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Nadal: “O tênis ainda me faz feliz”

Após turbilhão de emoções, espanhol conversa com EL PAÍS sobre a profissão e os planos

Alejandro Ciriza

Neste 2015 que chega ao fim, Rafael Nadal (Manacor, 29 anos) enfrentou um adversário insólito. Não estava do outro lado da rede, mas em sua própria mente, no bastião de sua longa série de sucessos. Pela primeira vez, sua armadura psicológica cedeu ante a ansiedade e o nervosismo, dois termos desconhecidos em seu dicionário até pouco tempo atrás. Apesar do turbilhão emocional e das derrotas, mais frequentes que o normal, o vencedor de 14 torneios de Grand Slam nunca diz não à adversidade e encara o próximo ano renovado, com sinais de esperança no jogo. A entrevista transcorre na intimidade do vestiário do protagonista do O2 em Londres, após perder para Novak Djokovic na última edição da Masters Cup.

Nadal, durante treino na Austrália.
Nadal, durante treino na Austrália.DAVID GREY (REUTERS)

Pergunta. Foi um ano difícil para você, mas que chega ao fim em linha ascendente, em clara progressão. Tinha realmente confiança de que poderia reverter essa situação?

Resposta. Embora as coisas tenham ido mal, sou sempre uma pessoa positiva e sempre espero que as coisas possam ir melhor. Evidentemente, à medida que passavam os meses e os torneios que em teoria eram favoráveis para mim, e não conseguia ter bons resultados, tudo se complicava um pouco mais. Trabalhei muito para mudar as coisas e, curiosamente, tudo deu mais certo na parte final do ano, que costuma ser mais difícil para mim.

P. Você enfrentou todo tipo de circunstâncias e lesões ao longo da carreira. Mas esta foi a temporada em que mais aprendeu?

R. Não, imagina. Não costumo seguir todas essas coisas que as pessoas dizem e que na verdade são clichês. Aprendemos com as coisas boas e com as ruins, mas claro que é sempre melhor aprender com as boas. Você aprende com as ruins quando normalmente não tem os pés no chão, quando não sabe bem de onde vem ou como chegou até aqui; eu mais ou menos sempre tive clareza sobre isso, e portanto acho que aprendi ao longo da carreira tanto a partir das situações positivas como das negativas. Mas, na verdade, neste ano pude aprender muito de tênis. Mentalmente, é certo que vivi circunstâncias novas, diferentes das que sempre havia tido.

"Este ano, cada erro me prejudicou muito e me fez errar três vezes mais"

P. Como explicar essa “lesão mental”, como você diz?

R. São sensações que em certo momento são difíceis de entender, mas que ocorrem. No final, só resta aceitar o problema e trabalhar para uma solução. Tive muita dificuldade, demorei meses para superar, mas também chega um momento lógico em que você relaxa e diz: “Bem, vou jogar tênis, porque não esqueci como jogar, né?” Mais do que um problema do tênis, foi um problema mental. Com isso, é impossível que você possa jogar bem.

P. As pessoas custam a entender que a essa altura Nadal possa ter dúvidas ou medo na quadra. Por que agora, perto dos 30 anos?

R. Não é medo. Se fosse medo, não teria vergonha de dizer, pois não sou uma pessoa que tenha medo de reconhecer essas coisas. Não é medo. É uma situação estranha de descontrole: a respiração, o tempo. Quando você tem um descontrole sobre a respiração e o tempo, sobre entender como a bola vem e como vai picar, é porque mentalmente tem uma aceleração; isso é consequência da ansiedade. Como isso pode ocorrer a essa altura? Suponho que as lesões influem, além do fato de ter sempre a autoexigência, de querer alcançar o máximo... e assim as coisas se complicam. Falei honestamente durante todo o ano sobre o que me aconteceu, de minhas sensações, mas sem nenhum drama. Afinal, apesar de tudo o que ocorreu em 2015, sou o número cinco do mundo, e isso obviamente não pode ser ruim.

