“A eleição tem que acontecer. O BID precisa preencher vazio que está sendo ocupado pela China”

O candidato de Trump à presidência do Banco Interamericano de Desenvolvimento defende realização de pleito e alerta que “a China começou a emprestar dinheiro à região com seus bancos estatais”

Mauricio Claver-Carone nos jardins da Casa Branca, durante entrevista ao EL PAÍS. Xavier Dussaq
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Os Estados Unidos anunciaram no início do verão que, pela primeira vez na história, apresentariam um candidato à presidência do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID): Mauricio Claver-Carone, assessor de Donald Trump para a América Latina e defensor da mão dura contra o castrismo e o chavismo. A proposta surpreendeu metade da região, não só pelo habitual desdém de Trump pelos organismos multilaterais, mas também pela ruptura com a tradição que concede a um latino-americano a presidência desse banco. Vários países estão tentando adiar a eleição, convocada para 12 de setembro e que Claver-Carone venceria com folga, com o objetivo de esperar por um 2021 em que talvez Trump já não governe, pois o republicano também luta por sua própria reeleição em novembro. Para isso, um grupo de países liderado pela Argentina (que apresenta candidato) tenta evitar que seja reunido o quórum mínimo de 75% necessário para dar validade à votação. Claver-Carone, nascido em Miami (Flórida) em 1975, de pai espanhol e mãe cubana, que cresceu entre a Flórida e a Espanha, afirma ser latino-americano. Em uma entrevista concedida nos jardins da Casa Branca, critica a manobra do quórum e defende sua independência da Administração norte-americana caso seja eleito. Criado em 1959, o BID administra um volume anual de empréstimos de cerca de 12 bilhões de dólares (aproximadamente 64,38 bilhões de reais).

Pergunta. Faltam poucos dias para a eleição no Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). O senhor acredita que ela acontecerá?

Resposta. Uma eleição tem de acontecer. Do contrário o banco fica no limbo, sem liderança. Para adiar legitimamente uma eleição seria necessária uma resolução com a maioria dos países e fixar uma nova data para a eleição. Em 9 de julho, todos os países do banco propuseram, por unanimidade, o dia 12 de setembro como a data da eleição do BID. Essa data está entre 27 de agosto, que foi a eleição para presidente do Banco Africano de Desenvolvimento, e 7 de outubro, que será a eleição do presidente do Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento. O que estamos ouvindo é a narrativa criada pela imprensa e alguns países sobre como sequestrar o voto neste momento. No entanto, isso não cria um adiamento nem uma nova data para a eleição, é simplesmente uma tática de curto prazo para perder tempo, mas as consequências seriam muito importantes. Se a eleição não ocorrer antes de 1º de outubro, o banco fica com um presidente interino que é o advogado do banco e, ironicamente, é um norte-americano. Mas deixa o banco sem mandato, sem objetivos, sem mobilizar recursos, sem atender às necessidades da região e com uma falta de perspectivas na governança que poderia provocar um rebaixamento da classificação de crédito.

P. E o que a administração dos EUA faria se isso acontecer?

R. A eleição tem de acontecer. Deixar um banco paralisado, em um limbo, não apenas seria inaceitável para os Estados Unidos, como também para a maioria dos acionistas. O banco precisará de maioria para uma nova resolução com uma nova data. Já sabemos que isso não vai acontecer porque a maioria já disse em um comunicado que quer que a eleição aconteça no dia 12 de setembro. De uma forma ou de outra, para governar como uma instituição, é necessário um projeto majoritário. As eleições do BID têm sido muito disputadas. Em 2005, quando Luis Alberto Moreno venceu, recebeu 56% dos votos e 44% dos acionistas se opuseram. Se esses 44%, em vez de votar contra ou a favor de seu candidato, simplesmente tentassem táticas minoritárias para negar o quórum, não teria acontecido uma eleição.

P. Mas essa tática, em todo caso, só precisa de 25% de apoio (para que não haja quórum suficiente) e parece que não há.

R. O único país que se declarou a favor de uma tática de quórum para sequestrar um processo eleitoral em setembro é a Argentina. Outros países, como Chile, Costa Rica e México, anunciaram que apoiam um adiamento, o que significa uma resolução aprovada por maioria e uma nova data.

P. O senhor não está desapontado com a posição do México, depois da boa sintonia demonstrada na visita do presidente Andrés Manuel López Obrador?

