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Guedes e presidente do Banco Central terão de explicar ‘offshores’ ao Congresso

Três convites diferentes foram aprovados por Senado e Câmara para o ministro e Campos Neto. Presidente Jair Bolsonaro ainda não se manifestou sobre o assunto, revelado pelo ‘Pandora Papers’ no domingo

Paulo Guedes assina Decreto da Cédula de Produto Rural Verde durante cerimônia par marcar os 1000 dias do Governo Bolsonaro, em 1º de outubro.
Paulo Guedes assina Decreto da Cédula de Produto Rural Verde durante cerimônia par marcar os 1000 dias do Governo Bolsonaro, em 1º de outubro.Carolina Antunes/PR
Rodolfo Borges

As revelações do Pandora Papers levarão os dois principais homens da economia do Governo Jair Bolsonaro a se explicar no Parlamento. Três convites diferentes foram aprovados nesta terça-feira por senadores e deputados para o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. A investigação do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ, em sua sigla em inglês) tornou pública a existência de uma offshore no nome de Guedes e quatro no nome de Campos Neto. Ambos alegam que já haviam declarado seus investimentos às autoridades competentes, mas os parlamentares não ficaram satisfeitos com a explicação.

“Não há ilegalidade em ter offshore. O que estamos a apontar é a incompatibilidade da autoridade monetária e da autoridade da política econômica, que têm responsabilidade sobre o preço do dólar, terem movimentações no exterior”, detalhou Randolfe Rodrigues (Rede-AP), líder da oposição no Senado. “Para mim isso não é ético, não é moral e mostra um gravíssimo conflito de interesses. Principalmente diante do descontrole inflacionário que vivemos no país. Uma das causas disso é a desvalorização da nossa moeda”, completou, acrescentando que ficou espantado ao saber que a Comissão de Ética Pública da Presidência da República —que Guedes teria notificado sobre sua empresa— tenha considerado normal a situação.

Randolfe também apresentou, junto com outros parlamentares, um pedido de investigação contra os dois agentes públicos no Supremo Tribunal Federal —o procurador-geral da República, Augusto Aras, abriu uma investigação preliminar sobre o assunto. Randolfe propôs ainda um projeto de lei —a Lei Paulo Guedes— para proibir executivos de alto escalão do Governo de fazerem aplicações financeiras “em território nacional ou estrangeiro, em operações de que tenha conhecimento em razão do cargo ou da função pública”. Caso a lei venha a ser aprovada algum dia, os agentes agentes públicos brasileiros serão obrigados a apresentar, antes de assumirem o cargo, semestralmente e logo antes de deixarem seus cargos, uma declaração de bens, em que estejam expostas a origem e as mudanças em seus patrimônios.

A sombra da dúvida paira sobre a conduta do ministro da Economia e do presidente do Banco Central desde o domingo, quando a existência de suas offshores veio a público. Agora, sempre que o valor do dólar sobe em relação ao real, beneficiando os investimentos no exterior —ocorreu na segunda e nesta terça-feira—, os opositores do Governo lembram que os dois membros do Governo Bolsonaro estão lucrando. Durante o Governo Bolsonaro, o preço do dólar aumentou quase 40% no Brasil —e elevou o valor da offshore de Guedes, de 9,5 milhões de dólares, em 14 milhões de reais. As declarações do ministro ao longo do Governo não o ajudam neste momento. Ao ser confrontado com a alta do dólar em fevereiro de 2020, Guedes disse que o dólar alto era “bom para todo mundo”, pois favorecia a exportação e o turismo. Só não disse que era bom para seus próprios investimentos em um paraíso fiscal.

Para o deputado Kim Kataguiri (DEM-SP), o problema está na possibilidade de Guedes ter feito investimentos rentáveis “devido às informações que ele naturalmente possui enquanto ministro de Estado”. Ou mesmo que possa ter influído na política fiscal, monetária ou cambial do país para tornar seus investimentos rentáveis. O deputado lembrou que Guedes retirou da reforma tributária a tributação sobre recursos em paraísos fiscais. “Não está claro qual foi a atividade de sua offshore, nem como está sendo gerida desde sua nomeação no ministério”, reforçou o deputado Paulo Ramos ao pedir a convocação do ministro para esclarecer um suposto “conflito de interesses”.

Na noite desta terça-feira, advogados de Paulo Guedes divulgaram uma nota para dizer que “para espancar qualquer dúvida sobre a atuação legal e ética em sua vida pública e privada”, o ministro “juntará todas as informações necessárias para demonstrar a licitude e a conformidade de suas atividades com o Código de Conduta da Administração Federal e da Lei de Conflitos de Interesses”. Os defensores legais do ministro “irão protocolar, de forma voluntária, petição à PGR e ao STF esclarecendo de forma definitiva que o ministro jamais atuou ou se posicionou de forma a colidir interesses públicos com privados”, diz a mensagem. “Com relação a empresa Dreadnoughts, os documentos que serão protocolados deixam claro que o ministro desde dezembro de 2018 se afastou da sua gestão, não tendo qualquer participação ou interferência nas decisões de investimento da companhia”, explicam os advogados, que garantem que Guedes “jamais atuou ou se posicionou de forma a colidir interesses públicos com privados”.

O presidente Jair Bolsonaro ainda não comentou o caso —seu silêncio em momentos de constrangimento para o Palácio do Planalto é praxe. Um de seus filhos políticos, contudo, fez a defesa do Governo. “Novamente tentam criar escândalo inexistente. Offshore é uma empresa fora do Brasil. Se for tudo dentro da lei não há crime. Paulo Guedes e Roberto Campos Neto, por exemplo, declararam tudo para a Receita. Tudo legalizado. A mídia distorce pra você ver crime onde não existe”, escreveu o deputado Eduardo Bolsonaro em seu perfil no Twitter. O resto da explicação deve ser dada pelos próprios Guedes e Campos Neto ao Congresso, que ainda não marcou data para os depoimentos.

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