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Eldorado, uma visita às origens de Bolsonaro Ambicioso, ultradireitista, misógino e nostálgico da ditadura. O capitão reformado do Exército Jair Bolsonaro será o próximo presidente do Brasil. Uma equipe do EL PAÍS investigou a trajetória do presidente eleito onde se criou, como entrou no Exército e na política, como começou do nada e foi, pouco a pouco, tecendo apoios dos principais setores Até aquele dia 8 de maio em 1970, Jair Bolsonaro, que tinha então 15 anos, destacava-se na cidadezinha de Eldorado, no interior paulista, por ser turrão e astuto. Também por sua facilidade para se enturmar com os outros meninos. Mas depois da visita do guerrilheiro Carlos Lamarca, descobriu a capacidade do Exército para organizar a sociedade civil. Começou a ter algo claro na vida. “Dizia para a gente, para todo mundo, o tempo todo”, conta Dona Narcisa, de 63 anos. “Ia sair de Eldorado porque ia se alistar no Exército”. Para cumprir sua obsessão e entrar no Exército, o jovem Bolsonaro necessitava de duas coisas que não possuía na época: dinheiro e estudos. Para o primeiro, contava com um sócio: seu melhor amigo, Gilmar Alves. “Compramos uma vara e fomos pescar para vender: todo dia a gente ia para o rio, com frio ou calor”, recorda Alves, hoje com o cabelo completamente grisalho, sentado num bar de Registro, cidade próxima a Eldorado, onde vive. A imagem retrata Jair Bolsonaro pescando. Arquivo Na pequena cidade rural de Eldorado (SP), Gilmar Alves era o melhor amigo de Jair Bolsonaro. Com ele partilhava a ambição de prosperar nos estudos para deixar a pequena cidade de 15 mil habitantes. “Precisávamos nos esforçar muito porque naquela época Eldorado não tinha bons professores: o de História dava aulas de Química, sem saber muito”, afirma. “Mas o Jair é uma das pessoas mais obstinadas que conheci. Estudava 24 horas por dia. Todo mundo ia aos bailes dos clubes e nós ficávamos estudando. Ele me dizia para que eu fosse para o Exército com ele, porque os presidentes eram todos militares e ele iria ser presidente”. O plano deu certo. Gilmar chegou a estudar Agronomia em Curitiba, e Jair entrou no Exército. A imagem retrata o jovem Bolsonaro com seus companheiros do Exército.
Arquivo Durante anos, Jair Bolsonaro manteve contato com seu amigo de infância, Gilmar Alves, mas a amizade acabou se rompendo em abril de 2015. Cada vez mais convencido de que poderia se tornar presidente, durante uma entrevista televisionada, Bolsonaro falou de seu amigo de infância, de seu companheiro de pesca. Após décadas falando bobagens homofóbicas e racistas, talvez para contrastar, dessa vez disse algo diferente: “Eu tenho um amigo gay, Gilmar, que vive em Registro”. Gilmar ficou atônito ao escutá-lo. “Eu não sou gay”, diz. A suposta revelação teve como consequência uma campanha de assédio: por WhatsApp, nos bares, na rua. “Não importa onde, alguém se aproximava e me dizia com um sorriso: ‘Como você escondeu bem isso, frutinha’, e: ‘Bom, onde tem fumaça, tem fogo”. “Eu telefonei para ele para que me desse explicações”, lembra Alves. “E ele me respondeu: ‘Mas eu não te chamei de gay”. Gilmar sabe muito bem como definir seu antigo amigo: “É um desequilibrado, que não pensa antes de falar. Primeiro faz e depois conserta, se puder. É assim que quer chegar à presidência, mas não de um sindicato e sim de um país. Revelou um caráter que eu não conhecia. O de um mentiroso”. A imagem retrata o jovem Bolsonaro em uma competição esportiva. Arquivo Bolsonaro saiu de Eldorado para entrar na escola de cadetes da cidade de Resende, no Estado do Rio de Janeiro, nos anos 70. O país vivia à época a etapa mais sangrenta da ditadura. Centenas de jovens de esquerda que se opunham aos militares foram torturados, assassinados. E enterrados em valas comuns. Muitos familiares ainda não encontraram seus restos apesar de procurá-los durante anos. Foram várias as campanhas de busca. Em seu gabinete de deputado do Congresso, em 2009, Bolsonaro tinha um cartaz em que se referia depreciativamente a uma dessas campanhas: “Quem procura osso é cachorro”. Na imagem, o quilombola Frederico lava o rosto em um rio próximo a Eldorado Em seus tempos de tenente novato, Bolsonaro já revelava sua personalidade. Documentos publicados pelo jornal Folha de S. Paulo no ano passado mostram que, nos anos 80, os oficiais consideravam que o jovem Bolsonaro tinha “excessiva ambição financeira e econômica”. O que o levou, entre outras coisas, a procurar ouro ilegalmente com outros militares sob seu comando. Foi, entretanto, outro episódio que o tornou conhecido. Em 1986, com 31 anos, escreveu um artigo na revista VEJA em que se queixava dos baixos salários dos militares, o que, segundo ele, incentivava muitos cadetes a deixar a Academia. Foi detido pelo texto, preso durante 15 dias e sofreu um processo militar por indisciplina. Também recebeu 150 telegramas de solidariedade de todo o país e o apoio de oficiais e suas esposas. Entusiasmado com esse apoio, elaborou um plano revelador de seu temperamento. Ainda de acordo com a VEJA, um grupo de oficiais do Exército sob seu comando planejou, em 1987, a operação “Beco Sem Saída”, que consistia em explodir bombas de baixa potência em quartéis e academias militares para protestar pelos baixos salários. O assunto foi resolvido discretamente. O Tribunal Militar absolveu Bolsonaro em 1988 de todas as acusações de indisciplina e deslealdade. Mas o à época capitão precisou deixar o Exército. E começou a mirar na política. Ele nega o episódio.
