Qual é o efeito econômico de ser sede olímpica? Pode ser um trampolim, mas também uma herança maldita

Algumas cidades que receberam os Jogos aproveitaram para se transformar, mas outras acumulam prejuízos e obras em desuso

O atleta espanhol Fermín Cacho na Olimpíada de Barcelona-92. Ricardo Gutiérrez

Receber uma Olimpíada faz de qualquer cidade o centro do mundo durante várias semanas. Algumas anfitriãs aproveitaram os investimentos na infraestrutura do megaevento esportivo para se reinventarem, mas para outras urbes os famosos cinco anéis foram uma carga em forma de prejuízos e instalações abandonadas. Estes são alguns exemplos do legado econômico que o espírito olímpico deixa para trás.

Barcelona-92. Um ímã para o turismo

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A caixa registradora de Barcelona fechou as duas semanas de Olimpíada com um faturamento de 46,09 bilhões de pesetas (3,3 bilhões de reais, em valores atualizados), refletindo os gastos feitos por atletas, patrocinadores e visitantes. A cifra é elevada, mas representaria apenas 2,4% do impacto econômico gerado pelo evento a partir de 1986, ano da famosa frase “A la ville de Barcelona”, pronunciada por Juan Antonio Samaranch, que deu o tiro de largada para a construção de grandes obras públicas até a realização das competições em 1992.

O estudo Mosaico olímpico mostra que, incluindo esse período de obras olímpicas, as profundas reformas urbanísticas na capital catalã, os rendimentos fiscais e a própria organização do evento, o impacto total alcançou 16,266 bilhões de dólares (84 bilhões de reais, pelo câmbio atual). Metade desses recursos procedeu dos investimentos públicos (5,39 bilhões dólares) e privados (2,62 bilhões) para construir hotéis e apartamentos residenciais. Apenas 1,36 bilhão foi investido na organização da Olimpíada propriamente dita, e esse foi o único quesito que seguiu o caminho das previsões: o resto dos investimentos aumentou de forma desenfreada.

Todo esse dinheiro contribuiu para uma melhora evidente da atividade econômica, reduzindo de forma significativa o desemprego na região metropolitana de Barcelona. E criou uma indústria que até então era secundária na cidade: o turismo. A construção de novos estabelecimentos hoteleiros e a imagem turística da cidade não parou de crescer desde então, e o mesmo estudo aponta que o aumento de visitantes nos anos seguintes à Olimpíada foi muito superior ao de outras sedes, como Seul, Atlanta e Sydney. Antes da pandemia, a cidade recebia em torno de 12 milhões de visitantes por ano, um sucesso que teve consequências. Em 2017, essa pressão pelo volume de turistas se tornou o principal problema para os habitantes de Barcelona, segundo uma pesquisa da prefeitura.

Londres-2012. A cidade que surpreendeu a si mesma.

Com seus 8,25 milhões de habitantes na época, seus 1.572 quilômetros quadrados e uma imensa atividade econômica, Londres é uma cidade grande demais para ser transformada apenas por uma Olimpíada, mas a de 2012 revitalizou uma das áreas mais deprimidas da cidade (embora não ao gosto de todos), foi um grande sucesso esportivo e econômico (mas o setor turístico e a hotelaria esperavam muito mais: muitos leitos ficaram vazios, porque o medo do caos olímpico afastou os turistas habituais) e, acima de tudo, elevou o moral de uma cidade que estava mergulhada no pessimismo da crise financeira e renegava os Jogos, mas os abraçou com entusiasmo ao descobrir que a cerimônia inaugural não foi a decepção que se temia, e surpreendeu a si mesma pelo êxito de Londres-2012.

A maior parte do investimento olímpico se centrou no bairro de Stratford, na zona leste de Londres, onde foi construída a Vila Olímpica, o estádio, a piscina e um grande parque. Os Jogos foram também o motor que acelerou a construção do enorme complexo comercial de Westfield, e o bairro se transformou de maneira prodigiosa. O estádio olímpico não ficou em desuso – hoje é ocupado pelo West Ham United, o mais modesto dos grandes clubes de futebol londrinos, e ao mesmo tempo um dos mais populares. Mas essa transformação não está livre de críticas: a chegada de milhares de novos moradores, jovens e dinâmicos, provocou um fenômeno de gentrificação bem conhecido em outras cidades, onde a regeneração dos bairros deprimidos acabou justamente expulsando os mais pobres ao invés de beneficiá-los.

Segundo um estudo da Universidade do Oeste de Londres, os quatro bairros que receberam os Jogos só aumentaram em 200 unidades seu parque de moradias sociais, e há uma lista de espera de 65.000 solicitações.

Rio-2016. Promessas rompidas.

Cinco anos depois da Olimpíada, pode-se afirmar que o legado não cumpriu as expectativas de melhorar a estrutura urbanística, esportiva e social de Rio de Janeiro. O Parque Olímpico, a principal infraestrutura dos Jogos de 2016, na zona oeste da cidade ―que custou mais de dois bilhões de reais aos cofres públicos― teve pouco uso depois das competições esportivas. O evento mais grandioso a ser realizado no parque dos Jogos foi o festival musical Rock in Rio, em 2019. E hoje somente dois espaços criados para os torneios continuam pertencendo à Prefeitura do Rio: a Vila Olímpica e a Arena Carioca 3, cujo projeto de futuro passava por se transformar em uma escola, o que ainda não ocorreu. Todos os demais recintos foram transferidos ao setor privado e a outras instâncias públicas.

Embora o prefeito Eduardo Paes (PSD) defenda o legado olímpico –sobretudo em termos de melhora na mobilidade urbana, com a criação de uma nova linha de metrô e a construção de três linhas rápidas de ônibus–, os cariocas continuam encontrando estações lotadas e um transporte público degradado. Por outro lado, a linha 4 do metrô (que liga as zonas Sul e Oeste) custou 10 bilhões de reais com o pretexto de transportar 300.000 pessoas por dia, um objetivo que jamais foi alcançado: apenas 70.000 pessoas utilizam esta linha diariamente. O projeto de revitalização da zona portuária do Rio tampouco conseguiu atrair residentes para a região central da cidade. As obras estão paradas há dois anos, apesar de terem recebido cinco bilhões de reais em investimentos.

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