A estratégia preferida dos políticos que dominam o Instagram
Uso de memes e de imagens pessoais faz figuras como Matteo Salvini, Donald Trump e Ocasio-Cortez manejarem a rede social melhor que seus adversários
O meme é uma foto misturada com texto ou uma imagem emblemática que cresce ao circular pela Internet. Também é uma arma populista no Instagram. Alguns políticos usam suas contas para tentar criar imagens na forma de memes, de modo a terem mais compartilhamentos. Uma análise de contas do Instagram de políticos espanhóis, norte-americanos e um italiano mostra como o populismo aproveita a combinação fácil e direta entre texto e imagem. O ministro do Interior da Itália, Matteo Salvini, o presidente dos EUA, Donald Trump, o pré-candidato presidencial Bernie Sanders e o líder do partido ultradireitista espanhol Vox, Santiago Abascal, são os que proporcionalmente usam mais memes como ferramenta em seu Instagram.
Uma frase, desenho ou gráfico confere mais clareza a uma simples foto. A mensagem está toda lá, num lema ou brincadeira, sem matizes. Este recurso a capturas de tela, desenhos e fotos com legendas está difundido sobretudo nos extremos do espectro político. “Os memes estão sendo usados como arma política por determinadas comunidades polarizadas”, diz Guillermo Suárez de Tangil, professor do King's College, de Londres, e coautor de um profundo estudo sobre a circulação de memes saindo de comunidades marginais em direção ao centro da Internet. “Os memes são ferramentas de dois gumes. Por trás de uma caricatura que pode parecer engraçada pode haver muito pano de fundo”, acrescenta Suárez de Tangil.
A análise das contas do Instagram foi feita com um software criado pela empresa Graphext, que agrupa as imagens por categorias: comícios, com gente ao redor, de roupa formal, selfies, fotos com texto, o mar ao fundo, natureza montanhosa, com pessoas fardadas. Estes grupos permitem captar tendências e traços definidores em cada conta.
O estudo se baseia em 6.175 imagens das contas desses políticos entre junho de 2018 e 6 de março deste ano. “Escolhemos essa data de início porque duas das principais contas (da congressista norte-americana Alexandria Ocasio-Cortez e de Salvini) começam a crescer notavelmente desde então”, explica Suárez de Tangil. Junto a Salvini e Ocasio-Cortez há outros três norte-americanos no estudo – Trump, Sanders e o presidenciável democrata Beto O’Rourke –, e os líderes de grandes partidos espanhóis, mais Inés Arrimadas (do partido centro-direitista Cidadãos), Íñigo Errejón e Irene Montero (ambos do esquerdista Podemos). O líder nacional espanhol com mais seguidores é Santiago Abascal, do Vox, com 184.000. O resto vai dos 158.000 de Albert Rivera (Cidadãos) aos 55.000 de Montero. O político espanhol com mais seguidores é o presidente da Cantábria, Miguel Ángel Revilla, com 314.000.
As contas que mais usam o Instagram são as de Salvini e Trump. Os posts de Salvini são 30% do total das 6.175 fotos, mas seus memes são 44% de todos. Salvini é o rei dos memes: sua conta está cheia de manchetes sem contexto, piadas sobre rivais e capturas de tela de jornais ou tuítes. Um caso semelhante é o de Trump, cujas imagens são 16% do total, mas seus memes chegam a 26% do material analisado desse tipo. Embora poste menos no Instagram, o percentual de memes de Sanders é maior com relação a suas imagens: suas fotos representam apenas 2% do total, mas seus memes são 6%.
“Há três chaves no Instagram: ser nativo digital, oferecer autenticidade ou espontaneidade e aparecer em espaços mais internos ou pessoais, não políticos”
Na Espanha, o rei do meme é líder do partido de direita Vox. embora seu uso seja ligeiramente distinto. Abascal por enquanto não usa frases junto a imagens suas ou de algum rival. Seus memes se centram em capas de jornais, capturas de pesquisas ou convocatórias de atos. Seu meme recente mais significativo era um desenho dele com uma garrafa. “Lágrimas dos progressistas”, dizia o rótulo; “A bebida dos campeões”, complementava a legenda.
Os memes não são a única arma dos populistas. Eles também usam melhor a emoção e os momentos privados: “É o que chamamos política das celebridades, que é a exploração da vida privada para fins públicos”, diz Raquel Quevedo, professora da Universidade de Valladolid. Esse tipo de imagens obtém mais curtidas.
O critério mais útil para comparar o sucesso dos posts entre as contas é o número de reações por seguidor. Com esse critério, há três políticos da seleção que dominam o Instagram: Alexandria Ocasio-Cortez, Beto O’Rourke e Santiago Abascal.
