Por que gera receio a suposta vacina russa contra a covid-19?
O protótipo russo, um dos 167 registrados pela OMS, ainda não demonstrou sua eficácia e segurança em testes com dezenas de milhares de pessoas
O presidente russo, Vladimir Putin, anunciou nesta terça-feira a aprovação de uma vacina contra a covid-19 sem completar os testes em humanos. A declaração, mais propagandística do que científica, gera mais perguntas do que respostas.
Quantas vacinas experimentais já existem?
A comunidade científica mundial desenvolveu 167 vacinas experimentais diferentes contra a covid-19 e 28 delas já estão sendo testadas em humanos, segundo o registro da Organização Mundial da Saúde. Os países mais adiantados nessa corrida são Reino Unido, China, EUA e Alemanha, segundo a lista oficial da OMS, na qual a Rússia aparece longe dos primeiros lugares, apesar de ter anunciado nesta terça a aprovação de uma vacina.
Por quais fases uma vacina deve passar?
O desenvolvimento de uma vacina costuma levar 10 anos, embora o recorde no século XXI seja da farmacêutica americana MSD, cuja injeção contra o ebola só precisou de cinco anos desde o início dos testes em humanos, em 2014, até sua autorização, em 2019. As vacinas experimentais são desenvolvidas em culturas de células humanas e em animais de laboratório, mas depois devem demonstrar que são seguras e eficazes nos testes em pessoas. O primeiro ensaio em humanos, denominado fase 1, inclui dezenas de voluntários saudáveis e serve para descartar o risco de efeitos graves. Na fase 2, já com centenas de pessoas, os cientistas monitoram os efeitos adversos, analisam as defesas geradas (glóbulos brancos e anticorpos) e calculam a dose adequada. Só a fase 3, com dezenas de milhares de participantes, pode demonstrar que a vacina é realmente segura e eficaz.
Por que o anúncio da Rússia provoca receio?
A Rússia anunciou nesta terça-feira que já aprovou uma vacina contra a covid-19, mas o registro da OMS, atualizado na segunda-feira, ainda considera que essa injeção experimental está na fase 1. As autoridades russas garantem que ela já superou a fase 2. O médico Scott Gottlieb, que chefiou até 2019 a agência reguladora de medicamentos nos EUA, afirmou nesta terça ao canal de televisão CNBC que não tomaria a vacina russa. O virologista Florian Krammer, do Hospital Mount Sinai, em Nova York, também foi enfático em sua conta no Twitter: “Não tenho certeza sobre o que a Rússia está fazendo, mas eu não tomaria de forma nenhuma uma vacina que não foi testada na fase 3. Ninguém sabe se é segura nem se funciona. Estão colocando em risco os profissionais de saúde e sua população”. O presidente russo, Vladimir Putin, já havia anunciado em 2016 uma suposta vacina russa contra o ebola.
Quais são as vacinas experimentais mais avançadas?
Das 28 vacinas experimentais que estão sendo testadas em humanos, 6 já entraram na fase 3. A mais avançada de todas, desenvolvida pela Universidade de Oxford, utiliza uma versão enfraquecida de adenovírus do resfriado comum dos chimpanzés, modificada para incluir material genético do novo coronavírus. A vacina experimental de Oxford gera defesas sem causar efeitos colaterais graves, segundo os resultados dos primeiros ensaios em mil voluntários no Reino Unido. Outro dos protótipos mais promissores é o da empresa americana Moderna e dos Institutos Nacionais da Saúde (NIH) dos EUA, que no final de julho iniciaram um ensaio da fase 3 com 30.000 participantes. A vacina da Moderna e dos NIH é uma receita escrita em uma linguagem genética, o RNA, com instruções para que as células humanas fabriquem apenas uma parte do coronavírus: suas espículas, as protuberâncias que lhe dão sua característica forma de clava medieval. Essas proteínas alheias treinam o corpo humano sem risco de causar a covid-19. Um consórcio formado pela alemã BioNTech, pela americana Pfizer e pela chinesa Fosun Pharma também está testando uma vacina de RNA semelhante em um ensaio de fase 3. E a China tem outras três vacinas na reta final, baseadas em coronavírus inativados.