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Alemanha beira a recessão com uma queda de 0,1% no PIB e reforça incertezas econômicas

Maior economia europeia se vê prejudicada pela guerra comercial entre EUA e China e o Brexit

Angela Merkel chega a reunião em Berlim, nesta segunda.
Angela Merkel chega a reunião em Berlim, nesta segunda.MICHAEL KAPPELER (AFP)

A economia da Alemanha patina. Em meio à maré de notícias negativas para sua potente máquina exportadora, o PIB da maior economia europeia caiu 0,1 ponto percentual no segundo trimestre do ano, abrindo assim as portas para a recessão depois de uma década de crescimento praticamente ininterrupto. O Departamento Federal de Estatísticas aponta a desaceleração do comércio exterior como detonante do retrocesso. Com a possibilidade cada vez maior de um Brexit sem acordo com a União Europeia, a guerra comercial fazendo tremer os mercados, e a indústria automobilística abalada, os dados de abril a junho evidenciaram que a maior economia da UE não pode continuar absorvendo os choques de forma impassível, apesar de se beneficiar da fraqueza do euro, de um mercado de trabalho flutuante que beira o pleno emprego e de uma política expansiva por parte do Banco Central Europeu.

Na capital alemã, as primeiras reações não tardaram. O ministro da Economia, Peter Altmaier, da conservadora União Democrata Cristã, considerou os dados “um sinal de alerta”, mas também avaliou que a recessão é evitável. “Estamos em uma fase de enfraquecimento, mas ainda não em uma recessão, que podemos evitar se tomarmos medidas adequadas. A política e a economia devem atuar juntas agora”, afirmou o ministro ao jornal Bild, falando do seu retiro de férias em Saarbrucken, no oeste do país.

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“A principal razão da atual debilidade é a queda da demanda exterior”, disse Altmaier, que constatou que a indústria alemã, orientada para a exportação, está especialmente exposta aos conflitos comerciais. O ministro alemão recordou entretanto que as turbulências externas contrastam com a estabilidade da economia interna. “O mercado de trabalho ainda está forte, e o consumo interno e o investimento em construção continuam elevados”, acrescentou. A Alemanha registra a taxa de desemprego mais baixa desde a reunificação, no começo dos anos noventa.

Mas as cifras divulgadas nesta quarta não causaram muita surpresa na capital alemã, onde políticos e analistas alertam há meses que chegou a hora de apertar o cinto. Berlim já tinha apresentado nos últimos meses uma série de sintomas inquietantes que faziam duvidar da boa saúde de suas finanças. Em junho, as exportações caíram 8%, e a produção industrial teve uma contração de 5,2%, a maior desde 2009. A freada põe em dúvida a capacidade de resistência de uma economia que superou como poucas as turbulências da Grande Recessão, com o PIB no positivo em 35 dos últimos 40 trimestres e um progresso médio de 0,5%. "O dado de hoje marca definitivamente o fim de uma década dourada", diz Carsten Brzeski, economista-chefe do banco ING.

Em fevereiro passado, a Alemanha já evitou a recessão por pouco, ao estagnar (crescimento de 0,0%) no quarto trimestre de 2018. Considera-se recessão técnica quando o PIB se contrai durante dois trimestres consecutivos.

A chanceler Angela Merkel encara assim a reta final de seu mandato com um desafio ainda maior nas mãos. Os problemas parecem ter vindo para ficar. A confiança do consumidor, outro dos indicadores que dão sinais sobre esse difuso ente que é o sentimento do mercado, soma três meses de baixa. E, enquanto recrudesce o choque comercial entre os EUA e a China, e a UE e o Reino Unido parecem mais distantes que nunca por causa do Brexit, vozes crescentes pedem que a Alemanha abandone de uma vez a austeridade e injete estímulos públicos à sua economia em setores como infraestrutura, educação e energias renováveis. Merkel inclusive abriu a porta a essa possibilidade, tantas vezes adiada como exigida das principais instâncias econômicas internacionais. "É verdade que enfrentamos uma fase difícil. Reagiremos segundo a situação", afirmou, de forma críptica, em um ato nesta terça-feira em Stralsund, no norte do país.

Nesta quarta-feira foi anunciado também o dado definitivo de crescimento dos países da UE, com um progresso de apenas 0,2% no segundo trimestre frente a 0,5% do primeiro. As grandes economias comunitárias exibem indícios de esgotamento. O PIB britânico caiu dois décimos neste trimestre, enquanto sua saída abrupta do clube parece mais próxima que nunca, e a Itália não entrou nos números vermelhos, mas se manteve estancada. A França avançou apenas dois décimos, e Espanha 0,5%, embora a melhora tenha ficado aquém do esperado. Os 28 países da UE ficam no seu conjunto atrás dos Estados Unidos, cujo PIB cresceu 0,5% no mesmo período.

Alemanha conta, a priori, com uma ampla margem de manobra devido a um endividamento muito menos pronunciado que o resto de sócios e a possibilidade de se financiar com juros extremamente baixos ou inclusive negativos. Mas, fora de suas fronteiras, a brusca parada da sua economia, que passou de crescer 0,4% nos primeiros três meses para perder 0,1% no segundo, pode ter um efeito-arrastão. "As perspectivas para o terceiro trimestre por enquanto não apontam uma melhora, e é possível vermos a Alemanha entrando em recessão. E, embora não fosse assim, o crescimento será provavelmente muito fraco, com o que continuará arrastando para baixo a atividade de toda a zona do euro. O maior risco agora é que a debilidade do setor industrial se estenda ao setor serviços, que é o que está segurando o crescimento na Europa", observa Ángel Talavera, da Oxford Economics.

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