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Além de Alan Turing: os matemáticos que combateram o nazismo

Winston Churchill criou grupos de trabalho para responder à remilitarização do exército nazista

Uma lousa com fórmulas matemáticas.
Uma lousa com fórmulas matemáticas.PIXABAY

Durante a Segunda Guerra Mundial muitos matemáticos se integraram ao Exército Aliado, especialmente no Reino Unido. O governo de Winston Churchill criou grupos de trabalho em centros e laboratórios, dedicados a áreas da ciência consideradas prioritárias para a batalha, para responder à remilitarização do exército nazista e fazer frente a seu avanço. Com esse esforço, ajudaram a ganhar a guerra e, ao mesmo tempo, contribuíram para o desenvolvimento de áreas como mecânica de materiais, computação, criptografia, física nuclear e a pesquisa operacional.

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Alan Turing é possivelmente o mais famoso dos matemáticos britânicos envolvidos na Segunda Guerra Mundial. Ao lado de sua equipe em Bletchley Park, decifrou o código de comunicação secreta dos nazistas, assentando as bases do uso de computadores para resolver problemas ao utilizar uma sequência de passos lógicos. Entre seus colaboradores estava Joan Clarke, uma das poucas mulheres matemáticas que se envolveu desde o início da guerra. Essa circunstância mudou drasticamente com o desenvolvimento da disputa. No ano de 1945, em Bletchley Park trabalhavam cerca de 10.000 pessoas, das quais cerca de 7.500 eram mulheres, formadas em física, matemática e engenharia, entre outros. Com grande parte dos homens no front, as mulheres puderam ocupar lugares que até então lhes eram vetados.

Para além da criptografia, houve matemáticos dedicados ao estudo de equipamentos militares, desde a blindagem de tanques até a produção de munição, passando por designs balísticos. Na cidade de Kent, Nevill Francis Mott, prêmio Nobel de Física em 1977, dirigia um grupo no qual se incluíam matemáticos como Leslie Howarth, dedicado a mecânica dos fluidos, Ian Sneddon e Rodney Hill, especializados em sólidos, e James Hardy Wilkinson, especialista em análise numérica.

No laboratório de Mott imperava uma matemática efetiva, simples, guiada pela intuição e os dados experimentais. Reinava um ambiente de urgência e tensão, no qual não havia tempo para complexidades ainda que se exigisse uma certa precisão nos cálculos. Mott designava cada tarefa a dois grupos ou pessoas diferentes, sem que eles soubessem, e se ambos concordassem, considerava que os resultados eram confiáveis e eram tomadas as medidas oportunas. Ali se estudou o primeiro míssil balístico do mundo (o V-2), construído pelos nazistas e lançado pela primeira vez em 1944, e também se modificou a fabricação de projéteis do exército britânico passando de uma ponta cônica a uma curvada e contínua.

Com o fim da guerra, esses matemáticos brilhantes voltaram ao mundo acadêmico, onde puderam formalizar as descobertas atropelados obtidas durante o combate. Rodney Hill começou seu doutorado em Cambridge em 1946, e concluiu dois anos depois. Como fruto de suas investigações, publicou dois artigos, um em 1948 e outro em 1950, que estabelecem as bases da chamada teoria da plasticidade dentro da termodinâmica. Nesses trabalhos, Hill analisa as deformações irreversíveis sofridas pelos sólidos depois de serem submetidos a processos de carga e descarga. Seu livro A teoria matemática da plasticidade (1950), no qual registrou com apenas 29 anos seus avanços de forma acessível e ordenada, continua sendo hoje em dia referência básica para os estudantes e pesquisadores da área.

Por outro lado, seu orientador de tese, Egon Orowan, matemático húngaro de ascendência judaica, havia chegado ao Reino Unido em 1937 fugindo do nazismo e também trabalhou a serviço do Governo inglês durante a guerra. Em 1944, seus estudos identificaram a causa da ruptura dos chamados barcos da liberdade (Liberty ships), que eram enviados dos EUA para abastecer as forças aliadas na Europa com materiais de todo tipo. As mudanças propostas por Orowan para evitar as avarias foram incorporadas no projeto.

Outro grande problema que os navios enfrentavam no Atlântico Norte eram os submarinos alemães. Um grupo de pesquisadores do Reino Unido, sob a direção de Patrick Blackett, posteriormente prêmio Nobel de Física, aperfeiçoou o radar aéreo para localizar os submarinos alemães entre 1942 e 1945. Seus trabalhos abriram um novo campo da matemática, a pesquisa operacional, que consiste no uso de modelos e dados estatísticos para o processo decisório. Com a localização dos submarinos através dos radares, era possível escolher a profundidade ideal para o ataque.

A ofensiva nazista colocou a Inglaterra na vanguarda de muitas disciplinas científicas e tecnológicas. Churchill já havia deixado claro isso em seu primeiro discurso, prometendo “sangue, suor e lágrimas” e “nunca vamos nos render”. De fato, não se renderam – e o resultado extrapolou a vitória militar.

José Merodio é professor da Escola de Estradas, Canais e Portos da Universidade Politécnica de Madri.

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