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Nadal: “Ser uma boa pessoa vale mais do que qualquer título”

Um dia após vencer US Open, o tenista recebe o EL PAÍS na cobertura de um arranha-céu nova-iorquino

Alejandro Ciriza
Nadal abraça o troféu de campeão do US Open em Nova York
Nadal abraça o troféu de campeão do US Open em Nova YorkANDREW KELLY (REUTERS)

É meio-dia em Nova York, um 11 de setembro, data de uma lembrança infeliz para a cidade. Na cobertura do hotel New York Palace, no 54º andar de um arranha-céu localizado na Madison Avenue, recebe o EL PAÍS o ganhador do US Open, Rafael Nadal (Manacor, 31 anos). Espera sobre um sofá com chaise longue, relaxado, de bermuda e com relativo cansaço depois de duas semanas de intensidade máxima. A conversa transcorre sob os olhares do assessor de imprensa, Benito Pérez-Barbadillo, do agente, Carlos Costa, e do chefe de comunicação da ATP, Nicola Arzani. O campeão transmite paz depois do trabalho bem feito.

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Pergunta. Você é de carne e osso?

Resposta. Por quê? Claro que sim. Foi uma temporada importante e as coisas se saíram realmente bem desde o primeiro ponto que joguei, em Abu Dabi, estou muito feliz por tudo. Ontem [referindo-se à final do domingo] alcancei algo mais importante para minha carreira, estou muito feliz e muito agradecido por tudo.

P. Outro sucesso de Nadal, a euforia automaticamente dispara, mas logo em seguida você põe os pés no chão. Por que relativiza tanto o sucesso?

R. Eu me expresso da maneira como vivo tudo. Da mesma forma que os elogios disparam quando as coisas vão bem, normalmente ocorre o mesmo na outra direção. Já disse muitas vezes que eu não sou partidário de criticar muito as pessoas quando as coisas vão mal, nem de elogiar muito quando vão bem.

P. Mas o que você foi conseguindo ao longo de sua carreira é extraordinário do ponto de vista esportivo, não?

R. Evidentemente, acredito que o que se conseguiu nesta temporada é algo importante, sem dúvida, porque era muito difícil de conseguir. Conquistei coisas importantes ao longo de muitos anos e tudo foi resultado de muito trabalho e da fé no trabalho diário. Como dizia, estou muito feliz e sou muito grato a todas as pessoas que me ajudam, a minha equipe e a minha família.

P. Como consegue não se deixar debilitar por tantos elogios?

R. Se não aconteceu aos 20 anos é difícil acontecer aos 31, não? Para ser sincero, levo uma vida muito normal, essa é a realidade …

P. Sim, mas é exatamente isso que chama tanto a atenção.

R. É a verdade. Quando estou em casa, levo uma vida muito normal. Quando estou em Manacor, sou uma pessoa exatamente igual a qualquer outra, como qualquer outro amigo meu. Claro que, em algumas coisas, não posso ser como meus amigos, mas no geral, nas coisas básicas da vida, sim, e isso para mim é o mais importante, muito mais que o sucesso no esporte. Para mim o sucesso humano é mais importante, ter amigos, ter uma boa relação com as pessoas à sua volta, que as pessoas que você tem a seu lado e te conhecem falem bem de você… Isso é o que mais importa. No final, o mais importante de tudo é ser uma boa pessoa. Isso vale mais que qualquer título ou conquista esportiva, na minha opinião. Depois, claro, todo o resto são momentos de muita felicidade e adrenalina, de muita satisfação, mas, no longo prazo, a felicidade vem com muitas outras coisas.

Nadal comemora sua vitória sobre Anderson
Nadal comemora sua vitória sobre AndersonTIMOTHY A. CLARY (AFP)

P. Nesse sentido, você vai no contrafluxo de muitas outras estrelas do esporte, não?

R. Cada um entende a vida de uma maneira e eu entendo a minha de um modo muito concreto. Sou feliz dessa maneira, mas isso não impede que, em certos momentos, eu fique muito feliz de conseguir o que consigo e que me sinta muito satisfeito; ao mesmo tempo, gosto muito de voltar para casa para estar perto da família e dos amigos, que não vejo há muitos meses. Quero curtir essas outras coisas.

P. Manolo Santana diz que os grandes campeões nunca se cansam de ganhar. Você sempre fala de paixão. Chegará o dia em que Rafa Nadal se saciará?

R. Acontecerá quando, em dado momento, as coisas não saírem tão bem, quando chegar uma série de problemas físicos que eu não for capaz de controlar ou superar. Aí será a hora de pensar em outra coisa. Tenho a sorte de ser um apaixonado pelo esporte em geral, não só pelo tênis, tanto como torcedor, como praticante. Fazer o que faço me deixa feliz e espero poder continuar fazendo isso, mas, se não puder, como disse muitas vezes, quando chegar o momento, terei muitas outras coisas que me deixarão muito feliz.

P. Quando as pessoas dizem que seu chefe ideal seria Rafael Nadal, ou que você deveria presidir o país, não se sente pressionado?

R. Não acredito que eu deva ser... A verdade é que são frases que as pessoas dizem, mas não me sinto nem um pouco identificado com elas. Com certeza eu não serviria para muitas coisas, porque o que faço bem é jogar tênis; outras coisas certamente não faria bem. Cada um deve fazer bem o que faz e ter consciência das suas limitações, e eu normalmente conheço bem as minhas.

P. Tem algum tipo de medo?

R. Temor… Na verdade, não. O básico da vida: a saúde, não me refiro a lesões, mas a doenças. É claro que você deseja que as pessoas do seu convívio estejam com saúde, porque esse é o motor da vida no fim das contas.

P. Seu tio Toni escreveu neste jornal que você fez dele um bom treinador, que o mérito é praticamente todo seu. Você concorda?

R. São coisas em que nem penso. Jogo tênis graças a ele, é o que importa. Valorizo muito o fato de ter tido uma pessoa como ele por trás, porque sempre soube me motivar, desde que era pequeno e comecei com isso. Ele sempre esteve do meu lado. Se chovia um domingo às oito da manhã, treinávamos às oito da noite. A presença dessa pessoa que sempre exigiu tanto foi decisiva para mim. Ele também encontrou alguém capaz de aguentar muitas coisas que outra pessoa talvez não tivesse aguentado, porque exigia muito de mim e eu correspondia e aguentava.

P. Ele sempre foi tão exigente?

R. Sou uma pessoa educada e respeitosa, por isso sempre agradeci a ele por tudo o que fez por mim. Acredito que ele sinta o mesmo. Se um treinador tem um jogador que ganha sempre é melhor para ele, lógico. Acredito que Toni é um grande treinador e, sobretudo, acredito que Toni é um grande treinador para tenistas jovens. Acredito que na Academia de Manacor fará um trabalho fantástico e ajudará muita gente.

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