Na verdade, o que [...] é exatamente um algoritmo?
Essa é a palavra tecnológica da moda, embora seja usada com grande desconhecimento. Tentamos explicar o que isso significa... e como fica complicado quando acrescentamos a computação
Algoritmo é a palavra tecnológica da moda: os algoritmos fazem isto e aquilo, conhecem nossas paixões mais íntimas, vão tomar nossos trabalhos, se dispõem a destruir a sociedade e o mundo... Na linguagem cotidiana se faz referência a eles como se fossem gênios do mal, demiurgos travessos ou a coluna vertebral de megacorporações inescrupulosas. Na verdade, um algoritmo é algo mais simples, é um mecanismo cego e sem vontade, mas que, como veremos, está mudando o mundo de forma definitiva e merece a máxima atenção para que o assunto não nos escape das mãos.
O que é um algoritmo? É apenas uma série de instruções simples que são realizadas para resolver um problema. A regra de multiplicação que aprendemos na escola e que permite obter o produto de dois números de vários dígitos, com papel e lápis, é um algoritmo simples. Mas podemos dar uma definição um pouco mais rigorosa:
“Conjunto de regras que, aplicadas sistematicamente a alguns dados de entrada apropriados, resolvem um problema em um número finito de passos elementares”, como enuncia o professor da Faculdade de Informática da Universidade Complutense, Ricardo Peña Marí, autor do livro De Euclides a Java, la Historia de los Algoritmos y de los Lenguajes de Programación. “É importante notar que o algoritmo tem de ser finito e executa instruções de forma sistemática, ou seja, ele é cego diante do que está fazendo, e os passos com os que opera são elementares”, comenta o professor.
Assim, um algoritmo poderia ser uma receita de cozinha ou as instruções para fabricar um avião de papel a partir de uma folha. Os algoritmos têm uma entrada (imput) e uma saída (output), entre ambas estão as instruções: a entrada poderia ser a carne moída, o tomate, as folhas de massa e a saída seria a lasanha perfeitamente gratinada. “Mas nessas tarefas muitas vezes existe a influência da habilidade das pessoas que cozinham: não é a mesma coisa uma receita preparada por um grande chef, que pode inclusive melhorá-la, do que por um principiante”, matiza Miguel Toro, professor do Departamento de Linguagens e Sistemas Computacionais da Universidade de Sevilha. Na verdade, os algoritmos reúnem operações tão simples que podem ser realizadas com sucesso por qualquer um. Inclusive por máquinas. Aqui está o cerne da questão.
Algoritmos + computadores = revolução
Porque embora os algoritmos existam pelo menos desde o tempo dos babilônios, com a chegada dos computadores eles ganharam muito mais destaque. A união de máquinas e algoritmos é o que está mudando o mundo. O matemático britânico Alan Turing, famoso por ter decifrado a máquina Enigma de mensagens cifradas dos nazistas e por ter se suicidado mordendo uma maçã envenenada depois de ter sofrido uma dura perseguição por causa de sua homossexualidade, foi um dos primeiros a relacionar algoritmo e computadores. Na verdade, foi um dos primeiros a imaginar um computador como o conhecemos. Inclusive chegou a pensar que as máquinas poderiam pensar e até escrever poemas de amor.
A Máquina de Turing não é uma máquina que existe no mundo físico, mas um constructo mental. Consiste em uma faixa infinita sobre a qual vão sendo feitas operações repetitivas até oferecer soluções, vem a ser uma definição informática do algoritmo e de um computador, o primeiro, conceitualizado: “Em essência, é o precursor dos computadores: tem memória, instruções (um programa), operações elementares, uma entrada e uma saída”, explica o professor Peña. O mais interessante é que é uma máquina universal, que pode executar qualquer programa que lhe for solicitado. Dentro dos problemas do mundo existem dois tipos: aqueles que podem ser resolvidos por uma Máquina de Turing (chamados computáveis) e aqueles que não podem (os não computáveis), assim como vemos no mundo real tarefas que as máquinas podem executar (cada vez mais) e outras que só os humanos podem realizar. Todos os computadores, tablets, smartphones, etc., que conhecemos são máquinas de Turing.
