O inexistente Real Madrid feminino
O presidente do clube respondeu a todas as perguntas na assembleia de sócios, menos àquela sobre o futebol de mulheres
No domingo 23 de setembro, o Real Madrid realizou sua assembleia anual de sócios compromissários —aqueles que são eleitos pelos demais para representá-los. O presidente do clube, Florentino Pérez, conseguiu fechar o orçamento para a atual temporada. Muita oposição ele não teve, já que 92% dos presentes aprovaram as contas. O clube decidiu, entre outras medidas, pedir um crédito para a reforma do estádio Santiago Bernabéu, cujo valor chega a 575 milhões de euros (2,5 bilhões de reais). Nesse particular, o senhor Pérez tampouco encontrou muita resistência. Dos 1.907 sócios que votaram, 1.017 apoiaram o megaprojeto. Isso equivale a 92,7% dos eleitores, que, no entanto, perfazem apenas 1,08% da massa social do clube.
Até aqui chegou a informação destacada pela maioria dos meios de comunicação. Mas na assembleia aconteceram muitas outras coisas. E uma delas passou despercebida. Ocorreu no momento dos pedidos e perguntas, quando os poucos membros críticos em relação à gestão presidencial tornam públicas as suas queixas. Um desses críticos, de nome César López Rodríguez, perguntou a Florentino Pérez sobre os motivos que impedem que o Real Madrid tenha um time de futebol feminino. “É um prazer vê-las jogar...”, disse o sócio, elogiando o doce momento vivido pelas atletas do esporte na Espanha. Após sua pergunta, o senhor López abandonou o estrado e retornou à sua cadeira, onde esperou paciente a resposta do mandatário. E continua esperando.
Porque o presidente foi respondendo a todas as indagações feitas pelos sócios e —santa coincidência!— se esqueceu de uma. A do inexistente Real Madrid feminino. Pode ter sido por distração, claro. Mas nenhum dos diretores que o acompanhavam na mesa presidencial, 16 eles eram, informou a Florentino Pérez sobre seu lapso desmemoriado. Nem sequer dona Catalina Miñarro, a única mulher que integra a equipe de governo do clube.
Ao Real Madrid cabe a duvidosa honra de ser, juntamente com o Getafe, o único time da primeira divisão espanhola que não teve nem tem equipe feminina. Todos os grandes clubes europeus, incluindo Manchester United, Chelsea, Bayern, Juventus, PSG... têm. Só ficam de fora da lista as duas equipes de Milão, cuja grandeza já se limita à sala de troféus. E o Real, claro. De fato, há três equipes de Madri na divisão de Honra da Liga Iberdrola: o Atlético, atual campeão, o Rayo Vallecano e o Madrid Clube de Futebol, que nasceu por esforço de seu fundador, o empresário Alfredo Ulloa, que maquiou assim seu grande sonho —que sua filha fosse goleira do Real Madrid. Para poder estar na máxima categoria do futebol feminino, basta um orçamento anual de 300.000 euros (1,3 milhão de reais), que vem a ser o que o gigantesco Real gasta com os cadarços das chuteiras de qualquer contratado.
A revista France Football, que concede a Bola de Ouro, acaba de anunciar que em 2018 também haverá um prêmio para a melhor jogadora. Um troféu que, ao contrário do masculino, nenhuma atleta do Real Madrid vencerá. Talvez algumas dessas “mocinhas madrilenhas” das quais fala o hino do clube se pergunte, enquanto caminha até o Chamartín, aparentemente alegre e risonha, por que não pode jogar no Real Madrid. Não encontrará resposta.
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