O acordo entre EUA e Honduras para reter migrantes viola os direitos humanos
Como garantir a vida em um local que em 2010 foi considerado o país sem guerra mais violento do mundo?
O acordo entre Estados Unidos e Honduras, que obriga a reter migrantes enviados pelo país norte-americano, contraria os direitos dos migrantes. Honduras não é um lugar seguro para quem busca proteção.
A ideia do “Acordo entre o Governo dos Estados Unidos da América e o Governo da República de Honduras para Cooperação no Exame de Reivindicações de Proteção” é uma estratégia para recrutar Governos da região e fazer com que assumam as responsabilidades de asilo e proteção dos EUA. Em poucas palavras, este documento procura reter em um país —que em 2018 teve uma média diária de mais de dez homicídios, segundo o Sistema Policial de Estatísticas Online (SEPOL), e em que na última década morreram violentamente mais 46 mil pessoas— migrantes de Cuba, Nicarágua, subcontinente da América do Sul e outros países transatlânticos.
É absurdo perguntar como garantir a vida dos migrantes em um local que em 2010 foi considerado o país sem guerra mais violento do mundo? Embora a taxa de homicídios tenha mostrado algumas reduções nos últimos anos, ainda é o dobro da taxa na região e o quíntuplo da média mundial.
É precisamente nesse contexto de violência que se enquadram as atividades de Médicos Sem Fronteiras (MSF) em Honduras, onde desde 2011 desenvolvemos um projeto de ajuda humanitária para prestar assistência médica, saúde mental e assistência social às vítimas de violência e sobreviventes de violência sexual na cidade de Tegucigalpa, em Honduras.
Entre 2016 e meados de 2019, as equipes de MSF atenderam 2.048 pacientes vítimas de violência sexual na capital hondurenha. Destes, 70% são sobreviventes de estupro e, desta porcentagem, 51% são menores de idade. Nesse mesmo período, MSF conduziu mais de 10 mil consultas de saúde mental a quase 5 mil pacientes que sofreram violência sexual e foram expostos a outras situações de violência. Seus principais diagnósticos estão associados ao estresse pós-traumático (25,6%), depressão (23,5%) e ansiedade (16,7%).
É claro que o país não tem capacidade para garantir segurança física, saúde e alimentação aos migrantes, levando em consideração que dificilmente isso pode ser feito com seus próprios cidadãos. Também não possui recursos econômicos ou condições físicas para abrigar e atender indefinidamente estrangeiros que entram e cruzam o país na rota para os EUA.
Precisamente por causa de extrema violência e fragilidade institucional, Honduras tem sido um país expulsor. A situação levou milhares de pessoas a se mobilizarem dentro e fora do país da América Central. De acordo com o Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA), entre 2014 e 2017, o aumento de pessoas que se mudaram por causa da violência multiplicou em mais de seis vezes, de 29 mil em 2014 para 190 mil em 2017.
O fenômeno da caravana mostra que as pessoas tentam deixar Honduras de qualquer maneira. Segundo dados do ACNUR, agência das Nações Unidas para pessoas em situação de refúgio, entre 12 mil e 14 mil pessoas migraram nas caravanas de outubro de 2018 para os EUA. Aproximadamente três em cada quatro pessoas em deslocamento eram de nacionalidade hondurenha (outros de El Salvador e Guatemala). Além disso, 63% dos migrantes hondurenhos afirmaram que a motivação para migrar relacionava-se a situações de violência direta (ameaças, recrutamento forçado para gangues, assassinato de parentes, entre outros).
O deslocamento interno em Honduras não está muito atrás. Entre 2004 e 2019, cerca de 247 mil pessoas tiveram que se mobilizar de maneira forçada devido a causas associadas à violência. Esse fenômeno piorou nos últimos cinco anos, de acordo com a Comissão Interinstitucional para a Proteção das Pessoas Deslocadas pela Violência.
Nesse contexto de violência estrutural, um acordo como o proposto pelos EUA viola os direitos das vítimas de violência e os expõe novamente a perigos que podem custar suas vidas. Honduras, em suma, não é um lugar seguro para quem busca proteção.
José Antonio Silva, coordenador do projeto Médicos Sem Fronteiras em Tegucigalpa (México).
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