R. Temos um ótimo relacionamento com o México e continuaremos conversando. O ministro da Fazenda expôs basicamente que as eleições deveriam ser adiadas para março. Se o México apresentar uma resolução e receber o apoio da maioria, obviamente respeitaremos isso. O México tem o direito de apoiar ou se opor ao candidato que quiser, mas deve respeitar as regras do jogo porque ninguém quer uma instituição paralisada.

P. Um dos argumentos apontados por seus críticos é que esse posto tem sido tradicionalmente ocupado por latino-americanos.

R. Dos quatro presidentes que o banco teve em 61 anos ―e aí já existe uma questão de governança que não reflete nossos valores―, nenhum dos últimos nasceu na América Latina. Enrique Iglesias nasceu na Espanha e Luis Alberto Moreno na Filadélfia, Estados Unidos, e é cidadão norte-americano. Luis Alberto Moreno não podia ser presidente do BID porque nasceu nos Estados Unidos e também é norte-americano? Enrique Iglesias não podia porque nasceu na Espanha e é cidadão espanhol? As regras são iguais para todos. Fui apresentado não apenas pelos Estados Unidos, mas também por Guiana, Haiti, El Salvador e Paraguai, sou o único candidato ao BID oficialmente apresentado como candidato de um país de cada sub-região, América do Norte, América Central, Caribe e América do Sul. Nossa candidatura é tão válida quanto a de Moreno e Iglesias.

P. Também temem que o senhor dirija o banco em função da sintonia que cada país latino-americano mantém com a Administração de Donald Trump.

R. Não pode ser. Se for eleito, eu seria o primeiro presidente do BID que foi diretor executivo de uma instituição financeira internacional desde Felipe Herrera, o primeiro presidente, que foi representante do Chile no Fundo Monetário Internacional. Eu entendo como funciona a governança de uma instituição financeira internacional: a agenda é conduzida por diretores e governadores e um é advogado da agenda. Hoje eu trabalho para o Governo dos Estados Unidos, mas se for eleito, trabalharei para os 48 países-membros do BID. É uma questão de governança e de transparência, como sempre desejamos para o BID e que tem faltado. Essas presidências de 15 e 20 anos criaram uma cultura de esquivar a diretoria, é o que tenho ouvido de todos os governadores. Se for eleito, eles conduzirão a agenda e eu seria essencialmente um executor, um advogado de sua agenda, um advogado e um executor muito eficaz para a região.

P. E não um advogado e um executor das políticas da Trump?

R. Os Estados Unidos são um membro acionista do BID da mesma maneira que os outros 47 acionistas. É a maioria dos diretores e governadores que estabelecem a agenda, e essa é a agenda que o presidente, por seu dever legal, deve aceitar.

P. Por que o senhor quer o posto? A Administração de Donald Trump não se caracterizou pelo interesse em organismos multilaterais.

R. Porque a América Latina e o Caribe são a região que mais sofre com a falta de financiamento no mundo, algo que se agravou com a crise e a pandemia. Simplesmente, para as pequenas e médias empresas, a falta de financiamento chega a 87 bilhões de dólares. Nos Estados Unidos, nem os republicanos nem os democratas se importaram com o BID no passado, nunca fizeram nada pelo BID. Quando o BID Invest foi criado, não houve injeção de capital: foi um erro que queremos corrigir. A China ocupou esses vazios nos últimos anos com seus bancos estatais e começou a emprestar dinheiro para a região. Mas esses empréstimos diminuíram enormemente. O melhor que podemos fazer é trabalhar com todos os nossos amigos aliados e todos os acionistas do BID para que este seja uma verdadeira potência financeira. É muito melhor que os Estados Unidos e a região façam isso do que, por desespero, se busque financiamento em outros países.

