua denunciando os abusos do Governo venezuelano nos âmbitos da liberdade de expressão e contra a independência judicial. “O governo de Chávez ampliou e exerceu de forma abusiva seu poder de regular os meios de comunicação durante a última década [...] e adotou medidas enérgicas para reduzir a oferta de meios que oferecem uma programação crítica com o governo”.

A HRW alerta em seu relatório sobre o perigo acarretado para a liberdade de expressão pela nova Lei de Meios, aprovada pela Assembleia Nacional do Equador em junho de 2013. “Ela contém disposições imprecisas, que possibilitam processos penais arbitrários e atos de censura”, assinala o relatório, no qual se inclui a preocupação de que os jornalistas acusados de “linchamento midiático” possam ser obrigados a “emitirem um pedido público de desculpas e serem julgados penalmente por outros delitos”. O documento cita os casos concretos de tuítes críticos ao Governo do presidente Rafael Correa publicados pelo jornal El Universo e a recente condenação do congressista opositor Cléver Jiménez e de seu assessor Fernando Villavicencio por terem injuriado o presidente.

Nessa mesma linha, a organização mostra sua preocupação com a lei de Controle de Meios aprovada pelo Congresso argentino em 2009 para ampliar a pluralidade dos veículos de comunicação. A HRW adverte que “a autoridade federal encarregada de implementar a lei ainda deve assegurar que exista um amplo espectro de perspectivas na programação dos meios geridos pelo Estado”, e cita a oposição do maior grupo de telecomunicações do país, o Clarín, que perdeu a batalha sobre a constitucionalidade da norma. O relatório critica ainda as agressões a meios de comunicação críticos feitas pelos poderes constituídos, nos casos específicos da Argentina, Bolívia, Equador e Venezuela.

Concentração de poder na Venezuela

Como vem sendo habitual nos últimos anos, o relatório da HRW denuncia a deterioração institucional na Venezuela e a progressiva acumulação de poderes do Executivo durante o atual governo de Nicolás Maduro. A HRW, desta vez, salienta a violência exercida pelas forças de segurança depois das eleições presidenciais de abril de 2013. “O presidente Maduro e outros altos funcionários recorreram à ameaça de levar adiante investigações penais como ferramenta política, e apontaram [o líder oposicionista] Henrique Capriles como o responsável por todos os atos de violência ocorridos durante as manifestações”, afirma a organização.

Ataques contra manifestantes

O relatório adverte sobre os abusos policiais cometidos pelo Chile e o Peru durante as ocupações e protestos de estudantes e mineiros, respectivamente. No caso chileno, a HRW critica a ausência de uma lei que regule os protestos públicos e destaca a rejeição pelo Senado de uma lei que buscava abordar o assunto à custa de cercear o direito à liberdade de expressão e de manifestação. Quanto ao Peru, a organização destaca as mortes de civis (27 no total) em confrontos com a polícia durante passeatas contra projetos de mineração do Governo de Ollanta Humala e do setor privado. A HRW também adverte sobre as acusações penais desproporcionais que os manifestantes enfrentam no Equador.

A desculpa da segurança nacional nos EUA

O HRW lamenta que em 2013 os EUA não consigam "reverter os resultados decepcionantes em aspectos de segurança nacional". O relatório é incisivo na hora de lembrar as promessas descumpridas pelo presidente Barack Obama, especificamente, o fechamento de Guantánamo ou uma maior transparência e redução no uso dos programas de ataques com drones, dois assuntos nos quais o presidente norte-americano requer uma cumplicidade por parte do Congresso que este não está disposto a oferecer. "É difícil encontrar um exemplo mais evidente que Guantánamo do que representa o abuso de poder", assinalou Vivanco que sustenta que o Governo dos EUA deveriam demonstrar que "o assunto do centro da reclusão em Cuba é prioritário".

No caso das batidas com aviões não tripulados, a organização lamenta que a Administração não assuma a responsabilidade pública pelas mortes de civis provocadas por estas batidas.

A violação do direito à intimidade dos cidadãos norte-americanos e estrangeiros a que incorreram os programas de espionagem da NSA, revelados por Edward Snowden, também é abordada pela HRW. “A vigilância em massa do governo dos EUA eliminaram em grande parte o direito à privacidade em uma época onde a população praticamente depende da comunicação eletrônica. O documento lamenta que “as pessoas não norte-americanas não tenham um interesse reconhecido à privacidade”. No relatório não aparece a reforma das práticas de inteligência que Obama anunciou na sexta-feira passada. A Vivanco deu as boas-vindas aos maiores controles sobre o uso dos metadados, embora lamente que não foram adotadas as mesmas restrições para a recopilação ou que não se contemplem processos judiciais aos que os cidadãos estrangeiros submetidos às práticas de espionagem de EUA possam recorrer.