P. Certa vez, você falou sobre a aceitação dos erros. Este ano foi mais difícil aceitá-los?

"Era uma situação muito estranha de descontrole, aceleração e ansiedade”

R. Normalmente aceito minhas falhas. Este ano, mais do que não aceitar os erros, foi uma questão mental. Quando você tem um problema mental, aceita menos as situações. Não é que as aceite menos ou de maneira pior; simplesmente não pode analisá-las bem, com clareza. Não que não aceitasse as falhas; na verdade, cada uma delas me prejudicava muito. Este ano, cada erro me fez errar três vezes mais. Mentalmente, a falha gerou em mim uma desconfiança muito maior do que normalmente ocorria.

P. Com você, o problema pode ter sido que durante muitos anos o extraordinário se tornou normal. Não é essa a conversa?

R. Talvez para vocês, jornalistas, não para mim. Eu sempre tive muito clara a dificuldade em tudo o que venho conseguindo e sempre valorizei muito tudo isso. Chega um momento em que as vitórias se transformam m rotina, em normalidade, mas essa não é uma sensação boa porque no final todas as vitórias são importantes. O fato de você passar uma época ruim faz com que depois todas as vitórias voltem a ser mais importantes e a gente se alegre mais com cada uma delas, embora sejam pequenas. Neste caso, estou feliz pelo modo como as coisas foram e como terminei este ano. A única coisa de que tenho vontade é continuar trabalhando, porque tenho muita esperança e porque agora minhas sensações são boas.

P. Em algum momento deixou de acreditar em si mesmo?

R. Mas, o que é deixar de acreditar em si mesmo?

P. Perder a confiança em si mesmo e no que se faz.

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R. Bom, todo mundo deixa de acreditar em si mesmo momentaneamente. São frases feitas, mas a realidade é que todo mundo tem dúvidas e, quando as coisas não saem como se quer, claro que você deixa de acreditar em si mesmo, claro que não tem confiança! Você se pergunta: nunca voltarei a jogar bem? É uma possibilidade. Agora, eu sempre tive confiança em que em um momento ou outro poderia jogar no meu melhor nível. Eu estava consciente de que tinha um bloqueio mental, mais do que tenístico. O problema é que com um bloqueio mental é impossível você desenvolver o seu tênis. Ainda assim, apesar de todos os problemas, de tudo, fui competindo e superando pequenas barreiras, ganhando partidas. Bom, eu me mantive. Em um ano que foi complicado, terminei como o número cinco do mundo. O que acontece é que 20 anos atrás ser o quinto do mundo era algo fantástico na Espanha e hoje em dia é algo menor. De acordo. No final, são 11 anos seguidos terminando entre os cinco primeiros, que não sei se alguém fez isso até o dia de hoje... Ou seja, é algo importante. Em um ano ruim, é importante ter a motivação de valorizar as pequenas coisas. Não deixei de fazer isso em nenhum momento.

P. Foram justos com você?

R. Justo ou não justo... A justiça é relativa, em função de analisarmos do seu ponto de vista ou do meu. Não gosto dessa palavra. É o que é, foi o que foi, e quando foi bom, foi bom demais, e quando foi ruim não foi tão ruim, não? Eu me sinto muito bem tratado por meu país, me sinto querido. Aceito as críticas, desde que sejam com respeito, evidentemente. As profissionais, eu aceito. Agora, as pessoais, se houver, eu aceito menos porque costumo ter um comportamento adequado dentro e fora da quadra. Não sei se houve ou não, porque não as leio... eu assumo quando jogo mal, porque sou o primeiro a dizer isso. Aceito a crítica profissional e a pessoal também, mas sempre e quando fizer algo errado.

P. Pois Manuel Pezzi, porta-voz socialista, disse que você estava mais interessado em anunciar cuecas do que jogar em a Copa Davis pela Espanha.

R. Nenhum problema. Afinal, todo mundo é livre para ter suas opiniões, mas sempre com respeito. Cada um segue suas luzes. Não é necessário entrar em determinado tipo de coisas, porque no final tento tratar com respeito as pessoas e espero o mesmo dos demais.

