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O caso Meredith de ‘Grey’s Anatomy’: volta a série mais querida com a protagonista mais odiada

A temporada 17 de uma série que tornou o detestar sua protagonista um gênero em si mesmo. Por que não gostam de Meredith?

A atriz Ellen Pompeo, na temporada 17 de 'Grey's Anatomy'
A atriz Ellen Pompeo, na temporada 17 de 'Grey's Anatomy'

“Estou vendo a série novamente e cada vez que Meredith aparece ou é uma grande vadia ou uma egoísta do caralho. Entendo que precise ser complexa, mas sério?”. No fórum do Reddit “Meredith Grey é desagradável!” as pessoas não têm papas na língua para dizer por que a protagonista de Grey’s Anatomy as horroriza: “É insípida, egoísta, rancorosa, sem senso nenhum e quaisquer qualidades”, diz um dos usuários. “É petulante, desagradecida e condescendente”, acrescenta outro. “Mal-educada, arrogante, desonesta e o mais importante: nunca pede desculpas”, disse outro mais. Em “Odeio Meredith Grey” também não se contêm, outro subreddit para deleitar-se na ojeriza que, pelo jeito, provoca a personagem principal da série na comunidade de seguidores na plataforma (em que se reúnem 110.000 almas devotas do show): “Nas primeiras oito temporadas eu quis jogá-la em um poço. Era uma chorona e uma vadia, uma pessoa terrível, mesmo com seus íntimos. Foi má até mesmo com George, um de seus melhores amigos, durante as primeiras 3-4 temporadas. Ela é egoísta, desagradável e quebra todas as regras”, dizem no ambiente virtual, onde pelo menos reconhecem seu espírito de superação e mau humor após (atenção, spoiler) ficar viúva. “Desde a temporada nove gosto de sua atitude intimidadora”.

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Por que Meredith Grey desagrada tanto? Odiar a cirurgiã que está há mais tempo salvando vidas e comendo o pão que o diabo amassou em nossa televisão se transformou em um clássico que nunca morre em Grey’s Anatomy, a série de médicos mais longeva da história. A temporada número 17, a última até agora, transmitida desde fevereiro no Brasil pelo Sony Channel tem, além de histórias cruzadas (crossover) em seu primeiro episódio para promover outra série do canal ABC —a série de bombeiros Station 19—, uma trama centrada em combater a pandemia de coronavírus no Grey Sloan Memorial de Seattle. Uma nova oportunidade para voltar a treinar um dos esportes favoritos da internet: criticar sua protagonista, a mulher com mais penúrias, mais maltratada na questão pessoal e que mais perto esteve da morte de todo o elenco da série e que, apesar das adversidades, continua sem despertar empatia em boa parte dos seguidores.

Grey's Anatomy Ellen Pompeo
Ellen Pompeo, em uma imagem promocional da temporada 17 de 'Grey’s Anatomy'.STAR/ABC

O paradoxo Meredith: a menos querida é a mais bem paga

Parafraseando a própria Meredith falando com seu psiquiatra sobre seus traumas: “Por acaso deu uma olhada em meu currículo?”, a verdade é que a cirurgiã é formada com honras em dramas pessoais durante essas 17 temporadas: presenciou a tentativa de suicídio de sua mãe quando era criança; quase morre em várias ocasiões —se afogou e praticamente congelou no salvamento de um acidente de balsa, desativou uma bomba na sala de cirurgia e sobreviveu a um acidente de avião, ficando durante dias na intempérie esperando o resgate— ; seu pai era alcoólatra e refez sua vida após se separar de sua mãe sem entrar em contato com ela; teve um aborto espontâneo enquanto operava seu marido que estava entre a vida e a morte, foi atacada brutalmente por um paciente que destroçou sua mandíbula e a deixou muda, surda, e prostrada na cama durante semanas quase sem conseguir se comunicar, com a perna e o braço quebrados; viu sua mãe morrer (de Alzheimer) e de maneira abrupta e inesperada sua irmã e seu marido. Teve a custódia de sua filha adotiva retirada temporariamente. Foi expulsa temporariamente da medicina e ficou um tempo presa por ajudar uma paciente sem plano de saúde, rebelando-se contra o sistema sanitário norte-americano. Tudo isso seria material suficiente para santificar a melhor cirurgiã de Seattle, mas isso não a salvou de manchetes como Esta é a prova de que Meredith Grey é o pior personagem de Grey’s Anatomy, As 10 piores coisas feitas por Meredith Grey e 15 razões pelas quais odiamos Meredith Grey, iscas caça-cliques que enfatizam um sentimento que sempre esteve ali entre certo setor dos espectadores de Grey’s Anatomy: não suportar a mulher sobre a qual toda a série orbita.

