Tribuna

Não há bala de prata contra as fake news

Robôs sozinhos não são capazes de viralizar informação falsa. Precisamos mudar nossa cultura para que o compartilhamento de boatos e mentiras não seja mais socialmente aceito

Homem checa o celular em Montevidéu.Leticia Ferreiro (Banco Mundial)

Você sabe reconhecer fake news? E deepfakes? Consegue perceber quando seu comentário nas redes ultrapassa a liberdade de expressão e se transforma em discurso de ódio? Quando foi a última vez que você perdeu tempo —e sanidade mental— interagindo com bots ou trolls que disparam mensagens automáticas? Queremos crer qu...

Você sabe reconhecer fake news? E deepfakes? Consegue perceber quando seu comentário nas redes ultrapassa a liberdade de expressão e se transforma em discurso de ódio? Quando foi a última vez que você perdeu tempo —e sanidade mental— interagindo com bots ou trolls que disparam mensagens automáticas? Queremos crer que somos alfabetizados para o mundo digital, mas será que somos mesmo? A desordem da informação não é nova. Boatos e mentiras acompanham a história, com objetivos políticos, financeiros ou de ordens outras. Mas a disseminação em escala e automatizada de conteúdo falso é recente, o que tornou o fenômeno muito mais complexo. Buscamos entender em tempo real os efeitos da desinformação e encontrar soluções para reduzir danos na política, na saúde pública, na vida social. E num movimento precipitado, e de pouco debate público, um projeto de lei que tenta resolver o problema na caneta avança no Congresso.

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A proposta, elaborada pelos deputados Felipe Rigoni (PSB-ES), Tábata Amaral (PDT-SP) e o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), foca a responsabilização das plataformas e o papel das chamadas “contas inautênticas” e “disseminadores artificiais”. O texto do PL esquece que o comportamento humano, seja de influenciadores digitais, seja de políticos, que também são influenciadores, serve como âncora e legitima a atuação das redes automatizadas. Robôs sozinhos não são capazes de viralizar informação falsa. Como lembra Christine Bragale, do News Literacy Project, organização dedicada a ensinar estudantes a distinguir fatos de mentiras, “as pessoas pensam que a informação falsa é espalhada por pessoas ruins, robôs, mas são pessoas comuns, como eu e você, que espalham a desinformação. São nossos pais, tios, colegas de trabalho”.

Diversos países ainda tentam encontrar uma resposta regulatória que não atropele a liberdade de imprensa e de expressão. Por outro lado, deixar apenas para as plataformas resolverem o que deve ou não ser removido pode ter efeito mínimo ou levá-las ao excesso e/ou a remoção antecipada de conteúdo.

O combate às fake news passa pela educação midiática, que estimula o pensamento crítico e capacita o indivíduo a navegar com autonomia no ecossistema da informação. É preciso entender de forma ampla a narrativa que acoberta o conteúdo enganoso e sua propagação. Quais são as técnicas de persuasão hoje usadas pelos agentes da desinformação? A quem interessa esgarçar os laços de confiança em instituições democráticas e dividir politicamente o país?

A pesquisa “News media literacy and conspiracy theory endorsement” revela que, quanto maior for o seu letramento midiático, menor é a probabilidade de você acreditar em um boato. Os pesquisadores Stephanie Craft, da Universidade de Illinois em Urbana-Champaign, Seth Ashley, da Universidade Boise State, e Adam Maksl, da Universidade Indiana Southeast, também apontam que “indivíduos que tendem a acreditar em teorias conspiratórias têm pouco conhecimento sobre como a imprensa funciona”.

O Estado precisa investigar e asfixiar financeiramente as redes criminosas de desinformação. Lucra-se —e muito— com conteúdo falso. Geralmente alarmistas, cheios de click baits, esses links são vistos por milhões, que, consequentemente, expõem milhões de anúncios. Os Governos também devem exigir mais transparência das plataformas, principalmente sobre anúncios e impulsionamento de conteúdo, informando quem paga e a que público ele é direcionado. As empresas também podem dar um passo além e, por exemplo, compartilhar seus dados com pesquisadores, para que academia e sociedade civil possam atuar de maneira mais efetiva na busca por soluções. O jornalismo deve continuar investindo em fact-checking. As faculdades de comunicação precisam atualizar seus currículos para incluir técnicas de verificação de informações. Tudo isso é a solução, mas nada disso resolve sozinho o problema.

Precisamos mudar nossa cultura para que o compartilhamento de fake news não seja mais socialmente aceito, para que alertar alguém que lhe passou um conteúdo falso seja visto como uma atitude positiva e não de gente chata. Precisamos aprender sobre a dinâmica dos conteúdos enganosos e a como atuar no combate a eles. Diante do excesso de informações, precisamos assumir a responsabilidade do que compartilhamos. E isso a educação midiática ensina.

Alana Rizzo e Clara Becker são jornalistas e cofundadoras do Redes Cordiais, projeto de combate à desinformação e aos discursos de ódio em redes sociais.

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