Deputados dos EUA propõem excluir Nicarágua do Tratado de Livre Comércio com a América Central

Iniciativa apresentada por 18 parlamentares democratas e republicanos é uma punição por violações de direitos humanos pelo regime de Daniel Ortega

Ativistas se manifestam contra o regime de Ortega em Washington.Lenin Nolly (EFE)

Uma iniciativa respaldada por 18 deputados democratas e republicanos dos Estados Unidos exige que a autoridade comercial desse país revise a participação da Nicarágua no Tratado de Livre Comércio da potência norte-americana com diversos países da América Central, conhecido como Cafta. A iniciativa foi apresentada nesta quinta-feira pela deputada republicana María Elvira Salazar, da Flórida, com o apoio do democrata Tom Malinowski, de Nova Jersey, que justificaram a medida como uma resposta às constantes violações de direitos humanos por parte do regime de Daniel Ortega e a recente escalada contra a oposição nicaraguense, que encarcerou quatro pré-candidatos presidenciais, três conhecidos ex-combatentes sandinistas, destacados ativistas e um importante empresário do setor financeiro.

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“Sob Daniel Ortega, a Nicarágua se transformou em uma terra de opressão”, afirmou Salazar após apresentar o projeto legislativo. “Os capangas de Ortega estão encarcerando os opositores políticos e silenciando violentamente as vozes dissidentes. Apresentei a Lei de Revisão do Livre Comércio com a Nicarágua porque o comércio com os Estados Unidos é um privilégio, não um direito. Devemos demonstrar ao regime de Ortega que ele não pode continuar reprimindo o povo nicaraguense enquanto colhe os benefícios econômicos do livre comércio com os Estados Unidos. Os Estados Unidos não deveriam estar no negócio de comercializar com ditadores”, acrescentou.

Se a proposta for aprovada, a exclusão da Nicarágua do Cafta seria um duro golpe econômico para o orteguismo. Dados do Governo norte-americano mostram que as exportações da Nicarágua para os EUA cresceram aproximadamente 70% desde que o tratado entrou em vigor, em 1º de abril de 2006, sob a Administração do recém-falecido ex-presidente Enrique Bolaños Geyer.

O documento do acordo estabelece que, para integrar o tratado, um país deve cumprir requisitos específicos, que incluem a garantia de um “ambiente jurídico” propício para os negócios, a preservação da concorrência, a proteção dos direitos de propriedade intelectual e a promoção “da transparência e do Estado de Direito”. É justamente nesse último ponto que, segundo os congressistas, Ortega falha na Nicarágua. “Daniel Ortega embarcou em uma violenta repressão contra a democracia e encarcerou os candidatos da oposição que se postulam a presidente. Está desmantelando as instituições democráticas, solapando ativamente os interesses dos Estados Unidos e violando os direitos do povo nicaraguense. Revisar o cumprimento do Tratado por parte da Nicarágua é não só necessário como também urgente”, argumentaram os deputados em nota divulgada na tarde de quinta-feira.

O democrata Malinowski justificou seu apoio à iniciativa dizendo-se triste com “o agressivo desmantelamento por Ortega da frágil democracia da Nicarágua e das liberdades pelas quais o povo nicaraguense tanto lutou”. “Peço-lhe que reverta imediatamente estas ações e respeite as leis e a constituição da Nicarágua. Ao mesmo tempo, não há nenhuma razão pela qual os Estados Unidos devam recompensar seu regime com acesso preferencial ao mercado norte-americano”, acrescentou.

Washington já demonstrou suas reservas ao regime de Ortega, descrevendo-o abertamente como uma “ditadura”. O Departamento do Tesouro impôs sanções econômicas a importantes figuras do Governo como resposta à detenção dos opositores. Entre os afetados pela decisão de Washington está Camila Ortega Murillo, coordenadora da chamada Comissão Econômica Criativa e filha de Daniel Ortega e sua esposa, a vice-presidenta Rosario Murillo. As sanções também incluem Leonardo Ovidio Reyes, presidente do Banco Central, o deputado Edwin Castro Rivera, leal operador político do regime na Assembleia Nacional, e Julio Rodríguez Balladares, general do Exército da Nicarágua. O Departamento do Tesouro justificou as sanções afirmando que essas pessoas apoiam “um regime que solapou a democracia, abusou dos direitos humanos, promulgou leis repressivas com graves consequências econômicas e tratou de silenciar os meios de comunicação independentes”. O regime de Ortega rejeitou as sanções, descrevendo-as como uma “ingerência arbitrária”.

A iniciativa dos congressistas norte-americanos surge um dia depois de a Organização dos Estados Americanos (OEA) aprovar uma resolução em que 26 países do continente condenam “inequivocamente a detenção, perseguição e restrições arbitrárias impostas a candidatos presidenciais, partidos políticos e veículos de comunicação independentes” na Nicarágua, exigindo a “liberação imediata de todos os presos políticos”.

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México e Argentina abstiveram-se da votação, pois não querem interferir em assuntos domésticos da Nicarágua, apesar de manifestarem preocupação com a detenção de figuras políticas da oposição. A decisão desses governos foi criticada pela Anistia Internacional. “O princípio de não intervenção nos assuntos internos de um Estado não se aplica às violações de direitos humanos e crimes do direito internacional”, afirmou Erika Guevara Rosas, diretora da Anistia para as Américas. “É inaceitável que os governos de Alberto Fernández, na Argentina, e de Andrés Manuel López Obrador, no México, decidam não acompanhar as numerosas vítimas da crise de direitos humanos na Nicarágua”, acrescentou.

A decisão da OEA, entretanto, foi celebrada por Washington. O secretário de Estado Antony Blinken afirmou que se trata de “uma clara mensagem de apoio ao povo nicaraguense e à sua luta por eleições livres e justas, o respeito aos direitos humanos e a prestação de contas”. Para Blinken, “os membros da OEA deixaram claro que as ações de Ortega e Murillo não têm cabimento neste hemisfério”.

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