Arquivo Da praça central de Eldorado, uma cidade rural de 15.000 habitantes, se pode ver a escola de paredes descascadas onde Jair Messias Bolsonaro fez o Ensino Médio. E as ruas, cheias de pequenos negócios de letreiros pintados à mão hoje desbotados, em que brincou. O populista de extrema-direita que presidirá o Brasil continua presente em Eldorado, a 190 quilômetros ao sul de São Paulo, mas de outra maneira. Muitos carros têm adesivos com seu retrato. E seu nome é ouvido repetidamente na boca dos que cresceram com ele, que competem para ver quem o canoniza primeiro Victor Moriyama A aparência de Eldorado (SP) mudou desde os anos setenta, quando lá vivia Jair Bolsonaro. Onde existiam casas de barro e madeira, agora se erguem casas de concreto e tijolo. Surgiram parabólicas sobre os telhados. Mas continua sendo um pequeno pedaço de urbe no meio da mata. A rotina é a mesma: trabalhar, o bar, a casa. E os problemas também: um deles, como no restante do Brasil, é a desigualdade. O dono do maior restaurante do local é partidário de Bolsonaro; as duas funcionárias de sua cozinha (negras), não. A fotografia de @victormoriyama retrata a vista do cemitério onde está enterrado Percy Geraldo Bolsonaro, o pai do presidente eleito Victor Moriyama Sônia Brisola, de 54 anos, amiga de Bolsonaro, faz pausas à beira de lágrimas enquanto se lembra do pai do político, um dentista: “Um homem generoso, atencioso, muito querido na cidade, se você não tinha dinheiro para fazer uma extração de dente, ele fazia o trabalho de graça. E Jair, bom. É impossível que te falem mais sobre ele. E eu não digo isso porque ele vai ser presidente”. Os Bolsonaro tinham chegado a Eldorado liderados pelo patriarca, Percy Geraldo Bolsonaro, depois de perambular durante anos por várias cidadezinhas do sertão paulista. O pai era dentista prático. Assim sustentava sua família de seis filhos, e chegou a ser célebre na cidade Victor Moriyama De fato, as opiniões apaixonadas pelo presidente eleito parecem unânimes entre os habitantes brancos da cidade rural de Eldorado (SP). Mas é uma imagem enganosa.Tirço, um corpulento empregado negro de um dos dois postos de gasolina de Eldorado, avisa: “Daqui para lá, ninguém vai te dizer nada de ruim sobre Bolsonaro”, apontando para o centro. “Mas de lá para cá, ninguém vai te dizer nada de bom”, indicando outro bairro, muito mais precário e distante, Vila Nova Esperança, de maioria negra Victor Moriyama Em Eldorado, havia clubes sociais apenas para brancos até quase o final da década de sessenta. Lá, uma moradora diz abertamente que “os negros são vagabundos dependentes das ajudas do Estado”. Na pequena cidade rural havia muitos escravos até o século XIX e agora existem dezenas de quilombos, comunidades que estes fundaram depois de terem sido libertados. São assentamentos muito pobres no meio do mato que recebem discretas subvenções do Governo e seus moradores se dedicam a cultivos artesanais; também são a obsessão da cultura racista brasileira, que não vê sua utilidade. Depois de visitar um em 2017, Bolsonaro disse que “o afrodescendente mais magro” pesava sete arrobas” e “nem para procriar servia mais”. A fotografia de @victormoriyama retrata os cavalos do quilombo Ivaporunduva Victor Moriyama Ditão, de 63 anos, grisalho de olhos cinzentos por causa da catarata, líder do quilombo de Ivaporunduva, o maior da região onde nasceu o presidente eleito Jair Bolsonaro, está em seu bananal com sandálias Havaianas bem afundadas no barro. “Eldorado segue a mentalidade colonial: você manda, eu obedeço”. Muitos acreditam que as pessoas dos quilombos não conseguem pensar, não conseguem administrar um negócio, não conseguem entrar na política. Nós só existimos para obedecer. Ouvir e obedecer. Ele não tem a menor dúvida de que com Bolsonaro a ditadura voltará de uma forma ou de outra, implícita ou explicitamente. “Nós pobres somos os mais expostos à opressão militar. Eu tinha nove anos quando a ditadura começou em 1964; um dia a polícia prendeu meu pai sem nenhum motivo. Nenhum. Sabe por que ele não foi liberado? Porque não era o dono da terra em que trabalhava. O branco”. Victor Moriyama