Chefe da Igreja chilena sobre transexuais: “Se um gato tiver nome de cachorro, não passará a ser um cachorro”

A atriz transexual Daniela Vega responde Ricardo Ezzati: “Venha conversar comigo. Você se atreve?” Ela estrelou o filme ganhador do Oscar ‘Uma Mulher Fantástica’

Ricardo Ezzati em 2011.Rev. Christopher W. Cox
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Horas antes que o projeto de lei sobre identidade de gênero entre em uma etapa crucial no Congresso chileno, o arcebispo de Santiago, Ricardo Ezzati, fez uma comparação infeliz que provocou críticas de todos os setores. “É preciso ir além do nominalismo, é preciso ir à realidade das coisas. Não é porque eu ponho um nome de cachorro em um gato que ele passa a ser cachorro”, assinalou Ezzati na sexta-feira ao portal de notícias EMOL, por ocasião da abertura do ano acadêmico da Pontifícia Universidade Católica do Chile.

A atriz transexual Daniela Vega, protagonista do longa-metragem Uma Mulher Fantástica, ganhador do Oscar de melhor filme estrangeiro, reagiu pelo Twitter: “#Ezzati, venha conversar comigo. Você se atreve?”, assinalou a atriz, que desempenhou um papel fundamental para acelerar a tramitação de um projeto de lei que está há quatro anos no Congresso e, se aprovado, permitirá que as pessoas transexuais possam mudar seu nome e seu gênero no Registro Civil, entre outros pontos. A mensagem de Vega teve mais de 2.800 retuítes e 5.200 curtidas em poucas horas.

“Ezzati ultrapassou mais uma vez o limite daquilo que é tolerável”, afirmou o líder do Movimento de Integração e Libertação Homossexual (Movih), Rolando Jiménez. “Comparar com animais os meninos, as meninas e os adultos trans é um brutalidade extrema, que violenta a dignidade humana de maneira escandalosa.”

Até o presidente Sebastián Piñera se referiu às palavras do chefe da Igreja local: “Quando se trata de identidade de gênero, o respeito, a dignidade e o bom vocabulário são essenciais. Comparar uma situação que afeta seres humanos com animais me parece muito pouco apropriado”, afirmou neste sábado o chefe de Estado. Piñera integra a coalizão direitista Chile Vamos, que não tem uma posição única sobre o projeto de lei. Os governistas estão divididos principalmente em relação a um ponto: a inclusão de menores com idades entre 14 e 18 anos e os procedimentos ligados a essa tramitação.

O Chile é um país onde a Igreja católica enfrenta uma séria crise. Embora na ditadura ela tenha tido um papel central na defesa dos direitos humanos e na proteção dos perseguidos, dos anos noventa em diante começou a perder fiéis. Por ocasião da visita do papa Francisco ao Chile em janeiro — considerada a mais conflituosa de seu pontificado, por sua posição a respeito de casos de abuso sexual —, o influente jesuíta Felipe Berríos assinalou que a Igreja católica chilena estava “fechada e entrincheirada em uma doutrina que as pessoas não entendem”. Segundo a pesquisa regional Latinobarômetro, enquanto num país próximo, o Paraguai, 89% dos cidadãos se declaram católicos (80% no México e 73% na Colômbia e no Peru), no Chile esse índice cai para 44%. Nada menos que 38% dos chilenos assinalam que não têm nenhuma religião, um recorde regional em ateísmo, que é o dobro da média.

Apesar dessa situação, a Igreja não pediu oficialmente desculpas. Em um comunicado, o Arcebispado de Santiago lamentou que “o uso de uma alegoria” por parte de Ezzati tenha sido interpretado como uma ofensa. Nesta segunda-feira, uma comissão mista de senadores e deputados começará a discutir no Congresso a última etapa do projeto de lei.

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