‘Minari’: Hollywood fala coreano em aposta para o Oscar 2021
Drama de Lee Isaac Chung, baseado na sua infância de imigrante, desperta grande expectativa depois de ganhar o Globo de Ouro, confirmando a crescente atenção da indústria à minoria asiática
Em fevereiro de 2018, Lee Isaac Chung (Denver, Estados Unidos, 42 anos) encontrava-se diante de uma encruzilhada vital: sua carreira cinematográfica estava estancada, depois de uma magnífica estreia com Munyurangabo (2007), filme rodado em Ruanda, lançado em Cannes e recebido com críticas muito positivas. Mas nem Lucky life (2010) nem Abigail harm (2012) tinham tido muita repercussão. Queria que sua filha, ainda criança, passasse um tempo na Coreia do Sul, país de origem da sua família, e recebeu uma oferta para lecionar numa universidade em Incheon. “Era hora de assumir mais responsabilidades como pai”, recorda em uma entrevista por videoconferência. “Mas senti que faltava uma história para contar no cinema.” Era a história da sua infância no Arkansas, Estado onde seu pai tentou prosperar comprando um sítio onde começou a cultivar hortaliças. Chung escreveu o roteiro, entregou-o ao seu agente e pegou um avião para a Coreia.
Hoje, Minari: em busca da felicidade —graças ao envolvimento da produtora Plan B, de Brad Pitt, que embarcou no projeto no começo de 2019— se tornou uma das grandes apostas na corrida para o Oscar. É provável que obtenha várias indicações, depois de disputar seis categorias do Bafta, outras seis em premiações do cinema independente, e ganhar um estranho Globo de Ouro de melhor filme em língua estrangeira, apesar de ser 100% norte-americano e se passar integralmente no Arkansas. “Eles só levam em conta o idioma. São suas regras, pouco posso dizer a favor ou contra”, afirma. “E não quero pensar no Oscar”, cujas indicações serão anunciadas na próxima segunda-feira. “Embora, depois do sucesso de Parasita no ano passado, pudéssemos criar uma nova categoria de melhor filme coreano do ano”, brinca. Em 2020, no Festival de Sundance, ganhou o prêmio do público e o grande prêmio do júri na categoria drama, mas o ano da pandemia obrigou a um parêntese no lançamento de Minari, ainda sem previsão de estreia no Brasil.
Chung gosta de repetir que os Estados Unidos são um país nascido da imigração. “Muitos dos meus compatriotas se esquecem de que quase todos nós procedemos dessa imigração, exceto os nativos e os afro-americanos, trazidos como escravos de forma obrigada. Nossa identidade norte-americana está sempre em constante evolução pela chegada de imigrantes, até em pleno século XXI. Para mim, essas novas culturas somam, contribuem com riqueza.” O sonho americano não transforma em realidade a ânsia de prosperidade dos imigrantes? “De certa maneira, sim. Mas nem todos os imigrantes chegam pelas mesmas razões: há refugiados que estão nos EUA de forma temporária. No coração deste país está a filosofia de alcançar o sucesso, de certa maneira de conquistar terras, e isso é algo que Jacob [o pai no seu filme] carrega consigo. Tampouco posso me esquecer de que, como esta pandemia demonstrou, há grandes bolsões de população automaticamente marginalizada, como os imigrantes. Ou os que não têm seu trabalho reconhecido, como é o caso das mulheres.”
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Minari não é um filme sobre o racismo: na tela, os caucasianos quase parecem estrangeiros ao redor da família coreana, e os protagonistas não sofrem nenhum tipo de exclusão. “Porque minha infância foi feliz. Em algum momento eu não gostei de ser coreano, mas sem muitas razões, não porque alguém me dissesse alguma coisa. Aprendemos naqueles anos que, na verdade como seres humanos, todos os vizinhos tinham muito em comum.” Mas de fato sentiu o racismo na pele: “Em algum momento, certamente. Sempre fizeram a comunidade asiático-americana se sentir mais estrangeira do que realmente sentimos dentro de nós. E isso se via no pouco reflexo da nossa cultura no cinema.”