“Em suma, o trabalho dos programadores de computador consiste em traduzir os problemas do mundo para uma linguagem que uma máquina possa entender”, diz Peña. Isto é, em algoritmos que a máquina manipule: para isso é necessário destrinchar a realidade em pequenos problemas em sucessão e pôr o computador à tarefa. Um programa de computador é um algoritmo escrito em uma linguagem de programação que no final se torna milhares de operações simples que são realizadas com correntes elétricas no processador, correntes representadas pelos famosos uns e zeros, os dígitos que caracterizam o digital. Quando jogamos um videogame em três dimensões, ou olhamos o Facebook, ou usamos um processador de texto, na verdade a máquina está realizando numerosas operações com pequenas correntes elétricas, sem saber que de tudo isso sai 'Lara Croft com duas pistolas'. A chave é que são muitas operações ao mesmo tempo: um computador de 4 GHz pode fazer 4 bilhões de operações em apenas um segundo. Em essência, isso são os algoritmos e isso é informática.
Meus problemas com os algoritmos
Apesar da longevidade dos algoritmos e da maturidade dos computadores, a palavra algoritmo entrou na moda nos últimos anos. A que se deve? “Os computadores podem calcular muito mais rápido do que um cérebro humano; desde o surgimento da Internet há um salto e estamos chegando a coisas que pareciam impossíveis”, diz Miguel Toro. Por exemplo, em disciplinas em plena ebulição, como o big data e a inteligência artificial.
“Os algoritmos são usados para prever resultados eleitorais, conhecer os nossos gostos e o mundo do trabalho está se algoritmizando: as diferentes tarefas se tornam algoritmos e o trabalho está sendo automatizado”, explica o professor. As únicas tarefas não algoritmizáveis, no momento, são aquelas relacionadas à criatividade e às emoções humanas, essa é a nossa vantagem. Embora se costume argumentar com frequência que a Revolução Tecnológica criará novos empregos, Toro acredita que nunca serão tantos quanto os empregos destruídos e que se concentram em pessoas e países com preparação suficiente. “É por isso que uma ideia que parecia própria à esquerda, como a renda básica universal, está sendo proposta até por Bill Gates e experimentada em lugares como a Califórnia e a Finlândia. É necessário que haja consumidores para que o sistema econômico não entre em colapso”.
O Flash Crack
Um dos exemplos mais marcantes de como os algoritmos podem operar sem a supervisão humana é o chamado Flash Crack de 6 de maio de 2010. Na Bolsa, os algoritmos trabalham realizando transações em velocidades inimagináveis para um cérebro humano, em questão de microssegundos, para conseguir a máxima rentabilidade. É o High Frequency Trading. Naquele dia de 2010, a interação das operações dos algoritmos produziu uma queda de 1.000 pontos, cerca de 9%, sem explicação aparente, que se recuperou alguns minutos depois, mas deu uma ideia dos problemas que pode originar. “Casos como esses ocorrem quando os algoritmos começam a competir e ninguém tem a imagem do processo completo, o que se chama decoerência”, explica Toro, “por isso os algoritmos devem operar sob supervisão humana”.
“Ninguém se põe de acordo sobre o que aconteceu na Bolsa, ninguém deu a ordem, ninguém queria isso, ninguém realmente tinha controle sobre o que realmente estava acontecendo”, diz Kevin Slavin, professor do MIT Media Lab, em sua famosa conferência TED Cómo los Algoritmos Configuran Nuestro Mundo. Outro caso interessante é o do manual The Making of a Fly [A Criação de uma Mosca], de Peter Lawrence, que trata da genética de moscas como a Drosophila melanogaster, amplamente utilizada em laboratórios biológicos. A coisa estranha sobre esse livro, nos demais aspectos muito normal, é que em 2011 seu preço na Amazon atingiu primeiramente a cifra de 1,7 bilhão de dólares para logo subir, poucas horas depois, para quase 23,7 bilhões de dólares (mais o frete). Tudo se deveu à operação de um algoritmo que definia os preços automaticamente. “Ninguém comprou ou vendeu nada, o que aconteceu?”, pergunta Slavin. “Tanto aqui como em Wall Street vemos como algoritmos em conflito, trabalhando juntos, criam loops sem nenhum tipo de supervisão humana.”
