‘Rokia’ é a história e o nome de uma senegalesa que todo o pergunta e deseja mostrar ao mundo como sua vida e a de sua família se viu alterada pela covid-19. Uma formosa publicação de Fundação MUSOL que fomenta a leitura e ajuda a dar a conhecer a África e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável
Minha família no Senegal é muito grande, tenho primas, sobrinhos, tios, avós...Aqui estão meu pai Tierno, minha mãe Mati, meu irmão Omar, e eu que sou Rokia, antes de a covid-19 chegar, quando íamos à praia nos domingos. Bem juntos.Agora já não podemos ir à praia, está fechada ao público. E meu papai teve que vender a moto para pagar o aluguel da casa e alimentar toda a família. Meus pais ficaram sem trabalho. E meu irmão e eu estudamos em casa, porque fecharam as escolas. Esta pandemia mudou tudo.Meu papai é soldador e carpinteiro de alumínio, fabrica portas, janelas e estruturas de todo tipo. Antes trabalhava muito com seus colegas, mas desde que chegou o coronavírus, não tem trabalho. Meu papai parece preocupado.Minha mamãe tem um atellier de costura, faz roupa sob medida e vestidos muito bonitos. Mas com a pandemia, as pessoas apenas compram roupa. Minha mamãe está muito pensativa buscando alguma solução.Hoje nosso tio Bouba, cuida de nós. Nos levou a um jogo de futebol, ele quer ser jogador profissional. Mas poucos minutos antes de começar a jogar, as autoridades suspenderam a partida, para cumprir com as medidas sanitárias e evitar a propagação do vírus. Agora nosso tio treina no pátio de casa.Faz dias que não sai água da torneira de nossa casa.A cada manhã minha mamãe e eu vamos buscar água no poço mais próximo.Minha mãe diz que a água deste poço não está muito limpa e devemos ferve-la antes da usar para evitar infecções. Sempre há muitas mulheres fazendo fila. Enquanto esperamos nosso turno, eu faço mil perguntas: Mamãe, o que é a covid-19? De onde vem? Quando abrirão a escola?Mamãe, o que podemos fazer para não nos contagiar? Filha minha, dizem que temos que ficar em casa, usar máscaras, manter uma distância entre nós, limpar as mãos com frequência, e evitar dar a mão para cumprimentar. E que você tem que estudar em casa pela internet.E conseguiremos fazer todo isso, mamãe? É complicado filha, porque somos famílias muito grandes, vivemos em casas pequenas que não têm água corrente. E além disso não podemos ficar de braços cruzados, temos que trabalhar a cada dia para alimentar nossas famílias. E na verdade, não sei como vão estudar em casa se não temos internet. Mamãe, então vamos nos contagiar? Teremos que ir ao hospital? E como vamos estudar sem internet? Quanto falta para que possamos pega água? Mamãe!, Está cansada?...Fazem alguns dias que nosso avô Seydu não passa bem. Tem tosse, febre e calafrios. Minha mãe o acompanhou ao hospital.Os médicos disseram que ele tem malária, e deve tomar uns medicamentos e descansar. Toda a família, irmãos, tios e primos deram um pouco de dinheiro e juntos puderam comprar os medicamentos para o vovô. Mamãe, o que é a malária? Por que os medicamentos são tão caros?Hoje minha mamãe quer cozinhar “Yassaau poisson”, um prato tradicional de Senegal, que leva arroz, molho de cebola e peixe. Fomos comprar no mercado, há muita gente e temos que fazer fila.Quando finalmente chega nossa vez mal havia peixes, e o preço das cebolas e do arroz era muito caro. Minha mãe disse que agora há poucos alimentos e o preço aumentou por causa da pandemia. Apesar de todos os contratempos, minha mamãe conseguiu preparar uma comida deliciosa com muito poucos ingredientes.Hoje é um grande dia! Finalmente voltaremos às aulas, depois de muitos meses sem escola. Meu irmão e eu nos reencontramos com nossos amigos e amigas.Na escola, devemos seguir estritamente todas as normas sanitárias: lavar as mãos antes de entrar em sala, manter uma distância entre nós, estar sempre com a máscara, e não devemos compartilhar nossa garrafa de água ou o lanche.Meu papai, e meu irmão de assistente, trabalharam várias semanas construindo uma pia para lavar as mãos para nossa escola, e a criaram com material reciclado. É uma estrutura de metal que permite se lavar as mãos, usando só os pés. Os professores dizem que é um invento de grande utilidade para fazer a higiene e evitar a transmissão. Meu papai está muito contente porque além de ter encomendas para fabricar muitas outras pias e ganhar seu salário, está contribuindo a evitar a propagação do vírus.Minha mãe me contou que as mulheres do bairro estão esgotadas com a pandemia. Os maridos sem trabalho não trazem dinheiro às famílias e elas seguem trabalhando sem descanso. Para enfrentar esta situação, se organizaram em uma associação de mulheres para se ajudarem. Minha mamãe confeccionou umas máscaras muito bonitas com estampas em conjunto com os vestidos. Agora recebe muitas encomendas e não para de trabalhar. Uma parte do dinheiro que ganhou deu à associação para melhorar a situação econômica de outras mulheres. Mamãe, por que as mulheres sempre estão trabalhando?Hoje é domingo, não podemos ir à praia como fazíamos antes. Fomos à padaria para comprar pão e bolos deliciosos para levar para minha avó materna. Na porta da padaria sempre está nosso amigo Babacar, uma criança talibé que vive na rua. Meu irmão e eu lhe demos umas máscaras para que ele e seus amigos possam se proteger do vírus. Minha mamãe deu-lhe um pão quente para seu café da manhã. Babacar nos disse um milhão de obrigados e olhando ao céu desejou: que a sorte vos acompanhe! Mamãe, por que há crianças como Babacar que vivem na rua?Depois fomos a visitar a nossa avó Aminata, que vive na periferia da cidade. Minha avó é uma mulher com muita sabedoria e sempre tem respostas para todas as minhas perguntas. Vovó, nós somos pobres? Não Rokia, não somos pobres. O que acontece é que não temos dinheiro. Há gente que é tão pobre, tão pobre, tão pobre... que só tem dinheiro. Pobres são os que nunca pensam em ajudar aos demais. Esses são os verdadeiros pobres.Na volta à cidade, minha mamãe disse que a pandemia da covid-19 é uma oportunidade para que sejamos melhores pessoas e ajudemos uns aos outros. E a todas minhas perguntas me responde: “suñugaal”, que em nossa língua wólof quer dizer algo como... temos que estar unidos porque todos estamos no mesmo barco. Agora meu irmão e eu, somos mais conscientes e valorizamos bem mais o que antes nos parecia algo normal, como ir à escola ou brincar na rua com os amigos... Mamãe, você acha que, a partir de agora, seremos mais solidários?'ROKIA' é uma publicação realizada com o apoio financeiro da Generalitat Valenciana e da Agência Andaluza de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento. Produzida pela Fundação MUSOL, com desenho gráfico de Pau Caracuel e detalhes gráficos de Elisa Armas. Disponível em castelhano, francês e valenciano.