Juliette, uma dose de otimismo para o cérebro

A participante do BBB 21 nem imagina o futuro promissor que a aguarda quando sair. Torcer por ela, sem muito medo de dar errado, é a descarga de dopamina que precisamos para continuar

Juliette Freire./INSTAGRAM


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Juliette Freire é o nome da nordestina que já tem um dos maiores engajamentos já visto nas redes sociais e contratos publicitários que devem superar o prêmio de 1,5 milhão de reais do programa que está participando. Se você não se rendeu à programação televisiva que está ocupando o tempo e a mente de milhares de brasileiros em mais um ano atípico de pandemia, posso lhe explicar o fenômeno social por trás de Juliette.

Nascida em Campina Grande, mas atualmente vivendo em João Pessoa, Juliette é a filha de dona Fátima e seu Lourival, uma cabeleireira e um mecânico. A única da família a conseguir ter ensino superior, a jovem abandonou a faculdade de medicina para se tornar advogada. Para conseguir se manter enquanto o sonho de ser delegada não se realizava, tornou-se maquiadora profissional. Mas aí veio a pandemia, a falta de dinheiro e a casa onde morava teve de ser devolvida.

Juliette estava se sustentando com o auxílio emergencial do Governo, quando a notícia de que iria para participar do Big Brother Brasil chegou. Animada, a moça falante enxergou no programa uma chance para mudar de vida. O que ela não sabia é que desde a primeira semana iria encontrar tanta dificuldade para ser compreendida pelo jeito de se comunicar. As brincadeiras da participante, bem como o sotaque raiz—cheio de interjeições que um bom nordestino reconhece para dar o tom da piada—eram interpretados como grosseria. E a moça foi murchando. Acuada sem saber como faria pra mudar o jeito de falar (como os outros participantes queriam), Juliette ressurgiu das cinzas. Decidiu manter suas características culturais, enfrentar a rejeição dos colegas e cantar. Ao som de uma voz doce e suave, Alceu Valença, Maria Gadú e até Chico César foram entoados. A moça pedia que Deus a protegesse da maldade de gente boa e o público parece ter se identificado com a oração.

O fato é que tudo isso tem uma explicação científica. Desde que o homem pré-histórico passou a contar suas experiências de caça ao redor das fogueiras e usar este momento de socialização para construir memórias orais, podemos observar uma necessidade de reconhecimento e legitimidade social como uma das nossas necessidades primordiais. Nosso corpo e mente foram criados para viver em grupo, para sobreviver através das relações sociais e com grande necessidade de reconhecimento. A questão é que esta validação, muitas vezes, depende da realização de grandiosos feitos, reforçando a ideia de que é preciso sobreviver aos infortúnios da vida.

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Ao longo de gerações, fomos levados a crer que toda a nossa jornada de vida implica, também, na descoberta de aspectos heróicos em nossas atitudes. Aspectos estes que serão capazes de nos transformar enquanto indivíduos e de mudar a realidade de quem está ao nosso redor. Os enredos das peças gregas e os roteiros de Hollywood deixam claro o que sempre foi uma necessidade de sobrevivência emocional nossa: a de sermos salvos. Nosso cérebro sempre teve a clara percepção desse objetivo e por isso mesmo sempre buscou nas relações culturais, políticas e midiáticas a redenção que a presença de um super-herói ou super-heroína pode nos trazer.

E o que tudo isto tem a ver com o reality Big Brother Brasil em 2021? Absolutamente tudo.

O filósofo e sociólogo Edgar Morin explica bem essa questão quando se refere ao Olimpianos. O termo vem dos habitam o Olimpo ( Monte Olimpo), que é a mais alta montanha da Grécia e na mitologia grega refere-se à morada dos Deuses do Olímpio. Morin explica que os Olimpianos são os indivíduos promovidos a heróis, vedetes, um misto de humano e sobre-humano. Conforme os termos do filósofo, os “olimpianos são sobre-humanos no papel que eles encarnam, humanos na existência privada que eles levam”. Juliette e tantos outros que surgem em meio a uma sociedade sedenta por validação social, com as mentes isoladas dentro da sua própria aglomeração social, têm um duplo papel. São ao mesmo tempo mitológicas e humanas.

Essa dupla identidade surge como resultado do que precisávamos. Veja o caso de Juliette e o contexto de um país desolado com o golpe de mais de 4.000 pessoas morrendo por dia. A sensação de caos que a falta de comandos políticos claros deixou, gerou a falta de credibilidade de uma nação que busca “alguéns” a quem recorrer. Sendo assim, uma pessoa que tenha carisma, além de ser uma representação fiel de tudo aquilo que nós gostaríamos de ser/ter se materializa na imagem de uma participante de um programa de TV.

De repente, tudo fica muito claro. Juliette passou a carregar a esperança da superação das dificuldades sem fim vividas pela pandemia. É o alento e riso triste que consola nas horas em que a realidade da falta de dinheiro, vacina e saúde falam alto. Os números de engajamento de Juliette mostram o poder do carisma e credibilidade que a jovem nordestina, subestimada e valente é capaz de ter. E nosso cérebro sente prazer em premiar quem achamos que se parece conosco e que, de certa forma, nos identificamos.

Juliette nem imagina o futuro promissor que a aguarda quando sair da “casa mais vigiada do Brasil”. Esta é a grande reviravolta e final feliz que estamos ansiosos por ver se realizar. Torcer por ela, sem muito medo de dar errado, é a descarga de dopamina que precisamos para continuar. Depois de tanto sofrimento, uma merecida e grande recompensa.

Gosto de pensar que talvez a nossa vida também seja como a da narrativa de Juliette. E que, assim como ela, também nem podemos imaginar o futuro promissor que nos aguarda quando “tudo isso passar”. No fundo, somos grandes otimistas.

Lígia Sales (@ligiasal) é consultora de marketing sócia da www.ankrondigital.com.br, professora mestre em semiótica e pesquisadora de neuromarketing.

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