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Reconstrução de um massacre escolar com muitos alertas ignorados

Adolescente de 15 anos que matou quatro colegas em Michigan apresentava sinais de instabilidade, mas nem seus pais, que lhe deram uma arma de presente, nem o colégio tomaram medidas sérias para contê-lo

Ethan Crumbley tras el tiroteo de Michigan
Ethan Crumbley, de 15 anos, entre seus pais, James e Jennifer Crumbley, em fotos da polícia.OAKLAND COUNTY SHERIFF'S OFFICE (Reuters)
Yolanda Monge

Os massacres armados em escolas dos Estados Unidos costumam acabar com o autor dos disparos sendo detido, abatido pelas forças de segurança ou cometendo suicídio com a própria arma do crime. Já houve um caso, como na tragédia vivida há nove anos em Newtown (Connecticut), em que o atirador inclusive assassinou a sua mãe dentro de casa para em seguida iniciar uma sangrenta escalada que deixou 26 mortos, inclusive 20 crianças. O que não costuma ocorrer é que os pais do executor acabem sendo presos e acusados de homicídio culposo.

James e Jennifer Crumbley, pais de Ethan Crumbley, de 15 anos, foram presos na madrugada de sábado passado em um galpão de Detroit onde se esconderam depois que a Justiça os declarou foragidos. Agentes do FBI, oficiais de Justiça e uma equipe especializada de Oakland participaram da operação de busca e captura do casal. Para a promotora de Justiça do condado, Karen McDonald, os pormenores do ocorrido antes, durante e depois da chacina já são suficientemente perturbadores para justificar a apresentação de acusações contra o casal Crumbley. Tanto Ethan como seus pais estão na prisão de Oakland, isolados da população carcerária geral e com protocolo de vigilância antissuicídio.

Para reconstruir o ocorrido de forma cronológica, a fim de apurar responsabilidades sobre o massacre de Oxford, é preciso recuar ao dia seguinte a Ação de Graças. Na sexta-feira, 26 de novembro, o pai de Ethan, de 45 anos, comprou para seu filho, como presente antecipado de Natal, uma pistola SigSauer semiautomática de nove milímetros. O jovem se apressou em se gabar da sua nova posse nas redes sociais: “Minha nova belezura”, escreveu.

Flores, velas e mensagens personalizadas deixadas por familiares e amigos de vítimas na entrada da Oxford High School, em Michigan (EUA).

No dia seguinte, sábado, 27 de novembro, um dia de descanso e que tradicionalmente se passa em família nesta que é uma das festividades mais importantes dos EUA, a mãe de Ethan, de 43 anos, publicou uma postagem nas redes em que aparecia testando a arma junto com seu filho. Até aqui, poderia parecer um dia normal numa nação cujos habitantes têm desde a infância uma forte e estreita relação com as armas de fogo. Quando o fim de semana chegou ao fim, a arma de Ethan foi guardada no quarto de seus pais, num lugar ao qual o jovem tinha livre acesso.

Na segunda-feira, dia 29, Michigan retomou as aulas depois do fim de semana prolongado. Naquela manhã, um professor informou a Jennifer Crumbley que o filho dela estava procurando na internet munição para uma arma de fogo. Aqui é onde o primeiro alarme falha estrepitosamente. A mãe do adolescente não achou nada fora do comum e inclusive mandou uma mensagem de texto ao seu filho em que lhe dizia: “LOL [gargalhadas]. Não estou zangada com você”. A recomendação da senhora Crumbley explica por que ela ignorou o primeiro alarme: “O que você tem que fazer é aprender a não ser apanhado”, recomendou.

Chegou na terça-feira 30, o dia dos assassinatos. Pela manhã, um dos professores de Ethan Crumbley encontrou um bilhete em que o adolescente tinha rabiscado uma pistola, uma pessoa ferida a bala, um emoticon sorridente e três frases premonitórias: “Sangue por todo lado”; “Os pensamentos não vão parar”; “Socorro”. A diretoria do colégio entrou em contato com os pais de Ethan, chamados a uma reunião naquela mesma manhã e aconselhados a procurarem ajuda profissional para seu filho, segundo a promotora McDonald.

Mas não só o casal Crumbley não quis que Ethan fosse retirado da sala de aula naquele dia, como tampouco lhe perguntaram se estava com a arma ou revisaram sua mochila. Tampouco o colégio tomou essa providência. Alarmes ignorados. “A simples ideia de que um pai possa ler essas palavras e, além disso, estar consciente de que seu filho tem acesso a uma arma mortal, que eles mesmos lhe deram, é inconcebível, e considero que seja algo criminoso”, afirma a promotora que solicitou a detenção do casal Crumbley.

Por incrível que pareça, Ethan voltou à sala de aula. A partir daquele momento, desatou-se o pior pesadelo de qualquer pai que deixa seu filho pelas manhãs em um colégio. Este foi 222º incidente com armas de fogo em um colégio em 2021, o ano com mais casos deste tipo, 100 a mais que em 2019, o que faz dele também o mais mortífero.

Segundo o relato das autoridades, às 12h50 Ethan entrou no banheiro com sua mochila e saiu empunhando seu presente de Natal, com o qual começou a disparar. Às 13h22, quando começou a ser noticiado um possível massacre armado no colégio Oxford, a mãe do adolescente enviou um horripilante SMS ao seu filho: “Ethan, não faça isso”. Às 13h37, o pai de Ethan ligou para o serviço de emergências avisando que a arma presenteada ao seu filho não estava em casa. Com essa arma, o jovem de 15 anos disparou mais de 30 balas, matando Tate Myre, de 16 anos; Madisyn Baldwin, de 17; Justin Shilling, de 17, e Hana St. Juliana, de 14. Outras sete pessoas ficaram feridas antes que Ethan fosse dominado e detido.

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