P. Quando não estava numa fase boa, notou mais ou menos apoio dos fãs e da família?

Nadal, durante uma partida de Roland Garros, neste ano.
Nadal, durante uma partida de Roland Garros, neste ano.YOAN VALAT (AFP)

R. Geralmente sinto o apoio e o carinho das pessoas. Sou uma pessoa bastante familiar, meus amigos são meus amigos por toda a vida e tenho companheiros em todo o mundo. De fato, também não espero mais do que há, companheirismo e uma boa relação. Eu sei quem são meus amigos e minha família. Fora isso, tenho muito claro o interesse das pessoas em mim. Não é no Rafa Nadal pessoa. O interesse sobre você é pelo que você faz, não por ser Rafa Nadal, cidadão de Manacor. É por ser Rafa Nadal, tenista, número x do mundo. Eu tenho muito claro por que me querem ver ou por que se interessam por mim. É pelo que fiz e pelo que representei durante todos esses anos, não por eu, Rafael Nadal, ser uma pessoa especial. Sou especial dentro da quadra, mas fora dela sou um cidadão a mais, como qualquer outro.

P. Chegou alguma vez a ser cansar de ser Rafael Nadal?

Sou especial na quadra, mas fora dela sou apenas um cidadão a mais"

R. Todo mundo se cansa alguma vez de si mesmo. É certo que você algum dia se cansa de seu trabalho, como eu alguma vez do meu, das coisas que implica. O que acontece é que isso, embora momentaneamente me canse, não faz com que deixe de fazer o que acredito que tenho de fazer, que é atender as pessoas que se interessam por mim, que me ajudam e me apoiam. Sou superconsciente de que sou um grande privilegiado na vida por tudo o que me acontece, por tudo o que tenho e por tudo o que se passou comigo.

P. Depois de cair em Wimbledon, disse que os dois próximos anos seriam importantes na hora de tomar decisões. Até que ponto são decisivos?

R. Não sei. Neste momento acredito que eu disse que se continuasse assim, com a ansiedade que tinha, acabaria por deixar de ter prazer. Quando alguém joga com ansiedade ou sem alegria, não pode estar no mundo sem gostar do que faz. O que acontece não é uma questão de nível, mas puramente de felicidade. Os resultados afetam, mas o que verdadeiramente afeta é se a gente está feliz com o que faz... e o tênis ainda me faz feliz.

P. Já são muitos anos no circuito. Continua satisfeito com tudo o que te rodeia?

É preciso valorizar as pequenas coisas. Não deixei de fazer isso nunca"

R. Nossa vida é monótona, mas, sim. Agora, me custa menos viajar do que há oito anos. Quando estou em Mallorca, me custa sair, mas isso aconteceu em toda a minha vida, e agora tenho 29. Antes tinha mais necessidade de voltar para casa quando estava entre viagens, e agora aprendi a gostar e a encontrar os espaços para me sentir bem dentro do trabalho que tenho, entre torneios e viagens. Há vezes em que antes teria voltado diretamente para casa, mas agora, pela questão das mudanças de horários etc, a gente faz um pouquinho mais de pausa na vida.

P. Se no dia de amanhã você tiver filhos, gostaria que fossem esportistas de elite?

R. O esporte normalmente é um bom companheiro de viagem. Os valores são os corretos: o esforço, o trabalho diário e o espírito de superação. Não em todos os esportes, mas naqueles em que o respeito com os demais é algo que existe. Sou um apaixonado pelo esporte. Não sei o que acontecerá no futuro, mas, se tiver filhos, claro que eu gostaria que crescessem pelo caminho do esporte! Se forem profissionais ou não, isso vai depender de suas qualidades e vontade.

P. Não costuma tirar o pé do acelerador. Tanta autoexigência não desgasta demais?

Nadal festeja vitória no Torneio dos Campeões.
Nadal festeja vitória no Torneio dos Campeões.GLYN KIRK (AFP)

R. As pessoas precisam ser exigentes consigo mesmas. Não acredito que ninguém esteja em condições de exigir dos demais. Eu não exijo de ninguém. Primeiro exijo de mim mesmo e depois começo a exigir dos demais. Quando a gente faz tudo o que pode não está obrigado a mais. Por exemplo: eu acompanho o futebol, e se vejo que a equipe que apoio comete um desastre, mas os jogadores fizeram tudo o que puderam, não se pode dizer nada a eles. É normal que as pessoas exijam, mas é importante ter mais autocrítica e menos crítica para com os outros.