Não obstante, existem algoritmos que já fazem parte de conselhos de empresas. É o caso do VITAL, que desde maio de 2014 ocupa uma das cinco cadeiras de direção da Deep Knowlegde Ventures, uma empresa de capital de risco de Hong Kong especializada em medicina regenerativa. O algoritmo recomenda investimentos depois de analisar enormes quantidades de dados e testes clínicos. Ele tem direito a voto na cúpula dessa corporação. Como o historiador Yuval Harari aponta em seu livro Homo Deus, Breve Historia del Mañana, “a VITAL adquiriu um dos vícios dos diretores-gerais: o nepotismo. Recomendou investir em empresas que dão mais autoridade aos algoritmos”. Segundo Harari, pode chegar o dia em que, quando os algoritmos se tornarem donos do mercado de trabalho, a riqueza fique concentrada numa “elite de algoritmos todo-poderosos” (...) os algoritmos poderiam não apenas dirigir empresas, mas ser donos delas. Atualmente, a lei humana já reconhece entidades intersubjetivas, como empresas e nações, como pessoas legais”. Se entidades como a Toyota ou a Argentina, que não têm corpo ou mente, podem possuir terras e dinheiro, processar e ser processadas, por que não um algoritmo?, pergunta o autor.
Algoritmos celebrities
Talvez o algoritmo mais famoso do mundo, depois do algoritmo da multiplicação, seja o do Google, criado em 1998 e chamado PageRank. Seu sucesso revolucionário consistiu no fato de que rastreava a Web e dava resultados de pesquisa em ordem de importância. “O PageRank original media a importância de um site pela quantidade de sites que estavam vinculados a ele”, diz Andrés Leonardo Martínez Ortiz (também conhecido pelo acrônimo ALMO), gerente do Grupo de Desenvolvedores do Google, e essa foi a chave do seu sucesso. Desde então, de acordo com ALMO, o algoritmo evoluiu até levar em conta o usuário em seus resultados (não é o mesmo ser adulto ou criança, pesquisar em Madri ou em Silicon Valley), oferecer mapas, imagens, corrigir a ortografia da pesquisa ou entender quando uma pergunta é escrita na caixa de pesquisa. E dar uma resposta.
“Nas mudanças que são feitas no algoritmo se envolve a indústria, por causa do impacto que pode ter, e são testados por um pool de usuários”, explica o engenheiro. O problema é que nos algoritmos grandes frequentemente aparecem vieses. “Um algoritmo não é uma caixa preta e seus resultados não devem ser assumidos sem questioná-los”, diz ALMO. “Quando uma situação anômala é percebida, é necessário reportá-la à empresa para análise.”
Porque, embora às vezes o pareçam, os algoritmos não são entidades autônomas, pois atrás deles existem pessoas. Assim, algumas associações de programadores e engenheiros de computação, como a Association for Computing Machinery (ACM) ou o Institute for Electrical and Electronic Engineers (IEEE) (das quais ALMO faz parte) desenvolveram um código de ética para evitar alguns dos problemas que a tecnologia pode trazer. “Devido à sua posição no desenvolvimento de sistemas de software, os engenheiros têm oportunidades suficientes para causar benefício ou gerar dano, para permitir que outros causem benefício ou gerem dano, ou para influenciar outros a causar benefício ou gerar dano”, se pode ler em seu preâmbulo. Portanto, o primeiro ponto de seus princípios diz: “Os engenheiros de software atuarão de maneira coerente com o interesse social”.
O FAMOSO ALGORITMO DO FACEBOOK
"No big data os algoritmos analisam milhões de dados de consumidores, existem algoritmos em carros automáticos ou em redes sociais como o Facebook e o Twitter", diz Ricardo Peña. Eles estão por toda parte, no Uber, no Google Maps, nós os usamos todos os dias. Por exemplo, as modificações no algoritmo que decide o que você vê no seu mural do Facebook, conhecido como EdgeRank, muitas vezes causam grande confusão entre os usuários. No início de 2018, a empresa decidiu dar mais importância aos usuários particulares do que empresas, marcas e meios de comunicação, na tentativa de tornar a rede social mais "social" e mitigar fenômenos como o clickbait e as fake news. Dada a alta dependência atual do mundo real em relação ao Facebook, a mudança deu muitas dores de cabeça, especialmente nas empresas e nos meios de comunicação.
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