Resistência do Irã pagou salários a líderes da extrema direita espanhola
Simpatizantes de grupo cujo braço armado já foi considerado terrorista doaram 65.000 euros que foram entregues a dois políticos do partido Vox em 2014
Dois líderes do partido ultradireitista espanhol Vox, Santiago Abascal e Iván Espinosa de los Monteros, receberam salário da própria sigla durante oito meses, graças a doações do Conselho Nacional da Resistência do Irã (CNRI), segundo fontes ouvidas pelo EL PAÍS. Os dois políticos ganharam ao todo cerca de 65.000 euros (pouco mais de 300.000 reais, pelo câmbio atual). O CNRI teve um braço armado que figurou até 2012, um ano antes de financiar o partido radical, na lista de organizações terroristas dos EUA.
O Vox foi fundado em 2013 com um milhão de euros do CNRI. Em 17 de dezembro do mesmo ano, quando se inscreveu no registro de partidos políticos do Ministério do Interior, a formação —atualmente a terceira maior força no Parlamento, com 52 deputados— recebeu a primeira transferência do exterior feita por simpatizantes do exílio iraniano, no valor de 1.156,22 euros (5.360,70 reais, pelo câmbio atual).
Um mês depois de criar o partido, Santiago Abascal, então secretário-geral, e Iván Espinosa de los Monteros, um de seus dirigentes, começaram a receber seus salários dos opositores do regime da República Islâmica. O dinheiro chegou ao Vox graças às gestões do primeiro presidente e fundador da formação ultradireitista, Alejo Vidal-Quadras. O salário de Abascal foi estabelecido em 5.000 euros brutos, ou 3.570 euros líquidos, que recebeu entre fevereiro e outubro de 2014. Ao todo, foram 40.000 euros.
O salário de Espinosa de los Monteros era de 3.083 euros brutos, ou 2.300 líquidos, segundo dois ex-dirigentes do partido. O parlamentar, hoje porta-voz do Vox no Congresso, recebeu esse salário durante o mesmo período que Abascal, mas faturou através de uma empresa. O deputado Javier Ortega Smith recusou-se a receber um salário.
As remunerações foram decididas num café da manhã na casa de Espinosa de los Monteros e ratificadas na sede madrilenha do grupo ultradireitista. Abascal e Espinosa de los Monteros recusaram-se a responder às perguntas deste jornal.
Os 65.000 euros brutos que os dois hoje deputados ganharam durante oito meses procederam de um caixa comum que se alimentou de 141 transferências internacionais enviadas de diferentes países por simpatizantes do CNRI, segundo a planilha secreta revelada no ano passado pelo EL PAÍS.
Entre dezembro de 2013 e abril de 2014, o a partido arrecadou 971.890,56 euros (4,5 milhões de reais, pelo câmbio atual). O dinheiro custeou a campanha eleitoral europeia de 2014 e os gastos da formação, da fiança e aluguel de sua primeira sede, em Madri, até móveis e computadores.
Para ajudar o nascimento do Vox, o CNRI mobilizou 35 arrecadadores no mundo. Fizeram coletas em bairros e cidades de 15 países, incluindo Alemanha, Itália, Suíça, Canadá e EUA, e cerca de mil simpatizantes contribuíram. Assim, a maioria das doações que ajudaram a pagar os salários de Abascal e Espinosa de los Monteros foi feita de forma anônima, e suas identidades tampouco constam na conta que o grupo abriu num banco catalão ou na contabilidade interna do partido. Nesta última, no entanto, aparecem os nomes dos 141 doadores que transferiram os recursos.
À conta que a formação abriu para bancar sua campanha às eleições europeias de maio de 2014 só chegaram dois donativos que não procediam do movimento de resistência iraniano. Não superaram os 2.000 euros. O fluxo estrangeiro foi interrompido antes do pleito comunitário.
Abascal e Espinosa de los Monteros sabiam que seus salários provinham de recursos do CNRI. Quando, em janeiro de 2019, o EL PAÍS revelou o financiamento iraniano do partido ultradireitista, Vidal-Quadras respondeu assim à pergunta de se os dirigentes do Vox conheciam a origem do dinheiro: “Abascal esteve a par de tudo, expliquei a ele minha relação com o CNRI e lhe disse que nos financiariam. Achou que tudo bem. Adorou. Não pôs nenhum empecilho”.
A relação de Vidal-Quadras com o exílio iraniano remonta à sua etapa como eurodeputado (1999-2014), quando recebeu uma delegação desse grupo em Bruxelas. O primeiro presidente do Vox deixou o partido em 2015 por desavenças com Abascal depois de não obter o assento no Parlamento Europeu.
Quando Abascal começou a ganhar seu primeiro salário do Vox, carecia de outros rendimentos. Meses antes, havia deixado o Partido Popular e perdido o cargo de diretor-gerente da Fundação para o Mecenato e o Patrocínio Social, por causa da extinção daquele organismo da Comunidade de Madri. Antes, Esperanza Aguirre, então presidenta da região de Madri, o havia colocado na Direção da Agência de Proteção de Dados.
Durante uma etapa no País Basco, Abascal exerceu cargos públicos pelo PP como vereador no município de Llodio, foi membro das Juntas Gerais da província de Álava e assessor da Prefeitura de Vitoria. Seus oito meses de salário do Vox foram os primeiros de sua atividade que não vinham dos cofres públicos. Quando Espinosa de los Monteros começou a receber do Vox, compatibilizava seu trabalho político com seus negócios privados. Por esse motivo, causou “surpresa” no partido que pedisse uma remuneração.
Uma organização no olho do furacão
O CNRI teve um braço armado que figurou até 2012, um ano antes de financiar o nascimento do Vox, na lista de organizações terroristas dos EUA.
Fundado em 1965 em Teerã por três universitários, a legião militar da organização, chamada Mujahidin-e Jalq (MJ), protagonizou entre 2003 e 2014 um périplo nos tribunais internacionais para sair das listas de organizações terroristas da União Europeia e EUA. O Reino Unido deixou de considerá-lo grupo terrorista em 2008, após um procedimento impulsionado um ano antes por 35 deputados. Uma investigação do jornal britânico The Guardian publicada em novembro de 2018 ligou essa medida a uma campanha bem financiada para conseguir o respaldo de mandatários internacionais.
O CNRI organiza anualmente em Paris uma grande concentração popular com seus militantes, à qual Alejo Vidal-Quadras compareceu em mais de 15 ocasiões como conferencista. Também já participaram como convidados os ex-premiês espanhóis José María Aznar e José Luis Rodríguez Zapatero e a ex-vice-primeira-ministra María Teresa Fernández de la Vega.