Alguns dos posts de Bernie Sanders, Matteo Salvini e Donald Trump tiveram mais alcance em números absolutos, mas o rendimento por seguidor de Ocasio-Cortez, O’Rourke e Abascal é imbatível. Na Espanha, ninguém faz sombra à conta do Instagram do líder do Vox. Como são as imagens com melhor resultado na sua conta? Com seu filho enquanto se prepara para correr com um moletom da Legião Espanhola, na arena de touradas, na montanha com o correligionário Javier Ortega-Smith ou recebendo um beijo de sua mulher no Ano-Novo. Ou seja, família, cenas privadas e afetos que tocam seus seguidores. A novidade desses fenômenos também estimula seus seguidores a apertarem o botão de “curtir”.
As fotos mais emblemáticas de O’Rourke são de novembro, quando perdeu as eleições para o Senado no Texas e agradeceu pelo afeto dos eleitores ao lado da mulher e da família. O post mais curtido de Ocasio-Cortez foi sua dancinha ao entrar no gabinete, no dia em que outra dança, esta da sua juventude, tinha aparecido na mídia. Entre estes três políticos e suas imagens mais bem avaliadas penetra Alberto Garzón, líder da formação espanhola Esquerda Unida, embora fosse mais o caso de dizer que se trata da sua filha Olivia. As quatro imagens de Garzón com maior alcance são da gravidez, nascimento e primeiros passeios do político com a pequena.
“Há três chaves no Instagram: ser nativo digital, oferecer autenticidade ou espontaneidade e aparecer em espaços mais internos ou pessoais, não políticos”, diz Santiago Castelo, consultor da Ideograma. As imagens de mais sucesso em geral coincidem com esses critérios. Menos gente curte comício ou o aperto de mãos entre dois políticos. Os políticos dos principais partidos espanhóis parecem não ter captado essa mensagem. “No Instagram, não podemos ficar com mesmos conteúdos que em outras redes sociais”, afirma Carlos Gutiérrez, presidente-executivo da consultoria Le Black Room.
O software da Graphext escolhe também palavras que definem o tom das contas. Costumam ser significativas. A conta mais curiosa do grupo é a de Miguel Ángel Revilla. Seu motivo principal é o mar e um pouco de natureza com animais. Parece uma agência de turismo dedicada à região espanhola de Cantábria. Nenhum outro político segue esse padrão. O’Rourke é o único que tem outro segmento mais definido: costuma aparecer cercado de gente, sejam familiares, seguidores, colaboradores ou o público de atos públicos.
Os termos-chaves também ajudam a situar o restante. Salvini sai sempre em primeiro plano – categorias “selfie”, “barba” –, como ministro do Interior aproveita as saudações a “pessoas fardadas”, e como bom italiano a “cozinha” está presente. Trump sai com muitos “militares”, em discursos feitos em “grandes espaços”, com a “bandeira” por perto e frequentemente em um carro.
No Brasil, Instagram também é estratégico para políticos da direita e da esquerda
O uso do Instagram como ferramenta estratégica para os políticos brasileiros daria um estudo a parte. O Brasil é heavy user da rede social e, embora os políticos não sejam os instagrammers favoritos do país (lideram essa lista artistas, apresentadores, cantores e jogadores de futebol), alguns personagens da direita e esquerda brasileira contabilizam milhões de seguidores, sobretudo entre os mais jovens, seguindo a combinação de sucesso citada pelos pesquisadores: memes e a "emoção" de momentos privados.
Entre os exemplos mais notáveis estão os filhos do presidente Jair Bolsonaro, os Kardashian da política brasileira: o deputado federal Eduardo Bolsonaro (com 2,5 milhões de seguidores); o senador Flávio Bolsonaro (2 milhões de seguidores); e o vereador Carlos Bolsonaro (1,7 milhões de followers), todos do PSL. A arma favorita deles é o meme, mesma ferramenta que domina os Twitter do clã da ultradireita brasileira, esta sim, a rede social preferida dos Bolsonaros. No outro extremo partidário está a Manuela D'Ávila (PCdoB), candidata a vice-presidente na chapa com Fernando Haddad (PT). Usuária ativa do Instagram, é jornalista contabiliza 1,3 milhões de seguidores, com quem divide imagens da sua rotina pessoal como política e mãe -- outro ingrediente chave para o sucesso nesta rede, segundo o estudo.
Tu suscripción se está usando en otro dispositivo
¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?
Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.
FlechaTu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.
Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.
En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.
Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.
Mais informações
Arquivado Em
- Populismo
- Santiago Abascal
- Matteo Salvini
- Bernie Sanders
- Alexandria Ocasio-Cortez
- Apps
- Donald Trump
- Memes
- Aplicações informáticas
- Fenômenos Internet
- Telefonia celular multimídia
- Ideologias
- Programas informáticos
- Celular
- Informática
- Mobilidade
- Telefonia
- Internet
- Tecnologia
- Telecomunicações
- Política
- Indústria
- Comunicações
- Ciência