Macron lança ofensiva internacional para defender seu plano contra o radicalismo islâmico

Presidente defende a laicidade da França diante do boicote de países muçulmanos e as críticas da mídia em inglês

Protesto contra o presidente francês, Emmanuel Macron, em 30 de outubro, em Istambul (Turquia).Emrah Gurel (AP)

Emmanuel Macron se sente incompreendido, ou vítima de uma campanha alimentada pela ignorância ou a má fé. Desde a decapitação de um professor por mostrar caricaturas de Maomé, nem tudo foram condolências. As convocações a um boicote em alguns países muçulmanos e as críticas ao laicismo francês na imprensa em língua inglês levaram o presidente a lançar uma ofensiva pedagógica para defender seus planos contra o radicalismo islâmico.

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Macron costuma reservar seus esforços persuasivos para a política interna francesa, onde em três anos e meio de presidência enfrentou desde a revolta dos coletes amarelos até mobilizações sindicais. Sua imagem no exterior – como líder europeísta, ou contrapeso internacional à onda populista que começou há quatro anos com o Brexit e a vitória de Donald Trump – lhe rende menos dores de cabeça.

O atentado que em 16 de outubro acabou com a vida do professor Samuel Paty forçou o presidente francês a dar explicações a uma nova plateia – desta vez, internacional – que, segundo ele, distorce suas palavras e intenções. Se o Eliseu esperava amostras de solidariedade internacional, descobriu também que, em meio aos apelos por boicote à França, alguns líderes, como o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, punham em dúvida a saúde mental do francês, ou o acusavam de islamofobia, como fez o primeiro-ministro paquistanês, Imran Khan.

Se em Paris achava-se que, depois do selvagem assassinato de Paty, os grandes veículos de comunicação internacionais escreveriam editoriais proclamando “Somos todos franceses” ― como fez o Le Monde com o “Somos todos americanos” depois dos atentados de 11 de setembro de 2001 ―, novamente houve uma decepção. Alguns artigos questionavam a laicidade, essa variante francesa, inscrita nos genes da moderna República, da separação entre a Igreja e o Estado, a qual serve entre outras coisas para justificar a proibição do véu nas escolas. Outros denunciavam a discriminação da que muitos muçulmanos são vítima na França. Ou mostravam estranheza com o desagrado que o ministro francês de Interior, Gérald Darmanin, expressou em uma entrevista com relação às seções de comida halal nos supermercados. Outro descrevia o fechamento de organizações islâmicas e de uma mesquita depois do atentado como “repressão contra o islã”.

Enquanto a campanha de boicote no mundo muçulmano era em parte um reflexo do choque geopolítico entre a França e a Turquia, as críticas na imprensa internacional evidenciavam uma fratura cultural: a incompreensão da laicidade francesa – codificada na lei de 1905, que garante a liberdade de culto e ao mesmo tempo a neutralidade da República perante as religiões – e todos os debates que sua interpretação suscita na própria França.

“Há forças importantes nos EUA e Oriente Médio que, sob pontos de vista diferentes, defendem modelos que fragmentam as sociedades, modelos que finalmente incitam ao recolhimento sobre si mesmos e a se sentirem bem dentro da sua própria comunidade”, resumiu nesta semana, em um encontro virtual com o EL PAÍS e outros veículos, o ministro francês da Educação, Jean-Michel Blanquer. “São modelos que contrariam a ideia republicana”, acrescentou, em referência ao multiculturalismo norte-americano e os sistemas em países muçulmanos.

No fim de semana passada, o presidente se dirigiu ao mundo muçulmano. Escolheu, para isso, o canal catariano Al Jazeera. “Não renunciaremos às caricaturas, aos desenhos, mesmo se outros recuarem”, havia afirmado dias antes no discurso de homenagem a Paty na Universidade Sorbonne. Houve quem interpretasse que o Estado estava assumindo estas caricaturas, publicadas por um meio privado, como próprias. Mas na Al Jazeera Macron recordou, primeiro, que o Charlie Hebdo já ironizou as outras grandes religiões (e também, com sanha, o próprio Macron e a sua mulher). E esclareceu que as caricaturas “não são os diários oficiais, não é o Governo francês quem as faz – não”. Mas acrescentou: “Minha função é preservar o direito [de publicá-las], e sempre o preservarei”.

Carta de protesto

Macron se dirigiu depois a outra audiência, mais reduzida, porém no seu entender mais influente na formação de uma opinião pública internacional, que até agora foi em geral favorável ao presidente francês. Já não eram os muçulmanos, e sim o que na França chamam de “imprensa anglo-saxã”.

Um artigo de opinião no Financial Times intitulado “A guerra de Macron contra o ‘separatismo islâmico’ divide ainda mais a França”, esgotou a paciência do Eliseu. Macron escreveu ao jornal londrino. Acusou a articulista de distorcer os fatos e de manipular suas palavras. Recordou que ele jamais usou a expressão “separatismo islâmico”, que se referiria ao separatismo de toda uma religião, e sim “separatismo islamista”, em referência a uma ideologia política baseada nesta religião, ideologia que o presidente considera que ameaça a unidade do país. “A França combate o ‘separatismo islamista’, em nenhum caso o islã”, dizia o título da carta. O jornal retirou o artigo do seu site “após ser informado de que continha erros factuais”.

400 INCIDENTES NO MINUTO DE SILÊNCIO PELO PROFESSOR PATY

O Governo francês identificou “400 violações” do minuto de silêncio que as 60.000 escolas da França observaram na segunda-feira, dia do reinicio das aulas após as miniférias de outono, em homenagem ao professor Samuel Paty, decapitado em 16 de outubro por um terrorista islâmico. Destes incidentes, uma dezena foi grave, podendo gerar consequências penais para os alunos. “Um incidente grave é, por exemplo, a apologia do terrorismo”, esclareceu na sexta-feira no canal RTL o ministro da Educação, Jean-Michel Blanquer. Em janeiro de 2015, depois dos atentados contra o semanário satírico Charlie Hebdo e contra um supermercado judaico já haviam ocorrido episódios de reação às homenagens. Em um encontro com correspondentes nesta semana, o ministro Blanquer considerou que desta vez “a imensa maioria” dos alunos havia observado o minuto de silêncio “espontaneamente”, porque “entenderam perfeitamente a gravidade do que estava em jogo”. “Agora”, acrescentou, “o fato de que havíamos avisado que seríamos intransigentes certamente também ajudou um pouco”.

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