Ellen Pompeo, a atriz que interpreta e que também recebe sua parte por seus dotes interpretativos nos fóruns de ódio contra Meredith, não parece se importar minimamente com a má vontade com ela e lida com perseverança os contínuos dramas e, como ela mesma defendeu, o “ambiente tóxico” entre a equipe de filmagem que tantas outras manchetes mencionaram desde o começo da série. No final das contas, ela é a atriz mais bem paga da televisão e teve o que mereceu. Desde 2018, a protagonista do show ganha 20 milhões de dólares (114 milhões de reais) por ano dentro de um pacote que inclui 575.000 (três milhões de reais) por episódio, mais um bônus “de sete cifras” e ações que dão a ela mais seis ou sete milhões (34 a 39 milhões de reais) anuais. Além disso, recebe como produtora do spin off de Station 19, a série de bombeiros que cruza as tramas e personagens de Grey’s Anatomy há duas temporadas. O segredo de sua folha de pagamento foi revelado há três anos em uma comentadíssima capa do The Hollywood Reporter, onde confirmou que ela não está na série pela arte, e sim pelo dinheiro e puro negócio (“Atuar, para mim, é chato. Um ator é a pessoa menos poderosa do estúdio e para mim dá na mesma perseguir papéis”). Nessa entrevista —que estabeleceu um antes e depois na cultura pop sobre como as mulheres devem negociar seus salários— também explicou que não se arrependia de ter pedido um aumento após fazer contas e entender que a série que tinha seu nome, mesmo nunca estando nas preferidas da crítica e das premiações, gera 3 bilhões de dólares (17 bilhões de reais) para a Disney. “Um homem nunca teria problemas em pedir 600.000 dólares (3,5 milhões de reais) por episódio, mas como mulheres pensamos: estou exagerando?”. Não exagerou e conseguiu a bonificação que a transformou na mais bem paga, um paradoxo que não a salva de ser a mais odiada.

As pessoas não admitem sequer que sua personagem refaça sua vida e queira ser feliz. Um das showrunners da série, Krista Vernoff, disse há tempos a TV Guide que se sentia francamente constrangida pela “crueldade” com que os fãs receberam o novo namorado de Grey, o interno Andrew DeLuca, após várias temporadas sem ninguém pelo luto por seu marido: “Fico surpresa que alguém que goste de um personagem possa desejar que não tenha outra relação durante o resto de sua vida sem importar quanto possa viver. Isso é cruel. Não posso entender, essa ideia de que alguém apoie que nunca mais encontre o amor após ficar viúva tão jovem me deixa louca”, disse, rebelando-se contra um setor da audiência que se nega a conceder um relacionamento à sua protagonista.

Grey contra a encantadora magia do médico salva-vidas

O fenômeno de odiar a personagem principal de uma série querida não é exclusividade de Grey e não é a primeira vez que acontece. Que o ou a protagonista seja o menos apreciado do elenco de uma série muito querida pelo público aconteceu com outros shows longevos, como por exemplo com Ted Mosby em How I Met Your Mother, Piper Chapman em Orange Is The New Black e Rory Gilmore em Gilmore Girls. Personagens que, da mesma forma que Meredith Grey, não foram criados exatamente para ser odiados e provocar uma ânsia de sofrimento entre os espectadores (o arquétipo que se conhece como “escoadouro do ódio”, hate sink em inglês), mas que acabam provocando, involuntariamente e de modo espontâneo, essa sensação entre sua audiência.

Grey não está sozinha nesse terreno, mas seu caso é praticamente paradigmático ao comprovar como em uma programação televisiva que historicamente teve vários médicos muito apreciados pela audiência, surpreende que uma cirurgiã que leva seu trabalho a sério, interessada em salvar vidas e ser bem-sucedida em sua profissão como os outros, seja quem, curiosamente, capitalize esse ressentimento da audiência frente à evidente estima que demonstram a outros médicos da televisão. Aí está a masculinidade mágica do queridíssimo Dr. Max Goodwin de New Amsterdam, o doutor Douglas Ross (George Clooney) de ER e o doutor Vilches de Hospital Central. É possível dizer que até o doutor House, alguém com um péssimo humor, arrogante e que maltratava voluntariamente sua equipe, era muito mais bem quisto do que Meredith. Para Pompeo, que há anos gere sua personagem como produtora associada, seu desenvolvimento é o fundamental. Tanto que até confirmou à revista Variety que detesta uma das frases mais queridas pela audiência ligadas à sua personagem: aquela “Olhe para mim, me escolha, me ame” que implorou a Derek, seu interesse romântico no começo da série. “Quando disse isso pensei: Por que estou implorando que um homem goste de mim? Isso não me empodera”. Muitas, muitíssimas temporadas depois, com um personagem completamente autossuficiente e poderoso e com mais de três milhões de reais por episódio no bolso, Pompeo sabe que o mundo poderá continuar odiando Meredith Grey o quanto quiser, mas a série, por mais que a critiquem, continuará levando seu nome.

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