_
_
_
_

Dívidas, leilões e suicídios: o icônico táxi amarelo de Nova York é uma ruína

Cidade discute como resgatar financeiramente os afetados pela invasão do Uber e do Lyft

Mohammed Mahbu quer de volta a vida que tinha em Bangladesh. O taxista abre caminho com agilidade no meio do tráfego que congestiona as avenidas de Nova York. Ele o faz com a experiência de duas décadas ao volante. Mas seu sonho ficou paralisado há cinco anos em um congestionamento do qual não vê saída. Deve 650.000 dólares [cerca de 2,67 milhões de reais] por um medallion, a licença que lhe dá o direito de operar um táxi amarelo. São cada vez mais numerosos aqueles que, como ele, contam o fardo que suportam.

Mais informações
Uber ultrapassa táxis amarelos de NY
Dinheiro dos mais ricos para o pobre metrô de Nova York
Um táxi que voa a 400 quilômetros por hora

Estima-se que em Nova York existam cerca de 6.000 motoristas de táxi independentes como Mahbu com um medallion. A dívida média é de meio milhão de dólares. Cerca de 950 já se declararam em bancarrota. Essas licenças chegaram a ser consideradas um investimento mais rentável do que um apartamento em Manhattan. “Eu era um funcionário público com um grande sonho”, lembra durante um protesto nos degraus da prefeitura, ao recordar sua vida em Bangladesh. “Agora sou um mendigo”.

Trabalha o máximo de horas que pode para se manter à tona, como Hakan Humusoglu ou Vinod Malhotra. Eles comentam que é muito difícil chegar ao fim do mês tendo que pagar as promissórias dos empréstimos. A ansiedade é evidente quando falam sobre seu futuro financeiro. “Tudo o que passa por seus taxímetros”, diz Bhairavi Desai, do sindicato New York Taxi Workers Alliance, “vai direto para pagar dívidas, o carro e o seguro”.

No epicentro da crise estão as práticas predatórias seguidas pelas entidades que lhes concederam empréstimos e os intermediários. O The New York Times publicou em maio uma reportagem que revelou como a cidade e as agências reguladoras foram cúmplices em permitir que o valor dos medallions fosse inflado nos leilões. Por uma dessas licenças chegou-se a pagar quase um milhão de dólares em 2014.

Isso foi antes de os serviços alternativos, como o Uber, mudarem as regras do jogo e inundarem as ruas com seus carros pretos. A cidade aprovou essas licenças e se beneficiou de sua venda. Mahbu poderia ter leiloado a sua, mas isso não resolveria nem um terço do problema. Com sorte, conseguiria transferi-la por 175.000. dólares. É o preço que se pagava há 15 anos.

Suicídios

Muitos desses taxistas vivem no Queens e no Bronx, bairros representados pela progressista Alexandria Ocasio-Cortez. Durante uma audiência no Congresso, ela atacou as práticas predatórias que levaram milhares de taxistas à ruína. “São pessoas comuns”, disse, “a maioria é de imigrantes tentando começar uma vida”. Qualificou a conduta dos credores de criminosa e defendeu o resgate das pessoas afetadas. “Os reguladores sabiam disso”, afirma, “a cidade sabia”.

Nicolae Hent, outro motorista de táxi, espera que essa crise force a cidade a “resolver o problema que criaram”. Ele deve 120.000 dólares. Embora não pareça tão desesperado quanto outros colegas, conhecia bem Nicanor Ochisor, um dos motoristas que se suicidaram. Eles dizem que tudo ia bem até o surgimento do Uber. A partir daquele momento, diz Mouhamadou Aliyu, o negócio “se tornou mais difícil a cada dia”.

A morte de Douglas Schifter foi a que começou a colocar em evidência as dificuldades emocionais e financeiras dos profissionais de táxi. Aconteceu em fevereiro de 2018. Ele tirou a própria vida nas portas da prefeitura. Em uma postagem nas redes sociais explicou que as ruas de Nova York estão cheias de motoristas “desesperados para dar de comer a suas famílias” e acusou o Uber de forçá-los a operar abaixo do custo. “Não serei um escravo que trabalha por uns trocados.”

“Estão pavimentando as ruas com seu sangue, suor e lágrimas”, insiste Desai. A Taxi and Limousine Commission, a agência que regula o negócio, nega qualquer culpa. “Os principais responsáveis são os bancos e as cooperativas de crédito”, insiste. Mas a agência não fez nada para impedir a bolha especulativa. Entre 2002 e 2013, com Michael Bloomberg como prefeito, 1.260 licenças foram leiloadas. O preço máximo pago foi de 524.000 dólares.

Fogo cruzado

Com Bill de Blasio, 200 licenças foram oferecidas em 2014. O maior valor pago foi de 965.000 dólares. A pressão é cada vez maior para o prefeito democrata. Ele acaba de apresentar uma série de recomendações para começar a por limites aos abusos no setor e aliviar a situação financeira das pessoas afetadas. Mas isso não basta. O vereador Mark Levine lidera agora uma iniciativa legislativa para resgatar as pessoas afetadas por esses abusos.

A ideia é que a cidade adquira os empréstimos com desconto para refinanciá-los em melhores condições. “Temos uma dívida moral com esses motoristas que sofreram as consequências de uma crise que ajudamos a criar”. O prefeito rejeita a ideia do resgate e calcula que uma intervenção financeira direta custará 13 bilhões de dólares à cidade.

De Blasio cancelou as vendas de medallions com o surgimento do Uber. Não foi realizado um único leilão desde que a queda de preços começou, em 2015. “Tentamos muitas coisas para ajudar os taxistas”, diz, citando o limite que foi imposto no ano passado aos carros que podem operar sob as novas plataformas e o salário mínimo garantido para os motoristas.

“É preciso ser realista”, insiste De Blasio, “não temos esse dinheiro”. A New York Taxi Workers Alliance considera exagerado o valor do resgate e o reduz para algo entre 1,8 e 2,7 bilhões. “Não tem perdão dizer que é impossível”, discorda Levine, apontando tudo o que foi feito durante a crise financeira, quando os grandes bancos foram resgatados. “Os motoristas têm o direito de viver com dignidade e a um futuro sem pobreza”, conclui Desai.

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo

¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?

Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.

¿Por qué estás viendo esto?

Flecha

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.

Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.

En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.

Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_