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A doença semelhante ao ebola que alarmou a Bolívia por sua transmissão entre humanos

Grupo de pesquisadores documentou um surto letal do vírus chapare que matou três pessoas e do qual não se detectavam casos desde 2004

Trabalhador da saúde sai de um hospital em La Paz (Bolívia) meses atrás, equipado com a proteção para a covid.
Trabalhador da saúde sai de um hospital em La Paz (Bolívia) meses atrás, equipado com a proteção para a covid.Gaston Brito (Getty Images)

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Permaneceu hibernando por mais de 15 anos, até que meses atrás matou três pessoas. Um vírus hemorrágico semelhante ao ebola despertou o alarme na Bolívia após acabar com a vida de um agricultor e dois médicos perto da capital. Ele se chama chapare, pela região em que foi detectado pela primeira vez, em 2004, e em 2019 ressurgiu em seu formato mais letal. Um grupo de pesquisadores concluiu que pode ser transmitido entre humanos e que isso aumenta o risco de possíveis surtos no futuro.

“Estávamos na Colômbia em pleno trabalho de campo sobre febres hemorrágicas quando recebemos a notícia dessas três mortes suspeitas na Bolívia”, relata em uma conversa por telefone María Morales-Betoulle, do Centro para o Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos. A mobilização foi imediata. A perita forense do hospital em que as mortes ocorreram recolheu amostras dos falecidos e as enviou ao Ministério da Saúde. Elas foram analisadas em La Paz e em Atlanta (Estados Unidos) e em poucas semanas obtiveram seu sequenciamento. Desenvolveram um teste molecular para detectar outros possíveis casos (semelhante aos PCR, mas com amostras de sangue). Outra equipe foi ao povoado do agricultor morto para investigar a origem do vírus.

O que encontraram foram ratos. Os pesquisadores pegaram amostras de vários roedores da região e encontraram o vírus (do tipo arenavírus) neles. Ao se aproximarem dos campos de arroz dos agricultores, haviam infectado o paciente zero. Os médicos da Organização Panamericana de Saúde Jairo Méndez e Sylvain Aldighieri fizeram parte do dispositivo. “O humano é um hospedeiro acidental, por isso costuma ser fatal, porque não é natural. Com a extensão dos cultivos pelo homem começa a interação com os roedores e é assim que a infecção acontece”, diz por telefone Aldighieri. “Por exemplo, há risco quando os grãos de milho estão dentro de casa e o animal entra para comê-los e deixa seus excrementos”, completa.

Agora que existe um teste molecular específico para este vírus, é previsível que mais casos sejam encontrados. De fato, desde o surto e graças aos testes desenvolvidos na época, foram identificados outros três infectados, um deles uma criança. Todos sobreviveram. “A existência de períodos de silêncio não quer dizer que o vírus desapareceu, e sim que continua no animal, mas com pouca explosão demográfica e longe dos seres humanos”, acrescenta Méndez.

Os sintomas da doença se confundem com outras presenças na região, como a dengue. Os pacientes tiveram febre, dor abdominal, vômitos, erupção cutânea e dor atrás dos olhos. “Mas o que mais nos alertou foi o sangue nas gengivas”, frisa Betoulle, que agora está na República Democrática do Congo trabalhando com o ebola. “A transmissão entre humanos é por fluidos. Um dos pacientes tinha hemorragia digestiva muito séria, o que aumentou os fatores de risco de contágio da médica que o tratou”, diz a especialista. A médica que faleceu era uma jovem residente, e o outro foi o médico de emergências que foi com ela na ambulância. Os especialistas também descobriram 168 dias depois do contágio que o vírus continuava presente no sêmen do genro do paciente zero, que foi quem o acompanhou ao hospital, o que também abre caminho à infecção por transmissão sexual.

Pode atravessar fronteiras? “Não é preciso causar pânico. O normal é que este tipo de vírus não consiga se replicar, de modo que chega e morre no mesmo hospedeiro. Mas também é verdade que conforme mais contato os humanos tenham com os vírus, estes vão se adaptando em um processo lento, mas seguro”, diz Méndez, o especialista da Organização Panamericana de Saúde.

Por ser transmitido por contato direto com fluidos, no lugar de aerossóis como a covid-19, a expansão dessa doença se complica. Em casos parecidos, como o do ebola, a epidemia de 2014, a mais letal, atingiu principalmente três países: Guiné, Libéria e Serra Leoa. Mas especialistas como Méndez alertam que é preciso aprender as lições que a covid-19 nos deixou: “Se há um ano me perguntassem se era possível uma pandemia por um coronavírus não saberia responder. 2020 nos demonstrou humildade e que também não se pode dar nada como certo”.

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