O responsável pela organização também denunciou a perseguição penal por parte da justiça norte-americana de Snowden. Ele reclamou “a proteção daqueles que revelaram delitos e abusos, apesar de infringir seu dever de silêncio” por tê-lo feito “em prol de um interesse público superior”.

Colômbia: A sombra do conflito e sua resolução

A HRW adverte em seu relatório sobre como a Colômbia, ainda que se encontre em pleno processo de negociações para pôr fim ao conflito com as FARC, a guerrilha, e o ELN continuaram cometendo grandes abusos contra a população civil, entre os quais se cita o uso de minas anti-pessoas. A organização estende o alarme à presença de grupos de paramilitares. O relatório alerta sobre o risco que pode supor a aplicação da justiça transacional e da situação na que se encontram os mais de cinco milhões de deslocados em consequência do conflito. "As decisões do Governo para garantir o processo de paz tendem a incrementar a impunidade e reduzir a prestação de contas", sustenta Vivanco.

Neste sentido, critica as deficiências na aplicação da Lei de Vítimas, que contempla a restituição de terras, e as ameaças que sofrem aqueles que as querem reclamar. "Lamentavelmente não ofereceu os resultados esperados porque as condições de insegurança nas zonas rurais colombianas continuam sendo extremamente delicadas”, constatou Vivanco.

O responsável pela organização denunciou a falta de atenção por parte do procurador geral à investigação da colaboração de membros do Congresso e do Governo do anterior presidente Álvaro Uribe, com grupos de paramiliatres. “Por outro lado, a atenção do procurador tem estado no gerenciamento da coleta de lixos do prefeito de Bogotá, Gustavo Petro, um assunto que não chega à gravidade dos nexos com os paramilitares”, assinalou Vivanco, quem considera que a destituição de Petro vulnera a Convenção Interamericana de Direitos Humanos.

Equador: aumento de restrições

A HRW denuncia a Lei de Comunicação que a Assembleia Geral do Equador aprovou em junho de 2013 que, "com pontos pouco precisos, regula os meios audiovisuais e escritos de modo que cerceia a liberdade de imprensa". A organização alerta que a norma "abre caminho à censura e dá tanto ao Governo quanto aos juízes o poder de decidir se a informação é verídica".

O relatório também critica a ameaça que existe contra os manifestantes no Equador devido às más definições sobre sabotagem e terrorismo que “em inúmeras ocasiões foram aplicadas indevidamente contra auqeles que participassem de atos públicos de protesto”. A HRW ilustra esta situação com o caso dos 10 de Luluncoto, jovens condenados a um ano de prisão por  organizar um ato público de protesto.

Além das denúncias sobre o cerceamento da independência judicial, o relatório adverte sobre as considerações restritivas como as que permitem o aborto no país: “quando a saúde da mulher ou sua vida estejam em risco ou a gravidez seja consequência do estupro de uma mulher ‘idiota ou demente’. E denuncia a lei que vai modificar a interrupção da gravidez não garante abortos seguros devido à ameaça de punições penais e a existência de centros privados de reabilitação para “curar a homossexualidade”.

México: A sombra da impunidade

Apesar da vontade que Enrique Peña Nieto demonstrou ao chegar à presidência do México de fazer justiça com as vítimas da guerra do narcotráfico desenvolvida durante os seis anos de seu predecessor, Felipe Calderón, HRW adverte de que houve uma escassa efetividade das normas, como a Lei de Vítimas, ou das comissões, como a unidade dedicada a pesquisar desaparecimentos criada no seio da Procuradoria Geral da República. O relatório ressalta os "poucos avanços no julgamento de numerosos assassinatos, desaparecimentos e torturas perpetrados por soldados e policiais no enquadramento das ações contra a delinquência organizada" e denuncia como este tipo de violação continuou "durante a presidência de Peña Neto". Parte desta inatividade, de acordo com a organização, deve-se ao fato de que são os tribunais militares –"que carecem de independência e transparência"- que se encarregam de julgar os responsáveis por esses delitos.

HRW denuncia como no México ainda é “comum que se pratiquem torturas para obter informação e confissões sob coação” e adverte dos abusos por parte da delinquência organizada que sofrem as centenas de milhares de imigrantes sem documentos que cruzam o território do país norte-americano a cada ano. “As autoridades não adotaram medidas adequadas para proteger os migrantes, nem para pesquisar e julgar quem comete abusos contra eles”, denuncia HRW, que assegura que os centros de acolhimento de imigrantes costumam ser objeto de “ameaças e hostilidade” por parte de grupos delituosos e servidores públicos.

Em matéria de liberdade de expressão, HRW denuncia a autocensura que se veem obrigados a aplicar os jornalistas no México ante os ataques de servidores públicos ou de grupos vinculados à delinquência.

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