Coluna

Tempos confusos

Governo que não tem rumo nas principais áreas sociais dificilmente encontrará a lanterna mágica para levar-nos a bom porto. Não são apenas pessoas mal escolhidas. É a falta de projetos, de esperança, o que nos sufoca

O presidente Jair Bolsonaro em Brasília, em junho.ADRIANO MACHADO (Reuters)

Tempos confusos os que temos vivido. A tal ponto que estranhamos o que ocorreu no meio da semana: chamou a atenção o fato de o Governo não haver arranjado nenhuma confusão nova. Isso depois de, sem dar-se ao luxo de explicar melhor ao país as razões, o presidente haver dispensado vários ministros nas pastas de Educação e Saúde. Pelo menos até a última sexta-feira, quando escrevo este artigo, não demitiu ninguém ou ninguém s...

Tempos confusos os que temos vivido. A tal ponto que estranhamos o que ocorreu no meio da semana: chamou a atenção o fato de o Governo não haver arranjado nenhuma confusão nova. Isso depois de, sem dar-se ao luxo de explicar melhor ao país as razões, o presidente haver dispensado vários ministros nas pastas de Educação e Saúde. Pelo menos até a última sexta-feira, quando escrevo este artigo, não demitiu ninguém ou ninguém se sentiu na obrigação de abandonar o ministério. Nem mesmo se viu o presidente ou seus porta-vozes atribuírem à oposição ou a alguém mais notório o estar “conspirando”. Daí a calmaria.

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É assim que vai andando o atual Governo, meio de lado. Sem que os “inimigos” façam qualquer coisa de muito espetacular contra ele, é ele próprio quem se embaraça com sua sombra. De repente, quando não há nenhum embaraço novo, nenhuma “crise”, o presidente não se contém: fala e cria uma confusão.

É verdade que o governo federal não teve sorte. Não foi ele quem criou a pandemia que nos aflige, nem a paralisação da economia, que já vinha de antes. Mas a confusão política, desta ele se pode apropriar: foi coisa inventada pelo próprio presidente e seus fanáticos.

Por certo ela se agrava com a crise econômica e a da saúde pública. Mas o mau gerenciamento das crises e da política é o que caracteriza os vai-e-vens do Governo Bolsonaro. No Congresso e nos Tribunais (apesar de tão mal falados nos comícios pelos adeptos presidenciais) tem havido resistências à inação governamental e a suas investidas contra as instituições.

Comecemos pelo que mais importa, a saúde pública e a de cada um de nós. O governo federal desconsiderou os riscos da situação epidêmica no início, e, depois, passou o bastão às autoridades locais. Compreende-se que sejam estas, mais perto das populações, a gerenciar o dia-a-dia. Mas o papel simbólico é sempre, para o bem e para o mal, de quem exerce a presidência, tenha ou não culpa no cartório. Além disso é o que prescreve a Constituição, no seu art.23, sobre as competências comuns, entre as quais está a de zelar pela saúde pública, como deixou claro o STF em sua decisão a respeito.

Da mesma maneira é inacreditável que em tão pouco tempo o Governo haja substituído dois ministros na pasta da Educação e que o país ainda não saiba quem será o próximo ministro. Os anteriores o pouco que fizeram foi suficiente para darmos graças por se terem afastado. Mas quem virá? E logo numa área crucial para o país.

Governo que não tem rumo nas principais áreas sociais dificilmente encontrará a lanterna mágica para levar-nos a bom porto. Não são apenas pessoas mal escolhidas. É a falta de projetos, de esperança, o que nos sufoca.

Talvez esteja aí a falta maior do presidente: ele fala como qualquer pessoa, o que pode parecer simpático. É um “uomo qualunque”. Diz o que lhe vem à cabeça, como qualquer mortal. Mas este é o engano: o papel atribuído pelas pessoas ao presidente, qualquer deles, exige que ele, ou ela, mesmo sendo simples (para não dizer simplório), não pareça ser tão comum na hora de decidir ou de falar ao povo sobre os destinos da nação.

Em certos momentos muita gente no país pode até apreciar a semelhança entre si e o chefe-de-estado. A maioria mesmo: pois não foi ele quem ganhou as eleições? Afinal o presidente, dirão, é uma pessoa como qualquer outra. Mas quando há crises, é quando mais se precisa que haja comando, rumo. Talvez por isso os “homens comuns” no poder acabem por ser incomuns, singulares na sua incapacidade de definir um rumo. Quando têm personalidades autoritárias, investem e esbravejam contra as instituições democráticas. No Brasil, elas têm respondido bem ao desafio.

Onde iremos parar? Não tenho bola de cristal, mas é melhor parar logo. Se pudesse eu lhe diria: presidente, não fale; ou melhor, pense nas consequências de suas falas, independentemente de suas intenções. Sei que é difícil, afinal estava em seu lugar quando houve o “apagão” e também durante algumas crises cambiais. Não adianta espernear: vão dizer que a “culpa” é sua, seja ou não. E, no fundo, é sua mesma. Não se trata de culpa individual, mas, política. Quem forma o governo (sob circunstâncias, é claro) é o presidente. A boca também é dele. Logo, queiramos ou não, sempre haverá quem pense que o presidente é responsável. Vox Populi, dir-se-á...

É assim em nosso sistema presidencialista e, talvez, seja assim nas sociedades contemporâneas. Com a internet as pessoas formam redes, tribos, e saltam as instituições. Por isso é mais necessário do que nunca que haja lideranças. Em nossa cultura e em nosso regime, já de si personalistas, com mais forte razão os líderes exercem um papel simbólico, falam pela comunidade. O líder maior é sempre o presidente, pelo menos enquanto continuar lá. Por isso é tão importante: se não souber falar, se tiver dúvidas, que o presidente se cale. Como nesta semana. Melhor, contudo, é que se emende e fale coisas sensatas, que cheguem ao coração e faça sentido na cabeça das pessoas razoáveis.

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