_
_
_
_
_

‘New Horizons’ sobrevoa Ultima Thule, a fronteira do Sistema Solar

Sonda da NASA deve começar a enviar imagens do pequeno planeta que fica além de Plutão a partir deste 1 de janeiro

Rafael Clemente
Recriação artística de uma possível aparência de Ultima Thule.
Recriação artística de uma possível aparência de Ultima Thule.NASA
Mais informações
Três missões espaciais farão história nos próximos dias
A nave Insight, que verá as entranhas de Marte, chega ao seu destino
Nasce Orion, uma espaçonave para levar astronautas além da Lua

A sonda New Horizons da NASA sobrevoou nesta madrugada (3h30 no horário de Brasília) desta terça-feira o corpo celeste mais distante a ser estudado, Ultima Thule. "Vamos, New Horizons!", exclamou o cientista-chefe Alan Stern, passada a meia-noite nos Estados Unidos, ante a alegria das pessoas que acompanharam esse marco no Laboratório John Hopkins de Física Aplicada, em Maryland.

Ultima Thule está a 6,4 bilhões de quilômetros da Terra. "Nunca antes uma nave explorou algo tão distante", disse Stern. A câmera da sonda, que sobrevoa o corpo celeste a 3.500 quilômetros, começou a captar imagens, mas elas demorarão para chegar em razão da enorme distância. "Agora, é esperar que os dados cheguem. É questão de tempo", disse o vice-diretor do projeto, John Spencer, à agência AFP.

“Existe a possibilidade de que Ultima Thule não seja um só corpo, mas dois, um girando em torno do outro”

O nome evoca imagens lendárias de naves vikings atravessando as águas frias do Atlântico Norte e paisagens gélidas nunca antes conhecidas: Ultima Thule. O território mítico e inatingível que marcava o fim do mundo conhecido. E para quem cresceu lendo as aventuras do personagem espanhol Capitán Trueno, o reino de origem de Sigrid, a eterna namorada do protagonista.

Lá se encontra agora a sonda New Horizons, após visitar, em 2015, outros mundos gelados: Plutão e seu satélite Caronte. Tendo em vista o sucesso dessa missão e como a nave estava em boas condições e com combustível suficiente, os cientistas decidiram direcioná-la para outro alvo ainda mais distante, neste caso, uma das centenas de milhares de pequenos corpos que giram no cinturão de Kuiper, além da órbita de Netuno.

Primeira imagem de Ultima Thule enviada pelo 'New Horizons' depois de sua máxima aproximação. Nos próximos dias chegarão mais fotografias de maior resolução.
Primeira imagem de Ultima Thule enviada pelo 'New Horizons' depois de sua máxima aproximação. Nos próximos dias chegarão mais fotografias de maior resolução.NaSA

Ultima Thule é apenas um apelido, escolhido pelo voto popular. Claro, soa melhor do que seu nome oficial: 2014MU69. Na verdade, quando a New Horizons decolou, este pequeno planeta nem sequer tinha sido descoberto. Só apareceu graças a um rastreamento feito pelo telescópio Hubble, em busca de algum objetivo para sobrevoar depois de passar em frente a Plutão.

Durante anos, Ultima Thule não passou de um minúsculo ponto de luz perdido entre as imagens de outras estrelas e, acima de tudo, no ruído eletrônico que contamina todas as exibições de imagens de longa duração.

“Provavelmente o corpo celeste seja uma mescla de rocha e gelo”

Está muito longe, tanto que seu ano dura quase trezentos anos terrestres. A essa distância os sinais de rádio (à velocidade da luz) levam cerca de seis horas para chegar à Terra. Na manhã deste primeiro de janeiro espera-se receber dados e fotos de um mundo que ninguém viu ainda em detalhes.

Tudo o que sabemos sobre Ultima Thule hoje é o resultado da análise de sua luz. Às vezes, de lugares igualmente exóticos. Em julho de 2017, membros da equipe viajaram para a Patagônia para acompanhar a passagem do planeta diante de uma estrela remota. Com o tempo de duração do eclipse cronometrado, foi possível estimar seu tamanho: cerca de 30 quilômetros de diâmetro.

Ou menos. Existe também a possibilidade de que Ultima Thule não seja um corpo único, mas dois, um girando ao redor do outro a uma distância muito próxima. Nesse caso, podemos descobrir que seus respectivos diâmetros não chegam a dez quilômetros. Imagine um par de montanhas flutuantes circulando uma ao redor da outra e você terá uma imagem bastante aproximada do que aquele pequeno planeta pode ser.

Outra análise feita dezenas de vezes nos últimos meses é a da "curva de luz". É só ver como o brilho de Ultima Thule varia ao longo dos dias. Isso deve indicar se tem regiões mais escuras do que outras, algo como uma estimativa grosseira de sua geografia. Mas o estranho é que quase nenhuma variação foi observada nessa curva.

“A essas distâncias, o Sol é apenas uma estrela muito brilhante que parece um disco”

Várias explicações foram sugeridas. A primeira, que seu eixo de rotação está apontando diretamente para nós, de modo que sempre veríamos a mesma região. É possível, mas seria um acaso extraordinário.

Outras hipóteses sugerem que ela é cercada por uma nuvem de poeira ou gelo que desfoca as variações de brilho. Ou talvez um enxame de rochas com aspecto muito anguloso e que refletem a luz de modo aleatório. Se assim for, seria a primeira vez que se descobre um mundo assim.

Provavelmente, Ultima Thule é uma mistura de rocha e gelo. Mas também se pensava que Plutão era assim e a realidade mostrou um planeta de geografia surpreendentemente variada: montanhas, ravinas, planícies de gelo que parecem ter migrado como um todo, um oceano subterrâneo, enterrado a centenas de quilômetros de profundidade.

A cor do Ultima Thule ­­­pelo menos em parte da sua superfície  é avermelhada. Menos que Plutão, mas avermelhada. E as câmeras da New Horizons terão que trabalhar duro para captá-la. A essas distâncias, o Sol é apenas uma estrela muito brilhante que só parece com um disco. Sua luz é 2.000 vezes menos intensa que na Terra. É ótimo que as câmeras a bordo sejam capazes de capturar algo em tais condições de noite fechada.

Que qualidade pode ser esperada das fotos? Espera-se apreciar detalhes de uma distância de cerca de 150 metros, com uma possibilidade remota de atingir 33 metros. Mas não é certo. A apenas 3.500 quilômetros de altura, a sonda passará diante de seu alvo como um respiro. A câmera está fixa em uma lateral da nave e não pode se mover com agilidade, então provavelmente não poderá acompanhá-la e talvez alguma imagem fique tremida.

No total, câmeras e instrumentos a bordo coletarão cerca de sete gigabytes de informação durante toda a fase do encontro. Eles vão armazená-las em sua memória para enviá-las pouco a pouco para a Terra. Nessas distâncias, a velocidade de transmissão é de cerca de 1.000 bits por segundo. Então teremos que esperar vinte meses até que tudo chegue à Terra. É possível que, até lá, o equipamento da New Horizons já tenha localizado outra meta para explorar, ainda mais remota que Ultima Thule.

Rafael Clemente é engenheiro industrial e foi o fundador e primeiro diretor do Museu da Ciência de Barcelona (agora CosmoCaixa). Ele é o autor de Um Pequeño Paso para [un] Hombre (Libros Cúpula).

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_