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“Eu não concordo com a política econômica da Venezuela, mas reconhecer Guaidó é pouca vergonha”

Na segunda parte da entrevista exclusiva, o ex-presidente fala sobre política internacional, Bolsonaro e as Forças Armadas. "Eu quero perguntar aos militares qual é a razão do ódio que eles têm do PT"

Lula durante a entrevista desta sexta.
Lula durante a entrevista desta sexta.ISABELLA LANAVE

Nesta parte da entrevista exclusiva dada ao EL PAÍS e ao jornal 'Folha de S.Paulo', o ex-presidente Lula analisa o cenário político internacional, fala sobre o Governo Bolsonaro e diz ser grato ao vice, Hamilton Mourão, por dizer que a ida dele ao velório do neto era uma questão humanitária. Leia abaixo os principais trechos e, aqui, todas as demais partes da conversa.

Pergunta. Como o senhor recebeu a notícia sobre a morte do ex-presidente Alan Garcia no Peru [que se suicidou quando seria detido por policiais da Lava Jato peruana]?

Resposta. Alan Garcia teve uma reação psicológica que muita gente teve. Não é todo mundo que aguenta. Você quer saber uma coisa? A Marisa [sua mulher que morreu em 2017 de AVC] morreu por conta disso. Quem está falando é um homem de 73 anos de idade. A dona Marisa morreu por conta do que fizeram com ela e com os filhos dela. Dona Marisa perdeu motivação de vida, não saía mais de casa, não queria mais conversar nada. O AVC dela foi por isso. Agora, não pense que por causa disso vou ficar com o coração cheio de ódio, não, aqui tem muito lugar para amor. O Alan Garcia não deve ter suportado. Não sei qual era a acusação contra ele. Tem que ter muita decisão. Eu sei o que eu passei. Você não tem noção do que é passar seis meses esperando todo santo dia que a policia fosse à sua casa. Seis meses. E de repente você vê a polícia chegar com uma desfaçatez, todo mundo com maquina fotográfica no peito para tirar fotografia. Deveriam ter mostrado a quantidade de dólar que acharam na minha casa. A quantidade de joias que acharam de dona Marisa. Deveriam ter tirado foto e mostrado pra Globo. Enfiaram o rabo no meio das pernas porque não encontraram nada. E a imprensa não fala que não encontraram nada na casa do Lula. É duro. Não queira que isso aconteça com você. Conheço casos de pessoas que estavam em cadeira de rodas, pediam pra ir no banheiro e diziam ‘se você não falar o nome do Lula não vai ao banheiro’. Tenho muita motivação para estar vivo. Estar vivo e não fazer nenhuma loucura é a forma que eu encontrei de ajudar esse país a se reencontrar com a democracia.

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P. Quem o senhor vê como seu principal adversário? Bolsonaro? Moro? Militares?

R. O Moro não sobrevive na política. E o Bolsonaro ou ele constrói um partido político sólido, ou do jeito que está não perdura muito, porque ali você tem uma quantidade difusa de interesses. É só pegar a quantidade de siglas pra alguém que diz que não gosta de política. O sujeito é deputado há 27 anos e diz que não gosta de política. Não sei como você faz filho vereador, deputado, senador e você não gosta de política? Então, ele vai ter que ter muita capacidade de articulação, muita vontade, vai ter quer gostar muito de política para dar certo. A chance dele dar certo é a chance do Brasil da certo. O povo tem paciência, mas não tem toda a paciência do mundo.

P. Mas pode dar certo [o Governo Bolsonaro], não pode?

R. Não sei. Do jeito que está fazendo não pode dar, querida. Não há condições de dar. Veja, você diminui a renda per capita da sociedade, você diminui o salário mínimo, você diminui a possibilidade de oferta de emprego e você acha que tudo vai ser resolvido com um trilhão para a Previdência, para o sistema financeiro? Vai dar certo onde? Brigando com os nossos principais parceiros comerciais, sabe? Desprezando a América do Sul... O nosso comércio com a Argentina é maior do que com todos os países da Europa. Como é que você vai desprezar o nosso comércio com a Argentina, com o Mercosul? Esse cara não entende de nada. Mas também o ministro que ele tem nas Relações Exteriores…