P. O que pensa da dura carta de vários ex-presidentes, incluindo o espanhol Felipe González, contra sua candidatura?

R. Os presidentes do passado sempre estarão presos ao passado. Se tivesse havido um candidato norte-americano para o BID em 1959, talvez se chamasse John Smith ou John Wayne, eu me chamo Mauricio Claver-Carone. Meu pai nasceu em Madri, minha mãe nasceu em Havana e eu nasci em Miami. Falo espanhol tão bem quanto qualquer outro candidato. Os Estados Unidos são o segundo maior país de língua espanhola do mundo, mais do que a Espanha ―quem diz isso é o Instituto Cervantes― e depois do México. O que nos faz menos latino-americanos do que eles? Vejo críticas à minha nacionalidade, mas lhes pediria uma proposta. O presidente do Governo (primeiro-ministro) espanhol, Pedro Sánchez, apresentou uma proposta para a América Latina em junho e disse que as instituições financeiras internacionais deveriam criar um pacote de coesão para ajudar a região. Está correto, queremos ajudá-lo a executar sua visão. Quase quatro meses se passaram e ninguém fez nada pela região, que é a que mais vai sofrer com esta pandemia e a crise financeira. Se esses presidentes quisessem fazer algo positivo, nesses quatro meses que passaram criticando minha nacionalidade poderiam ter proposto uma agenda positiva para ajudar a região a sair da crise.

P. Os Estados Unidos poderiam congelar seus aportes de capital para o BID se a eleição continuar bloqueada?

R. O BID é uma entidade autofinanciada e autossustentável. Queremos aportar mais capital se os diretores e governadores do BID concordarem. Pensamos que a candidatura poderia trazer mais confiança por parte do Governo dos Estados Unidos, que há muito não tem confiança para aportar mais capital, como vimos em 2015 com o BID Invest. Luis Alberto Moreno teve de ir à China em busca de dinheiro para o BID Invest e agora temos que corrigir isso.

P. O senhor quer que o BID sirva como contrapeso ao papel cada vez mais importante da China como credor?

R. Não se trata de servir como contrapeso, mas de preencher um vazio que existe, porque já é um vazio que não está sendo preenchido nem completado pelas instituições internacionais, nem pela China.

P. Havia pensado em perguntar se o senhor cogita retirar sua candidatura, mas vejo que...

R. Em absoluto. Como a candidatura que tem o apoio de dois terços da região vai querer se retirar? 21 países apoiaram publicamente nossa candidatura, quatro se manifestaram contra. Quando uma partida de futebol está 21 a 4 já pode terminar, mas alguns países querem pegar a bola e sair correndo do campo para dominar o jogo. 21 a 4 é uma margem de vitória maior do que a obtida por Luis Alberto Moreno em 2005.

P. O que espera dos países da União Europeia depois das declarações de Josep Borrell [o alto representante para Política Externa e Segurança Comum defende o adiamento das eleições]?

R. A União Europeia não tem voto no BID, são os países individualmente que o têm. Falamos com os governadores dos países da União Europeia e nos disseram claramente que o senhor Borrell não representa o ponto de vista de cada país.

P. Como interpreta os indultos aprovados por Nicolás Maduro para presos políticos e deputados perseguidos?

R. É um velho jogo que as ditaduras às vezes fazem, um círculo vicioso. Pegam presos políticos, pessoas que nunca deveriam ter estado presas, e os leiloam. Em um momento de necessidade, eles os soltam, pegam outros, etc. Obviamente é bom e comemoramos que estejam livres, mas nunca deveriam ter deixado de ser livres e Nicolás Maduro não vai receber nenhum cumprimento por ter cometido um crime.

P. Acredita que pode ser um sinal para um maior diálogo?

R. É um sinal de desespero. Nicolás Maduro foi acumulando presos políticos para buscar o momento de receber algum tipo de alívio da comunidade internacional, é o que está buscando agora com este gesto teatral. Uma pessoa que prende inocentes não tem que receber nenhum tipo de alívio ao libertá-los, ao contrário. Devemos garantir que a pressão sobre os demais seja mantida, porque continuam existindo mais de 200 presos políticos na Venezuela e estamos muito preocupados com seu bem-estar.

P. A Administração norte-americana considera endurecer as sanções ao petróleo, suspendendo as isenções que permitem que algumas empresas estrangeiras continuem operando, como a Repsol e a Eni?

R. O Departamento de Estado e o Departamento do Tesouro estão buscando uma maneira de continuar exercendo pressão sobre Nicolás Maduro, cujo Governo é ilegítimo e também é uma pessoa processada pelo Governo dos Estados Unidos por crimes de tráfico de drogas. Obviamente, vamos continuar buscando a maneira de aumentar essa pressão, mas essas deliberações estão sendo feitas no Departamento de Estado e no Departamento do Tesouro.

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