Tóquio abre seus Jogos Olímpicos com uma emotiva e sóbria celebração do esporte mundial
Comitê Olímpico Internacional e Japão se esforçam para enviar uma mensagem de unidade e esperança ao mundo, após um ano de atraso no evento devido à tragédia da pandemia de covid-19. Tenista Naomi Osaka, símbolo do tema “tudo bem não estar bem”, acende a pira olímpica diante do estádio vazio
Às oito horas da noite deste 23 de julho ―e um ano depois do planejado―, o Estádio Nacional do Japão tornou-se o epicentro da festa olímpica dos tempos de pandemia. Discreta e sóbria, simples e detalhista, a cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos Tóquio 2020 deu a dimensão do enorme esforço investido pelos organizadores do Comitê Olímpico Internacional (COI) e pelo Governo do Japão para espalhar uma mensagem de unidade e fé no futuro, apesar da tragédia causada pela covid-19. E, ao mesmo tempo, a festa evidenciou as inevitáveis limitações impostas por uma época tão difícil. Ainda que o público estivesse ausente das arquibancadas, Tóquio conseguiu emocionar atletas e suas delegações, assim como os espectadores virtuais, numa cerimônia cujo ápice foi estrelado pela tenista Naomi Osaka ―porta-voz do lema “tudo bem não estar bem”―, que acendeu a pira olímpica em uma simbólica representação do Monte Fuji.
O som do Bolero de Ravel conduziu a chama olímpica pelo estádio enrubescido. A tocha foi carregada pelo ex-lutador Saori Yoshida e pelo ex-judoca Tadahiro Nomura, que a repassou a várias lendas do esporte japonês e paralímpicos. E no penúltimo revezamento, foi levado por crianças que viviam na área de Fukushima, devastada pelos terremotos de 2013.
Os 68.000 lugares vazios no estádio só reforçaram a enorme falta que o público faz. O esporte e o espetáculo empalidecem sem a gritaria, os silêncios, a expressão espontânea do estado de espírito do espectador. Os Jogos Olímpicos mais caros da história, também os que mais demoraram a acontecer, e sobre os quais pairam ainda muitas incertezas, começaram paradoxalmente após uma cerimônia tranquila, íntima e empática. Uma trégua para a população japonesa, cuja reação será indecifrável.
Metade dos 11.274 atletas que irão competir desfilaram pelo estádio Olímpico de Tóquio com seus trajes coloridos, emitindo uma mensagem de resiliência, paixão olímpica e valores como solidariedade e paz, nas palavras do presidente do COI, Thomas Bach. “Hoje é um momento de esperança. Sim, é muito diferente, mas vamos valorizar este momento. Estamos todos aqui juntos “, disse ele em seu discurso.
Embora o centro do estádio não estivesse lotado, como costumava ser em olimpíadas passadas, os atletas não perderam o sorriso nem o entusiasmo. Eles acenaram suas bandeiras e saudaram o estande no qual havia apenas 900 personalidades convidadas e tantos jornalistas, e claro, as câmeras de televisão.
A delegação brasileira foi a 151ª a entrar no estádio olímpico de Tóquio durante a cerimônia de abertura. Ao contrário da maioria das delegações, representadas por ao menos uma dezena de atletas, o Comitê Olímpico Brasileiro (COB) recomendou que o Brasil fosse com apenas quatro pessoas na cerimônia devido aos protocolos sanitários. Assim, os porta-bandeiras foram Bruno Resende, do vôlei masculino, e Ketleyn Quadros, do judô, que entraram ao lado de dois representantes do COB.
Bruninho, 35 anos, é filho do ex-treinador da seleção brasileira de vôlei, Bernardinho. Ao lado do pai, o levantador ganhou a medalha de prata em Pequim 2008 e Londres 2012, além do ouro na Rio 2016. Já Ketleyn, 33 anos, foi a primeira mulher brasileira a vencer uma medalha num esporte olímpico individual. Ela ganhou o bronze em 2008.
Com poucos segundos na transmissão oficial da cerimônia, o destaque ficou para a sambadinha da dupla na saída do desfile.
