_
_
_
_
Coluna
Artigos de opinião escritos ao estilo de seu autor. Estes textos se devem basear em fatos verificados e devem ser respeitosos para com as pessoas, embora suas ações se possam criticar. Todos os artigos de opinião escritos por indivíduos exteriores à equipe do EL PAÍS devem apresentar, junto com o nome do autor (independentemente do seu maior ou menor reconhecimento), um rodapé indicando o seu cargo, título académico, filiação política (caso exista) e ocupação principal, ou a ocupação relacionada com o tópico em questão

Com areia na boca

A crise do Oriente Médio já não é só o conflito árabe-israelense

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, cumprimenta o rei da Arábia Saudita, Salman bin Abdulaziz al-Saud, em encontro de maio de 2017
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, cumprimenta o rei da Arábia Saudita, Salman bin Abdulaziz al-Saud, em encontro de maio de 2017BANDAR AL-JALOUD (AFP)
Mais informações
A América sem rumo
O fim da América do Norte
Rumo à tempestade
O fracasso das revoluções

Em questões históricas, como no Direito Penal, o desconhecimento da lei não exime do seu cumprimento. Uma vez, houve um “contador da política” que pôde evitar a Segunda Guerra Mundial. Seu nome: Neville Chamberlain, primeiro-ministro do Reino Unido. Era um homem muito ignorante, especialmente sobre o que acontecia em seu país. E esse desconhecimento, agravado por sua falta de capacidade política, permitiu que Adolf Hitler comprovasse que as democracias ocidentais não tinham capacidade de resposta. Que Donald Trump ignore tudo sobre o mundo moderno tampouco o exime de cumprir as leis que o regulam.

A primeira viagem oficial de Trump ao exterior foi à Arábia Saudita, onde bailou a dança das espadas e ficou muito contente ao vender milhões em armas, que, a qualquer momento, podem incendiar o mundo. Porque depois da visita, o rei Salman, de 81 anos, nomeou como príncipe herdeiro seu filho Mohamed bin Salman (MBS), o homem que liquidou o pacto da Casa de Saud, concentra agora todos os poderes em Riad e entendeu que tem via livre para cumprir sua vontade.

Para deixar isso claro, o jovem príncipe realizou um expurgo no estilo de Stálin, prendendo ministros, parentes, príncipes, ricos, altos funcionários e todos aqueles que, de alguma maneira, o atrapalhavam para mudar o país e romper com os equilíbrios de poder que mantiveram a ultraconservadora dinastia no trono do Reino do Deserto – desde que o britânico Lawrence se entendeu com Faiçal I do Iraque e da Síria, na Primeira Guerra Mundial, destruindo o Império Otomano pelas costas. Trump regressou a esse cenário, levado por sua ignorância, e apoiou as ações e o futuro que MSB encarna.

Em 1973, ninguém podia imaginar que o conflito árabe-israelense terminaria deixando o Ocidente de joelhos, graças ao embargo decretado pela OPEP. As longas filas nos postos de gasolina e a intensa destruição dos orçamentos nacionais que acompanharam a primeira crise do petróleo, mergulhando o planeta num período de baixo crescimento e altas taxas de inflação e desemprego, demonstraram que ter a chave do óleo significava um poder decisivo na hora de provocar um curto-circuito nas bases do desenvolvimento industrial internacional.

Como se não bastasse, a guerra, outra vez permitida e alimentada pelos Estados Unidos, entre o Iraque de Saddam Hussein – naquele momento, um confiável amigo – e o Irã de Khomeini, voltou a colocar o mundo contra as cordas porque, simplesmente, afundando os grandes petroleiros no Estreito de Ormuz, o ouro negro não chegaria ao Ocidente.

Hoje, o petróleo tem uma importância estratégica diferente. Os EUA conseguiram plena independência, mudando sua regulação, aumentando suas reservas e exportando agressivamente o gás de xisto. Além disso, a dependência energética da Europa em relação à rede de gasodutos dominada por Putin abriu espaço para novos jogadores no tabuleiro, o que ninguém podia imaginar em 1973.

A crise do Oriente Médio já não é só o conflito árabe-israelense. Agora, é a continuação da guerra religiosa desencadeada com o ataque às Torres Gêmeas, em 11 de setembro de 2001. E o certo é que a maioria dos terroristas eram sauditas renegados que, ao derrubar as torres, iniciaram uma dupla jihad. Primeiro contra o Ocidente, depois contra os xiitas – que, apesar de serem minoria no mundo muçulmano, deram ao Irã um enorme poder militar e uma grande influência na região.

Com esses jogos surgidos da mudança na estrutura energética dos EUA, a profunda ignorância do presidente Trump e a aventura de querer democratizar a região por parte de Obama, o resultado é muito simples. Uma possível crise na Europa, independentemente de ações como o bloqueio sobre o Catar, aumentaria o controle da Rússia sobre o desenvolvimento energético europeu, já que seu gás continua sendo o elemento vital que mantém o desenvolvimento do Velho Continente.

Além disso, Putin entendeu que não pode deixar somente para a China de Xi Jinping o controle dos países petroleiros. Por isso, o presidente russo envia suas tropas à Síria, reforça Bashar al-Assad, coloca suas peças no tabuleiro do Líbano e resgata financeiramente a Venezuela, junto com a China, para tentar desconectar a relação financeira entre esse país latino-americano e os EUA.

Temos areia na boca e estamos a ponto de afogar, mas não é o deserto da Península Arábica o que mais nos asfixia neste momento. São os donos do petróleo e as influências estratégicas que mudam na mesma velocidade que o fizeram quando a Segunda Guerra Mundial terminou.

Enquanto isso, o mundo olha para si mesmo e para tudo o que não se entende, da Catalunha ao Brexit, dos nazistas sentados no Bundestag às possibilidades de sobrevivência do modelo de austeridade e correção fiscal europeia frente às demandas sociais, da América que tem um papel menos relevante no mundo às cartas em forma de árabes, petróleo, domínio financeiro e estratégico, que vão se concentrando cada vez mais nas mãos da China e da Rússia.

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo

¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?

Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.

¿Por qué estás viendo esto?

Flecha

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.

Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.

En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.

Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_