P. Em 2015 você não teve nenhuma lesão digna de menção. Como se encontra? Como encara 2016 nesse aspecto?

R. Estou trabalhando mais que nunca, mas sobretudo dentro da quadra, porque meu corpo está permitindo. Para mim, fisicamente foi um ano muito importante porque não tive lesões e pude competir todas as vezes que quis, com poucos incômodos. Estou em um momento muito bom quanto à forma.

P. Com tudo isso, há quem peça que mude de treinador, aqueles que dizem que com outro técnico ganharia mais. Você vai com Toni até o final?

Continuarei com Toni enquanto ele quiser e enquanto estivermos satisfeitos"

R. Não, não, não. Com Toni até o final, não. Toni primeiro, até quando ele quiser, e depois, até que nós dois estejamos satisfeitos um com o outro. O que não estou de acordo nunca é que com os primeiros problemas se façam mudanças, quando as coisas começam a ir mal depois de uma porção de anos indo muito bem, apontem para as pessoas. Falta autocrítica às pessoas, e criticam demais, Não é para me vangloriar, mas não sou desses. Primeiro tento ser crítico comigo mesmo. Portanto, neste caso o único culpado de que as coisas não tenham ido bem este ano sou eu. O único culpado sou eu. Os demais me ajudaram e fizeram as coisas tão bem como sempre.

P. Então, nada de mudanças?

R. Tenho outro técnico, que é Francis Roig, e acredito que entre os dois fazem uma boa combinação. Um me traz umas coisas e o outro, outras. Com Toni tenho a confiança de quem me conhece melhor que ninguém. Nós nos conhecemos desde que nasci e ele entende meu jogo melhor que alguém que não tenha estado me acompanhando dia após dia.

P. Este ano, Toni e Francis estiveram juntos na turnê asiática. Está previsto que o segundo tenha mais peso a partir de agora?

R. Normalmente, Francis sempre vinha a Pequim e Xangai, mas este ano vieram os dois. Foram duas semanas muito boas de trabalho nas quais todos estivemos muito bem. Tomara que possamos ter mais semanas como essas. Com os dois trabalha-se bem, e eu, pessoalmente, gosto muito. Existem possibilidades de que a fórmula se repita mais vezes daqui para a frente.

P. 2016 é ano olímpico. Depois de não poder participar em 2012 nem ser porta-bandeiras, os Jogos do Rio lhe dão uma motivação especial?

R. A primeira coisa que tenho de fazer é me classificar, conseguir competir nos Jogos, porque em 2012 foi um momento muito duro não poder estar ali. A experiência dos Jogos é especial, portanto, sim, claro: estou muito esperançoso em voltar a estar nos Jogos.

A TRAJETÓRIA DE NADAL, EM CIFRAS

BALANÇO GLOBAL:
- Número cinco da ATP, com 5.230 pontos.
- 23 torneios disputados: 61 vitórias e 20 derrotas.
- Três títulos: Buenos Aires, Stuttgart e Hamburgo.
- Três finais: Basilea, Pequim e Masters de Madri.

ATUAÇÃO NOS 'GRANDES TORNEIOS':
- Quartas na Austrália (6-2, 6-0 e 7-6 ante Tomadas Berdych).
- Quartas em Roland Garros (7-5, 6-3 e 6-1 ante Novak Djokovic).
- 2ª rodada em Wimbledon (7-5, 3-6, 6-4 e 6-4  ante Dustin Brown).
- 3ª rodada em Nova York (3-6, 4-6, 6-4, 6-3 e 6-4 ante Fabio Fognini).
- Semifinais do Torneio dos Campeões (duplo 6-3 para Djokovic).

ESTATÍSTICAS DE JOGO:
- 222 pontos diretos de saque e 166 duplas faltas.
- 72% de pontos ganhos com o primeiro serviço.
- 55% de pontos ganhos com o segundo saque.
- 62% de pontos de break salvados.
- 42% de pontos de break convertidos.

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