_
_
_
_
_

É possível provocar ou evitar a chuva?

Este é um antigo sonho de agricultores e da população das grandes cidades sufocadas pelo calor

ilustración de SEÑOR SALME

Uma das lendas mais consolidadas no nosso meio rural (e no urbano também!) é que quando há nuvens vêm uns aviõezinhos e as roubam para que não chova. Na verdade, chegamos a ver manifestações e Prefeituras organizando abaixo-assinados para parar com isso na Espanha. Quem quer roubar a chuva? Aqui há diferentes teorias, cada uma mais peculiar que a outra. O mais típico é culpar o povoado vizinho, que quer a chuva para si, ou os produtores de outros cultivos agrícolas, cujas safras seriam prejudicadas pelas chuvas na época da colheita. Há teorias mais elaboradas que culpam as companhias de seguros, que tentariam evitar precipitações de granizo para não precisar pagar indenizações. Alguma destas afirmações tem base?

Mais informações
Combater as mudanças climáticas traz ganhos para os agricultores do Cerrado
De ‘ouro verde’ a ‘diamante de sangue’: a queda em desgraça do abacate
Fotos Jane Goodall e seus chimpanzés, ‘honoris causa’

Devemos ao meteorologista Lorenz a afirmação de que o bater de asas de uma borboleta na Costa Rica pode ocasionar um tornado no Texas. O que ele queria expressar nesta frase é que a atmosfera é um sistema tão complexo que seu comportamento é caótico, e por isso as previsões falham tanto. Se é complicado saber que tempo vai fazer, manipulá-lo é muito difícil, mas não impossível. Tratar de controlar o tempo atmosférico tem sido uma constante da civilização, embora durante milênios tudo o que se podia fazer eram oferendas ou preces a diferentes deuses e santos. No começo do século XIX, o norte-americano James Espy foi o primeiro em observar que as nuvens se formam quando o ar quente sobe para camadas altas da atmosfera e, ao encontrar ar frio, o vapor de água ali contido se condensa e forma as nuvens.

Em 1946, o prêmio Nobel Langmuir polvilhou gelo seco numa nuvem e conseguiu fazê-la chover, mas a água não chegou ao chão

Anos depois, o prêmio Nobel Irving Langmuir descobriu poderia produzir chuva pulverizando gelo seco entre as nuvens. Em 13 de novembro de 1946 conseguiu que, ao aspergir gelo seco numa nuvem, esta se condensasse e chovesse, embora a água não tenha chegado ao chão. Evaporou pelo caminho, mas sem dúvida foi a primeira chuva artificial. O segundo teste, em 20 de dezembro do mesmo ano, teve mais sucesso. Pouco depois de semear as nuvens, caiu uma nevada de 20 centímetros que causou inumeráveis problemas no Estado de Nova York. Apesar de ele ter reivindicado o feito, a General Electric, companhia para a qual trabalhava, obrigou-o a assinar uma declaração negando qualquer responsabilidade, para evitar uma avalanche de ações judiciais. De todo modo, é provável que o sucesso de Langmuir não tenha sido tamanho, já que a tempestade havia sido prevista pelos meteorologistas.

Langmuir continuou investigando seu método e chegou à conclusão de que o iodeto de prata funcionava melhor que o gelo seco. Entretanto, sua companhia não quis saber dessas experiências. Já o Exército dos Estados Unidos o acolheu com interesse, e lá ele trabalhou até 1952. Apesar de Langmuir ter atribuído feitos notáveis a si próprio, como provocar chuvas torrenciais no Novo México, a maioria desses fenômenos podiam ser explicados por causas naturais, por isso o projeto foi esquecido… até a guerra do Vietnã.

O Vietnã é uma selva chuvosa, e os norte-americanos perceberam que os vietcongs utilizavam uma rede de trilhas florestais para abastecer seu exército. Se conseguissem intensificar as chuvas, essas trilhas se tornariam intransitáveis. Com essa finalidade foi criado o projeto Popeye. Foram realizados 2.602 voos e 47.409 descargas de iodeto de prata para estimular a ação das monções sobre as trilhas dos Vietcongs. O vazamento dos famosos Papéis do Pentágono levou ao arquivamento do projeto. O custo superou os 20 milhões de dólares da época, e o resultado foi tão pífio que não ficou claro se os Vietcongs chegaram a notar que chovia um pouco a mais. Essas técnicas continuaram sendo usadas pontualmente, como quando a URSS buscou impedir que nuvens carregadas de radioatividade de Chernobil chegassem a Moscou, ou quando a China semeou nuvens para que a chuva não atrapalhasse a abertura dos Jogos Olímpicos de 2008. Entretanto, o custo é muito alto, e os resultados, ridículos. Portanto, quando faltar chuva não culpe os aviõezinhos, e sim o clima ou, se você for crente, o santo padroeiro da localidade.,

No Brasil a responsabilidade de fazer chover quando necessário recai sobre a Fundação Cacique Cobra Coral, que leva o nome da entidade indígena da umbanda. Ela já manteve contrato com vários estados e municípios para ajudar a encher reservatórios em época de seca, ou então para limpar o céu e permitir que eventos ocorram sem contratempos. A prefeitura do Rio de Janeiro, por exemplo, contratou a Fundação em 2009 para evitar que as chuvas atrapalhassem os fogos de ano novo em Copacabana.

Fracasso com furacões

No Exército dos Estados Unidos, Langmuir foi responsável pelo projeto Cirrus, que buscava neutralizar os furacões que açoitam o Caribe e o sul dos Estados Unidos. A ideia era semear as nuvens próximas ao olho do furacão para que se formasse gelo, e que este dispersasse o calor do furacão e assim reduzisse a intensidade do vento. Em 13 de outubro de 1947 foi feito um teste com o furacão King, que já estava morrendo no Atlântico. Entretanto, após ser semeado o furacão mudou de trajetória, ganhou força e assolou a cidade de Savannah, na Geórgia. É pouco provável que isto se devesse à manipulação, já que, para a sorte de Langmuir, em 1906 outro furacão tinha seguido uma trajetória similar à do King.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_