“O machismo tem bases biológicas”, diz Julia Fischer, primatologista
Cientista alemã procura nos macacos as chaves da evolução social humana
Nas savanas do Parque Nacional de Niokolo-Koba, no Senegal, a alemã Julia Fischer e sua equipe acompanham desde 2007 um grupo de 180 babuínos-da-Guiné em liberdade. São macacos de 15 quilos, pelo vermelho, rosto violeta e focinho de cachorro. E seu comportamento social é peculiar: as fêmeas escolhem um macho de sua preferência e já não copulam com nenhum outro. Enquanto isso, os machos esperam ser escolhidos por uma ou várias fêmeas e copulam com todas elas. São, segundo Fischer, uma das maiores especialistas mundiais no estudo das capacidades mentais de macacos, “um modelo intrigante à reconstrução da evolução social humana”.
Em seu livro Monkeytalk (Universidade de Chicago, 2017), a alemã, diretora do Laboratório de Etologia Cognitiva do Centro Alemão de Primatas, defende que o estudo dos primatas serve para compreender quais comportamentos são exclusivamente humanos. Mas, frisa, não se dedica à primatologia somente por isso. A seu ver, a vida social dos macacos é “uma ópera magnífica”.
Pergunta. Algumas fêmeas de babuíno-da-Guiné escolhem um macho e ficam com ele durante anos, enquanto outras escolhem um e o descartam duas semanas depois. Por que isso acontece?
Resposta. Aparentemente, porque outro macho é melhor. Ainda não sabemos a resposta, mas temos muitas perguntas. Talvez seja preciso olhar também como a fêmea se dá com as outras fêmeas do macho, se ele as tem. Se são antipáticas com a nova, essa pode ir em busca de outro macho. O que também vimos são fêmeas que escolhem um novo macho e isso provoca a saída de outra fêmea que estava com ele. É como uma reação em cadeia.
P. As fêmeas têm muito poder no momento de escolher o macho, no caso dos babuínos-da-Guiné.
R. Sim, é incomum.
"Para as fêmeas faz sentido estar com o macho alfa, porque elas garantem a defesa de suas crias"
P. É incomum nos primatas não humanos?
R. Sim, o macho alfa costuma escolher, como no caso dos babuínos de Chacma do sul da África. Para as fêmeas também faz sentido estar com o macho alfa, porque se certificam que ele defenderá seus filhotes. Se você se junta com um macho solitário e fraco, puf! São raros os casos em que as fêmeas têm tanta vantagem como as do babuíno-da-Guiné. Os machos não lutam por elas e não tentam fazer com que fiquem. Até quando a fêmea está receptiva e pode copular, os machos ficam tranquilos.
P. No caso das pessoas, acha que as mulheres também têm poder ao escolher homens?
R. Sim, as mulheres têm muito poder, mas nem sempre e não em todas as sociedades, é claro. Mas também por isso pensamos que os babuínos-da-Guiné são interessantes: porque talvez tenham um sistema análogo ao nosso, em muitos aspectos. Por exemplo, a forma como organizam suas sociedades. Têm amizades entre machos com os quais não têm parentesco. Nos humanos é semelhante: há cooperação entre machos sem parentesco para defender o grupo e defender as fêmeas. Quando os leões aparecem, todos os babuínos se unem,
P. Quando uma fêmea de babuíno-da-Guiné escolhe um macho, faz 99% das cópulas com esse macho. Isso é fidelidade.
R. Sim, é fidelidade. Faz sentido da perspectiva da fêmea. Ela escolhe o melhor macho. Para que será infiel? É sua decisão. E, portanto, como o macho sabe, não precisa correr atrás dela e controlá-la. Ele sabe que enquanto ela estiver com ele, só irá copular com ele. É como uma monogamia em série. Mas se o macho tenta controlar a fêmea, a fêmea pode tentar obter melhores genes copulando às escondidas com outros machos. Mas não costuma ser assim. É um sistema fácil e evita muita violência.
"Se o macho tenta controlar a fêmea, a fêmea pode tentar obter melhores genes copulando escondida com outros machos"
P. E o que acontece com a fidelidade dos machos?
R. Depende. Os machos têm números diferentes de fêmeas. Um macho jovem pode ter uma ou duas fêmeas. Mas os melhores machos têm cinco ou seis fêmeas. E, claro, precisam dividir seu tempo e copular com todas, mas não tentam roubar as fêmeas dos outros e copular com outras.
P. Agora existem grandes discussões sobre em que medida as relações entre mulheres e homens são mais culturais ou mais biológicas. Após estudar os macacos durante tanto tempo, o que aprendeu sobre as relações entre mulheres e homens?
R. Não se pode separar os componentes culturais dos biológicos. Acho que a natureza humana é muito adaptável. Nascemos em uma sociedade e o que aprendemos determinará o que seremos. Está em nossa natureza aprender como nos comportar. Nesse sentido, há muita plasticidade. Podemos dizer que somos como os gorilas, como os orangotangos ou como os babuínos, mas não somos. Somos humanos. E o que tentamos entender é por que em alguns casos os primatas são mais tolerantes e em outros são mais violentos. Quais são as condições que favorecem as sociedades violentas em relação às tolerantes? Podemos pensar sobre isso e olhar nossas próprias sociedades: a importância dos recursos, a importância das tradições. Se você olhar para o papel das mulheres na sociedade há 40 anos, mudou completamente e podemos lidar com isso.
"Os homens têm maior disposição para ser violentos que as mulheres"
P. Acha que o machismo tem alguma base biológica?
R. Talvez até certo ponto. Evidentemente, existem bases biológicas. E, certamente, há uma disposição nos homens para ser, talvez, um pouco mais felizes no momento de assumir riscos. Também há uma maior disposição para ser violentos do que as mulheres. Mas como isso se transforma em nosso comportamento real? Aí entra nossa cultura. Pode ser que a maior parte dos homens seja muito tranquila. Ou pode ser que cultivem esses traços e exagerem, dando lugar a sociedades muito machistas.
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