Mas durante a rodagem escapou um boné, o vermelho usado por Jacob, que viria a se tornar uma curiosa mensagem: só na montagem Chung e Steven Yeung perceberam que era muito parecido com o boné habitualmente ostentado por Donald Trump com o lema “Make America Great Again”. “Pois é, muitos estão dizendo que eu queria arrancar esse boné dos valores conservadores... Foi mais simples: Steven [o ator que encarna o pai, que trabalhou em Burning e Okja, com carreira nos EUA graças a The Walking Dead, e a quem o realizador em princípio não quis contratar para não ter confusões familiares, já que é marido de uma prima sua] olhou entre o que o departamento de figurino pôs à sua disposição. E esse ficava bem. Um boné vermelho é só um boné vermelho, como um ser humano é um ser humano.”
O cineasta escreveu o roteiro em três meses —“Talvez porque já o guardasse dentro de mim”—, e a rodagem foi ainda mais rápida: em 25 dias em meados de 2019. “Cresci nesse Arkansas rural, onde ninguém cogita fazer filmes. Por isso, comecei a estudar Medicina, e no quarto ano passei para o Cinema. Mas era muito tarde para mudar de carreira, então me formei em Biologia... embora já estivesse obcecado em dirigir filmes.”
Sua esposa viajou como voluntária de uma ONG a Ruanda e ele procurou o que fazer por lá: deu aulas de cinema para adolescentes e dirigiu seu primeiro filme. “Quero voltar. Gostei da sensação de ser um estranho, de contar histórias com perspectiva. E por isso me custou escrever Minari. Só o escrevi quando estava entre a cruz e a espada”, conta. Quando a Plan B deu o sinal verde, Chung voltou da Coreia: “Era minha oportunidade, meu filme. Em Minari há duas perspectivas, a do pai e a do filho, e em ambas estou eu, porque agora sou pai, falo como esse progenitor, e o menino é o reflexo da minha infância. Minari reflete sobre o que significa amar alguém, virar homem, pai, marido, encarar responsabilidades... Tudo nasce de mim.” Obviamente, esse sucesso revitalizou a carreira de Chung, que agora lidera a adaptação com atores reais do anime Your Name (2016), de Makoto Shinkai —um grande desafio, porque o original foi sucesso de crítica e quebrou recordes de bilheteria. “Por favor, devagar”, ri. “Que ainda lavo a roupa da família. Tudo é estranho, e ainda mais em tempos de coronavírus. Nesta temporada de prêmios, só posso dizer que sinto uma imensa gratidão.”
O TIRO DE PARTIDA DE ‘PODRES DE RICOS’
Há décadas o público afro-americano assiste a filmes criados para ele, do gênero blaxplotation a sagas como Uma turma do barulho. Mas a comunidade asiática nos EUA nunca havia tido o mesmo eco. É verdade que já havia estrelas de origem asiática que levaram Hollywood a não repetir erros como escalar Mickey Rooney para encarnar o sr. Yunioshi em Bonequinha de luxo. Entretanto, não havia filmes de sucesso com elenco asiático-americano —com exceções como Wayne Wang e seu O clube da felicidade e da sorte—, até que estreou Podres de ricos (2018), uma comédia seminal que catapultou as carreiras de seus atores. Por exemplo, a da comediante Awkwafina (a mais famosa do elenco), que reapareceu em A despedida. Ou Constance Wu, que foi chamada para As golpistas. Ou Henry Golding, que depois deixou Emilia Clarke apaixonada em Uma segunda chance para amar.
A Netflix correu e pôs outra atriz sino-americana, Leah Lewis, em Você nem imagina, outra comédia romântica: hoje, os atores de origem asiática já não aparecem mais apenas em filmes de ação, como acontecia com Bruce Lee e Jackie Chan. A Marvel, por exemplo, lança em 9 de julho Shang-Chi e a lenda dos 10 anéis, seu primeiro filme com um super-herói asiático (lá também estará Awkwafina, militante e porta-voz da luta pelo reconhecimento de sua minoria), e a Disney já acumula duas iniciativas: Mulan e Raya e o último dragão, escrita por Adele Lim (roteirista de Podres de ricos), com as vozes de duas atrizes daquele filme: Gemma Chan e... Awkwafina.
Quem dá voz a Raya é Kelly Marie Tran, protagonista involuntária da última desfeita de Hollywood à comunidade asiática: encarnou Rose Tico, personagem que prometia muito em Os últimos Jedi, antes de ser relegada, quase apagada, da trama de A ascensão Skywalker.
A Raya le pone voz Kelly Marie Tran, protagonista involuntaria del último desprecio de Hollywood a la comunidad asiática: encarnó a Rose Tico, personaje que prometía mucho en Los últimos jedi, antes de ser ninguneada, casi borrada, de la trama de El ascenso de Skywalker.
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