P. E os militares?

R. Sabe uma coisa que eu tenho vontade? Quando eu sair daqui, eu quero conversar com os militares. Eu quero perguntar para eles qual é a razão do ódio que eles têm do PT. Eu não sou contra militar fazer política, não. Se tiver um militar competente, não tem problema que ele vá para o governo. Agora, o que não pode é do jeito que está. Não dá, não dá. Eu não sei a qualificação das pessoas que estão lá, não conheço. Agora mesmo eu vi no noticiário de ontem que o Ministro do Meio Ambiente desmanchou não sei o quê lá no [Instituto] Chico Mendes e colocou não sei quantos cabos, soldados, militar… Olha, para cuidar de Meio Ambiente você coloca gente especialista. Você já tem os especialistas da Polícia Federal, você tem os especialistas do Ministério Público, coloca técnico. Para que militarizar o governo? Eu não sou contra eles participarem, não. Agora, militar tem que saber que eles têm um papel a cumprir com a Constituição. O militar tem que cuidar dos interesses deste país e da defesa da nossa sociedade contra possíveis inimigos externos. A burocracia, vamos deixar para os burocratas.

P. O senhor tem acompanhado os movimentos do General Mourão?

R. Eu não posso falar, porque eu também não conheço o Mourão. Eu sou agradecido, por exemplo, de um gesto dele na morte do meu neto. Ele foi um cara que disse —diferentemente do filho do Bolsonaro, que postou uma série de asneiras no Twitter— ,que deu uma declaração de que era uma questão humanitária eu ir visitar  [ir ao velório do] meu neto. Eu quero que você saia daqui e retrate o seguinte: você não conversou com um cidadão alquebrado, você conversou com um cidadão que tem todos os defeitos que um ser humano pode ter, mas tem uma coisa que eu não abro mão. Isso eu aprendi com a Dona Lindu [mãe de Lula], que nasceu analfabeta e morreu analfabeta: dignidade e caráter não têm em shopping, não tem em supermercado e você não aprende na universidade. Isso é de berço. E isso eu tenho demais, e não abro mão disso. Esse é meu patrimônio.

Cenário internacional

P. Recentemente, a Ucrânia elegeu um humorista como presidente da República, a direita tem avançado fortemente em vários cantos do planeta, e vai ter eleição neste fim de semana na Espanha. Queria saber como o senhor vê essa eleição, com o crescimento da direita, apesar de os progressistas do PSOE estarem à frente nas pesquisas.

R. Eu acredito que, na Espanha, PSOE e Podemos vão ganhar as eleições. O avanço da direita no mundo é a desmoralização da política no mundo. Eu não posso achar ruim que tenha ganhado um humorista na Ucrânia, porque o que eles falaram quando um metalúrgico ganhou as eleições? Eles menosprezavam, analfabeto, peão que não sabe falar, que não sei das quantas…Todo mundo pode se transformar num baita de um político. Eu acho que na Espanha nós vamos ter um Governo mais progressista.

P. Como o senhor vê a questão da Venezuela e quais as perspectivas para preservar a democracia  hoje?

R. Obviamente, eu não concordo com a política econômica da Venezuela, acho que é um equívoco, mas muito menos eu concordo com o Brasil reconhecer o tal do [Juan] Guaidó. Sinceramente, é uma pouca vergonha. É levar o Brasil ao mais baixo nível de política externa que eu já vi na vida. E depois daquela vergonha de dizer que ia mandar caminhão de alimento e mandar duas caminhonetes vazias. Cada um que se meta na sua vida, e deixem o povo da Venezuela democraticamente seus dirigentes. Se o povo quiser ir pra rua pra derrubar que vá pra rua, mas é o povo, não é o Trump que vai derrubar o Governo da Venezuela.

P. Como o senhor viu a declaração de Césare Battisti depois de extraditado, admitindo ter participado de 4 assassinatos. Se arrependeu de deixar ele viver no Brasil?

R. Não me arrependi porque não sabia. Eu recebi informações através do Ministério da Justiça, que conhecia o processo, que ele não tinha crimes. Ai o Tarso tomou a decisão. Agora se depois disso ele assumiu o que fez, eu lamento profundamente. Aliás eu não conheci o Battisti, porque acho que eu não fazia parte da turma que ele tinha confiança. Lamento profundamente que ele tenha confessado.

P: O senhor acha que na Itália isso aconteceria?

R. Não sei, não sei, é uma suposição.

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