O jogador da NBA Rui Hachimura e o lutador Yui Susaki foram os porta-bandeiras da delegação japonesa, a última a entrar no centro do estádio para fechar o desfile de duas horas que começou com a Grécia e a Seleção de Refugiados.
A cerimônia começou com vídeos emitidos pelos dois telões do estádio com imagens de vários atletas competindo. Fizeram a contagem regressiva desde que Tóquio foi designada sede dos Jogos em 2013, quando superou, entre outras, a candidatura de Madri. Os primeiros fogos de artifício foram lançados da cobertura do estádio e deu início as coreografias, com os bailarinos mantendo a distância entre eles. O Imperador do Japão Naruhito e Thomas Bach fizeram sua entrada, a bandeira do Japão foi hasteada, e Misia, a famosa cantora, cantou o hino Kimi ga yo (O Reino de Sua Majestade Imperial). Depois, foi feito um minuto de silêncio em memória aos falecidos, em particular aos que perderam a vida devido ao novo coronavírus. Figurantes e dançarinos, a modo de carpinteiros, juntaram cinco anéis gigantes, esculpidos em madeira de pinheiros e árvores de abetos plantados para comemorar os Jogos de 1964, também realizados em Tóquio, iluminados por lanternas de papel, e os transportaram para o centro do estádio onde acabaram formando os anéis olímpicos.
Após o desfile e o juramento olímpico dos juízes, atletas e treinadores, foi exibido um vídeo-tributo estrelado pela ex-ginasta israelense-húngara Agnes Keleti, a pessoa mais velha de 100 anos com uma medalha olímpica. Depois, deu início a um dos momentos mais impactantes da noite. Várias crianças construíram com 1.824 drones o logotipo de Tóquio, que logo sobrevoou o estádio e se transformou no globo terrestre.
E do céu, de volta ao palco. “Imagine que não existe paraíso. É fácil se você tentar. Nenhum inferno abaixo de nós. Acima, apenas o céu. Imagine todas as pessoas…”, é assim que começa Imagine, a famosa canção de John Lennon. Ela foi interpretada por Alejandro Sanz, John Legend, Keith Urba e Angelique Kidjo. O cantor madrilenho anunciou a sua participação pouco antes do início da cerimônia: “Se pode sonhar acordado e imaginar em voz alta. Hoje a honra me teletransporta para outro mundo. Vou participar da cerimônia de abertura dos Jogos. Minha voz será a de todos. Tremo de alegria e gratidão”, disse.
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Clique aquiA cerimônia foi finalmente realizada sem que nada delatara seu longo e difícil trabalho, com uma série de demissões de seus gerentes. Em dezembro, Hiroshi Sasaki assumiu como diretor criativo da cerimônia no lugar de Mansai Nomura, um popular ator japonês. Em fevereiro, o presidente da comissão organizadora dos Jogos, Yoshiro Mori, renunciou após a polêmica causada por reclamar que as mulheres têm o “hábito irritante” de falar muito nas reuniões. Em março, renunciou Sasaki após a repercussão de uma proposta de que a atriz japonesa Naomi Watanabe se disfarçasse de porco e descesse do céu e se referia a ela como Olympig. E, apenas um dia antes da cerimônia de abertura, o presidente do Comitê Organizador, Seiko Hashimoto, anunciou a demissão do diretor Kentaro Kobayashi devido a uma piada sobre o Holocausto em um programa em 1998.
A cerimônia foi realizada, e apesar de ter correspondido ou não às expectativas, os Jogos de Tóquio, os mais incertos e estranhos da história, já estão em andamento. Agora, o principal desafio, mais do que nunca, é que possam ser concluídos conforme o planejado com a cerimônia de encerramento no dia 8 de agosto. “A pandemia nos obrigou a nos separar, a manter distância. Ficamos longe até mesmo dos nossos entes queridos “, disse Bach em seu discurso aos atletas que desfilaram. “Esta separação tornou este túnel muito escuro. Mas hoje, em qualquer lugar do mundo, estamos unidos para compartilhar este momento juntos. A chama olímpica torna esta luz mais brilhante para todos. Caros atletas, a comunidade olímpica está com vocês. Milhões de pessoas ficarão grudadas nas telas“.
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