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‘Benzinho’, a família acima de tudo

Filme brasileiro vencedor do Festival de Málaga celebra retrato íntimo da relação entre pais e filhos

Karine Teles e Otávio Müller em uma cena de 'Benzinho'
Karine Teles e Otávio Müller em uma cena de 'Benzinho'
Tommaso Koch

O pequeno Francisco, de apenas três anos, teve que responder à pergunta do milhão.

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“O que é a família?”, indagou seu professor.

“Um grupo de amor”, respondeu o menino.

Seu pai, o cineasta brasileiro Gustavo Pizzi, ainda se emociona ao recordar, do outro lado da linha. Repetiu tanto a definição que a tornou sua – e, a partir dela, fez um filme. “Essa ideia nos mostra que uma família pode se basear nesse pilar e ir além das disputas e discórdias por motivos como o gênero ou o sexo”, reflete. Não por acaso, Benzinho estreou em 2 de agosto na Espanha com outro nome: Siempre Juntos.

É, no fim das contas, o sonho proibido de qualquer progenitor. Um dia, seu bebê aprende a dar os primeiros passos. Noutro, de súbito transformado em adolescente, ele já caminha longe de casa. Pizzi fez isso aos 16 anos: entrou na faculdade, tornou-se diretor e conquistou prêmios – Benzinho ganhou a Bisnaga de Ouro no Festival de Málaga. “Com essa idade você nunca olha para trás, só para frente”, afirma. Por isso não recordou muito aquele adeus, até que ele também teve filhos. E então entendeu tudo. Inclusive que tinha nas mãos um sentimento poderoso para um filme. E tentou compartilhá-lo com quem melhor o compreenderia. “Como foi para vocês o momento em que fui embora?”, perguntou aos pais. Diz o diretor que eles se emocionaram. Não responderam, olharam para o teto.

O mesmo dilema desafia Irene, a protagonista do filme. Porque seu filho adolescente, Fernando, recebe uma proposta da Alemanha para ser uma estrela do handebol. O jovem nem pensa duas vezes: claro que sim. Mas suas certezas são as dúvidas de sua mãe. Como conjugar o entusiasmo enorme com a melancolia que a invade? E se fosse um ponto de inflexão para toda a família? Por isso, a câmera segue Irene num retrato íntimo de seu cotidiano e seus incertos sentimentos, na pequena Petrópolis. Ela trabalha, cuida de cinco filhos – o marido, dono de um negócio que está falindo, é o quinto – e protege a irmã contra as agressões do ex-marido. Não sucumbe ante as dificuldades, apesar do peso que carrega. Consegue ter tempo para rir... e para chorar.

Foi justamente por essa atmosfera autêntica e pela ode à vida que o filme recebeu muitas críticas positivas. “É difícil recriar com naturalidade esse universo emocional e dramático. São necessários muitos ensaios, preparação, embora também abertura e improviso”, afirma Pizzi. Tanto que ele filmou várias sequências que não estavam previstas, e as crianças menores – dois gêmeos, filhos de Pizzi na vida real – nem sequer receberam o roteiro. “O mais complexo para um diretor é não deixar que suas ideias se cristalizem. Um filme está vivo, em movimento, é um fluxo”, define.

Junto com esse processo criativo, sua vida também mudava: ele escreveu o roteiro com sua esposa, Karine Teles, que também interpreta Irene. Enquanto o filme saía à luz, contudo, seu casamento se apagava. O casal finalmente se divorciou, mas o filme nunca cambaleou. Após certo incômodo inicial, eles encontraram a forma de continuar trabalhando juntos. Fiéis ao título. E à sua missão.

“Queria contar a história de uma mulher forte, que coloca para frente não só o trabalho e a casa, mas também o marido. Isso é muito comum no Brasil”, afirma Pizzi. Ainda que, segundo ele, ninguém perceba. “Vivemos numa sociedade machista e patriarcal, onde um golpe de Estado trouxe retrocessos e a queda do sistema democrático. Acho que é importante o público ficar com essa reflexão política e feminista. É responsabilidade do diretor saber qual o efeito do que ele filma.” Entre outros, Pizzi menciona um jovem que saiu comovido de uma projeção de Benzinho. Pegou o celular e ligou para casa. Sua mensagem não podia esperar nem mais um segundo.

– Mamãe, sinto muito. Te amo.

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