_
_
_
_
Coluna
Artigos de opinião escritos ao estilo de seu autor. Estes textos se devem basear em fatos verificados e devem ser respeitosos para com as pessoas, embora suas ações se possam criticar. Todos os artigos de opinião escritos por indivíduos exteriores à equipe do EL PAÍS devem apresentar, junto com o nome do autor (independentemente do seu maior ou menor reconhecimento), um rodapé indicando o seu cargo, título académico, filiação política (caso exista) e ocupação principal, ou a ocupação relacionada com o tópico em questão

Terrorismo estocástico pela porta dos fundos

Os mafiosos do patriarcado estão ofendidos, amedrontados e ressentidos com as transformações históricas do país

Ataque Porta dos Fundos
Câmera de segurança capta imagem do vigilante presenciando o ataque com coquetéis molotov na sede do Porta dos Fundos, na madrugada do dia 24 de dezembro.Reprodução

Há um nome para o tipo de terrorismo difuso que vivemos: terrorismo estocástico. A palavra vem da estatística, descreve quando a probabilidade de um evento é indeterminada. Como jogar dados: os resultados possíveis são conhecidos, porém não previsíveis a cada lance. No terrorismo, são as ameaças difusas, a insistência da perseguição sem rosto ou biografia. É assim que as primeiras pessoas perseguidas pelo rebanho fanático que levou o presidente Bolsonaro ao poder descrevem as ameaças que sofriam: foram intelectuais, acadêmicos, militantes e artistas acossados por mensagens de matança, destruição e apocalipse religioso.

Mais informações
Porta dos Fundos, Netflix
Opinião | O que se sabe sobre a sexualidade de Jesus?
O historiador e sociólogo Lourenço Cardoso.
Lourenço Cardoso:“Temos potencial para abolir o racismo e todas as outras formas de opressão”

O ataque ao Porta dos Fundos é uma peça do ecossistema em que o terrorismo estocástico é um agente de disseminação do pânico. Governos autoritários animam a esperança da proteção do pai primevo pela instauração do medo como um sentimento político generalizado. O par medo-esperança não é novo na história política, e já compreendido sobre como operou nos regimes fascistas do passado. Mas a história não é uma simples repetição do vivido, por isso, importa compreender a quem interessa o terrorismo estocástico para uma ordem política em que favelas e condomínios de luxo se cruzam com os universos digitais das mídias sociais legais e clandestinas.

O terrorismo estocástico responde a um mesmo senhor moral na política bolsonarista, os valores do patriarcado da conquista, para seguir as palavras de Rita Segato. É uma ordem espoliadora colonial que não abandona suas forças misóginas, homofóbicas e racistas. Se toda violência carrega uma dimensão instrumental e outra expressiva, no terrorismo estocástico contra o Porta dos Fundos, a dimensão instrumental é evidente: o objetivo é instaurar o pânico. É, porém, a dimensão expressiva que exige ir além da investigação policial sobre sujeitos encapuzados que assumem a autoria do ato.

Um regime político que se instaura pela mentira (ou pelo “terrorismo das fofocas”, segundo o Papa Francisco) e pelo medo se estrutura por diferentes dimensões de sociabilidade. Uma delas é a que disputamos pelo Estado democrático de direito: a separação entre instituições políticas e religiões, a transparência dos atos de governo ou a luta por direitos. Outra dimensão é a que vários países da América Latina vivem como realidade paralela —a das milícias, das forças ilegais e brutais do narcotráfico e das gangues, da corrupção das elites. Uma terceira realidade, onde se esconde a milícia virtual, é a pararrealidade da clandestinidade digital, o ponto de encontro para os mafiosos da masculinidade ofendida que dali partem para ameaçar os que ousam desestabilizar os privilégios do patriarcado da branquitude.

O que querem expressar os mafiosos da masculinidade ofendida? A quem querem se comunicar? A outros homens de grupos mafiosos que se escondem na pararrealidade que alimenta o fanatismo. A passagem da pararrealidade à vida comum não se dá apenas em eventos espetaculares como a violência ao Porta dos Fundos, mas pela cotidianidade do encontro dessas pequenas máfias com a masculinidade abusiva que opera na legalidade, como os influenciadores digitais da política bolsonarista de ódio às feministas.

Esse é o pulo do gato que demanda nossa atenção. Primeiro, é preciso identificar e submeter à ordem do Estado os mafiosos que aterrorizam desde a pararrealidade. Mas é também preciso reconhecer que há encontros e interesses mútuos entre os mafiosos e o Estado de poder. Os mafiosos do patriarcado estão ofendidos, amedrontados e ressentidos com as transformações históricas do país: não é o pater embranquecido quem apenas tem voz.

Debora Diniz é brasileira, antropóloga, pesquisadora da Universidade de Brown.

Giselle Carino é argentina, cientista política, diretora da IPPF/WHR.

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo

¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?

Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.

¿Por qué estás viendo esto?

Flecha

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.

Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.

En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.

Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_