“Seria melhor que meu remédio contra o câncer fosse mais barato”
As descobertas do Prêmio Nobel de Medicina de 2018 levaram a um tratamento revolucionário que é vendido por mais de 100.000 euros por paciente
O pesquisador Tasuku Honjo não sabe quantas pessoas lhe devem a vida. Talvez centenas de milhares? “Possivelmente”, responde. Honjo, nascido na cidade japonesa de Kyoto há 77 anos, ganhou o Prêmio Nobel de Medicina de 2018 pela descoberta de um revolucionário tratamento contra o câncer: a imunoterapia. Um dos primeiros casos de sucesso está gravado em sua mente, o de uma mulher de 60 anos com câncer de ovário. Depois de um ano de tratamento, estava curada.
Em 1992 Honjo identificou uma proteína, a PD-1, que atua como um freio das defesas do organismo. Ao soltar essas rédeas, por meio de um medicamento chamado Nivolumabe, o próprio sistema imunológico ataca com sanha as células tumorais. A estratégia –eficaz em cerca de 25% dos pacientes– foi aprovada em 2014 para alguns tipos de câncer de pele, de pulmão, de rim e de fígado. E as indicações não param de crescer. Existem 2.000 testes clínicos em andamento. As vendas de Nivolumabe ultrapassam os 4,3 bilhões de euros (cerca de 19,2 bilhões de reais) anuais.
O cientista japonês, de passagem por Madri para receber um prêmio da Fundação Fernández-Cruz, se sente enganado. Em 2003 Honjo patenteou seus primeiros resultados junto à farmacêutica japonesa Ono Pharmaceutical, empresa que acabou assinando um acordo com a gigante norte-americana Bristol-Myers Squibb para produzir o Nivolumabe, sob o nome comercial de Opdivo. Um tratamento para uma pessoa pode custar entre 50.000 e 100.000 euros por ano, dependendo do país. Honjo, da Universidade de Kyoto, recebe menos de 1% a título de direitos autorais. Ele quer mais, diz, para doar.
Pergunta. O senhor é otimista. Acredita que chegará o dia em que ninguém morrerá de câncer?
Resposta. Acredito que o câncer poderá ser uma doença crônica algum dia. Você não pode dizer que ninguém morrerá de câncer, porque inclusive hoje ainda temos pessoas morrendo de doenças infecciosas, mas acredito que o câncer não ameaçará nossas vidas.
“Você não pode dizer que ninguém morrerá de câncer, mas acredito que não ameaçará nossas vidas”
P. Na conferência do Nobel o senhor disse que o câncer poderia ser uma doença crônica em 2050.
R. É uma esperança, não tenho garantias, é claro.
P. O que o senhor acha do preço do Opdivo [o medicamento pioneiro em imunoterapia, desenvolvido graças às descobertas de Tasuku Honjo]? Em alguns países ultrapassa os 50.000 euros por paciente.
R. Nós, cientistas, não participamos da determinação do preço dos medicamentos. Depende de cada país, de seu modelo de Estado de bem-estar, então não posso fazer comentários. Obviamente, seria melhor que fosse mais barato, para que todo mundo pudesse se beneficiar. Sempre acontece o mesmo problema com qualquer medicamento. Até a penicilina, quando chegou ao mercado, era muito cara. E depois ficou acessível para qualquer um.
P. O senhor denunciou publicamente que recebe da empresa Ono Pharmaceutical menos de 1% pelos direitos de patente do Opdivo. O senhor foi aos tribunais?
R. Nossos advogados estão negociando.
P. Menos de 1%, sendo o pai da ideia original, não é nada.
R. Nada.
“O âmbito acadêmico é o grupo mais estúpido na hora de gerenciar as questões de patentes”
P. O que o senhor pensa desse sistema de patentes?
R. O âmbito acadêmico é o grupo mais estúpido na hora de gerenciar essas questões. Em condições normais, o processo não deveria ter sido assim. Esperávamos que a empresa fosse honesta e sincera, mas não foi o caso. Os advogados estão negociando e, se não chegarem a um acordo, acho que não teremos escolha a não ser ir aos tribunais.
P. Qual número o senhor considera justo? 5%? 6%?
R. 5% é uma porcentagem usual que todo mundo aceita. Se fosse 5%, eu não colocaria muitos problemas.
P. Estima-se que as vendas do Opdivo possam ultrapassar 10 bilhões de euros por ano. 5% seria muito dinheiro. O que o senhor quer fazer com essas centenas de milhões de euros?
R. Meu plano é colocar esse dinheiro em um fundo da Universidade de Kyoto dedicado a apoiar jovens pesquisadores.
“Até a penicilina, quando chegou ao mercado, era muito cara. E depois ficou acessível para qualquer um”
P. No caso do Opdivo, como é habitual, os resultados de uma pesquisa com dinheiro público, da Universidade de Kyoto, acabaram nas mãos de uma empresa privada. Outros sistemas são possíveis? É possível imaginar uma grande companhia farmacêutica pública?
R. Uma indústria farmacêutica operada pelo Governo? A gestão pública é um desastre, normalmente. Pensemos no sistema ferroviário ou no sistema de correios, ambos muito ineficientes. Não podem competir com o setor privado. Quanto às empresas farmacêuticas, acho melhor ter empresas privadas, mas devem ser muito abertas e sinceras. Têm a responsabilidade de apoiar a assistência à saúde das pessoas. E, é claro, os Governos devem ter regulações especializadas em fortalecer o Estado de bem-estar.
P. Apenas entre 20% e 30% dos pacientes responde à imunoterapia. O que acontece com os outros?
R. Existem duas possibilidades. A primeira é que o tumor não seja bem identificado pelo sistema imunológico. A razão pela qual o sistema imunológico reconhece um tumor é porque o câncer muda com mutações de seu DNA, mas a leucemia, por exemplo, não tem muitas mutações. E a leucemia não responde à imunoterapia. O segundo fator é que cada indivíduo tem uma capacidade de resposta imunológica diferente. Por exemplo, quando você contrai a gripe, pode sentir dor de cabeça e espirrar, mas outras pessoas acabam indo ao hospital. Estamos tentando melhorar a resposta à imunoterapia com uma combinação de medicamentos anti-PD-1 e outras substâncias químicas.
P. O senhor já calculou quantas pessoas salvou a vida?
R. Não tenho os dados, não sei.
P. Mas talvez estejamos falando de centenas de milhares de pessoas.
R. Possivelmente.
Tu suscripción se está usando en otro dispositivo
¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?
Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.
FlechaTu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.
Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.
En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.
Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.