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Ai Weiwei: “A humanidade é cada dia mais covarde”

Artista e ativista chinês dedica hoje sua arte quase completamente a denunciar o drama dos refugiados

Carlos E. Cué
Ai Weiwei em seu estúdio em Berlim no dia 13 de julho
Ai Weiwei em seu estúdio em Berlim no dia 13 de julhoFABRIZIO BENSCH (REUTERS)
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É difícil encontrar um homem que goste tanto da liberdade como Ai Weiwei (Pequim, 1957). Pelo menos é essa a sensação que o conhecido artista chinês nos passa, que há anos sofre a repressão em seu país e em 2011 ficou preso durante três meses por sua oposição ao regime. Em 2015 recuperou seu passaporte. E agora é imparável em sua nova vida. Basta vê-lo passear por Buenos Aires para entender sua dimensão dupla de artista consagrado – é parado constantemente para tirar fotos – e ao mesmo tempo um homem livre. Ai viajou à capital argentina para preparar uma grande exposição que será realizada na Fundação Proa, o grande museu particular no bairro da Boca, o mais popular da cidade.

No museu, ele é um profissional que mede espaços, pensa em como colocar suas enormes instalações e imagina outras novas. Nas ruas, é um turista que tira selfies com seu filho diante de uma escultura de papelão do papa Francisco em uma loja de souvenires. Ele é seguido por câmeras que documentam sua viagem, mas se concentra nas redes sociais, nas quais é viciado. Publica sem parar fotos de tudo o que vê e se dispõe a tirar outras com os fãs que encontra por todos os lados.

Em meio ao turbilhão mais comum a uma estrela do rock do que a um artista, Ai conversa com o EL PAÍS no café da Proa, a instituição dirigida por Adriana Rosenberg que há 20 anos traz os artistas mais conhecidos do mundo a essa capital afastada de tudo, mas fanática pela cultura. A Proa mostra mais uma vez sua capacidade para estar no mais alto nível internacional.

Retorno à terra de Neruda, amigo de seu pai

Ai Weiwei nunca esteve antes na América Latina, mas tem outro vínculo com o Cone Sul. Seu pai, Ai Qing, um dos poetas mais respeitados da China, foi amigo do chileno Pablo Neruda, a quem dedicou um poema. Os dois eram comunistas, mas o regime acusou Ai de direitista em 1958 e foi exilado em fazendas na Manchúria e Xinjiang, onde Weiwei viveu quando criança.

Ai agora viajará ao Chile, onde já expôs em 2013 uma enorme tela de 900 metros quadrados dedicada ao poeta. Ai não acredita que as coisas estejam piores do que nos tempos de seu pai e Neruda, mas avisa: “A humanidade melhorou, mas agora também existe um perigo maior. O poder se tornou ainda mais forte: hoje uma empresa alemã e um banco nos EUA podem ser comprados pela China. Você já não sabe quem é seu inimigo. Os poderosos estão muito unidos, os pobres não. Já não existem poderes diferentes nos países comunistas, capitalistas... Todos se transformaram em um”.

Ai nesse momento está mais concentrado em seu trabalho sobre a crise dos refugiados na Europa e em todo o mundo. Montou um ateliê em Lesbos (Grécia), encheu o Konzerthaus de Berlim de coletes salva-vidas, cobriu de botes de borracha o Palazzo Strozzi de Florença, e pouco antes de viajar a Buenos Aires foi informado de que seu documentário sobre o assunto, Human Flow, competirá nesse ano na seção oficial do festival de Veneza.

O artista conviveu com os refugiados, chegou a embarcar em uma lancha à deriva para sentir o mesmo que eles. E essa experiência lhe deixou uma visão muito crítica e a decisão de reforçar seu ativismo, o elemento central de sua arte.

“O Ocidente não quer assumir sua responsabilidade. Chegarão milhares de africanos que fogem de guerras. A população está crescendo, irá dobrar, existirá mais fome, mais guerras, e mais refugiados. Isso não é só pela Síria. Os líderes ocidentais acham que o problema se resolverá sozinho? É ridículo, é pior”, afirma.

O artista dedica sua arte quase completamente a denunciar o drama dos refugiados. Durante meses entrevistou todos os dias os que chegavam para seu documentário. Gravou mais de 600 horas. E esse ano, em Praga, inaugurou a Lei da Viagem, uma balsa de 70 metros e 258 figuras infláveis. Ele é um ativista e não deixará de sê-lo, mas é cético sobre o poder de sua arte, acha que o importante é que as pessoas se envolvam individualmente. E faz uma crítica a outros artistas, que não se envolvem como ele. “Minha arte é só a de um artista chinês estúpido, são meus sentimentos, minha relação com essas coisas que acontecem. A arte em si não pode fazer nada. Eu posso fazer algo por minha própria consciência, e talvez influenciar alguma pessoa. Existe muita gente que sabe o que está acontecendo. Mas agem como se não se importassem, como se não fosse com elas. Alguns querem fazer outro tipo de arte mais elevada e não falam da dignidade humana”.

Uma instalação de Ai Weiwei no Palazzo Strozzi, em Florença, em setembro de 2016
Uma instalação de Ai Weiwei no Palazzo Strozzi, em Florença, em setembro de 2016Laura Lezza (Getty Images)

Esse pessimismo que a experiência com os refugiados lhe deixou o faz pensar que “a humanidade está perdendo visão e coragem”. “Acredito que a cada dia a humanidade está ficando mais covarde, não só com os refugiados, também com a mudança climática. Muitos agem como se não fosse com eles, que outro solucionará”. A chegada de Donald Trump o deixa especialmente preocupado. “Muita gente perdeu trabalhos pela globalização e tem medo do futuro, porque lhes venderam uma imagem muito bonita. Mas o que diz Trump, por exemplo em uma academia de polícia pouco tempo atrás, é incrível, está fomentando a violência. Se nos contassem que disse isso e não víssemos com nossos próprios olhos, não acreditaríamos”.

Ai acredita que a solução está nos jovens, que sejam conscientes de seu poder. “As pessoas também têm mais poder com as redes socais, mas ainda é preciso ver como o transformam em poder político. Se você observar o que acontece hoje na Venezuela, em muitos outros lugares, que antes estavam mais tranquilos. Os jovens estão muito mais informados, mas ao mesmo tempo podem ser mais desinteressados porque no Ocidente viveram meio século de paz”.

Ai, lutador histórico pelos direitos humanos na China, aprendeu com a crise de refugiados na Europa que “a liberdade e a democracia são uma luta contínua, não estão garantidas a ninguém. Enquanto existir uma pessoa que está desesperada, toda a humanidade está ferida, arruinada. Se não tivermos essa ideia da humanidade como uma só, nunca poderemos solucionar o problema”.

Pessimismo

O artista é especialmente pessimista em relação à China, seu país, ao qual volta periodicamente, mas com cautela. Passa a maior parte do ano fora, e tem sua sede principal na Alemanha. Ai acredita que desde sua prisão, em 2011, a situação piorou. “Na China não há establishment porque os intelectuais sempre são perseguidos. A China acumulou muito dinheiro, mas não desenvolveu os direitos humanos. Tem um quinto da população mundial, mas não existem direitos trabalhistas e individuais, o Estado controla tudo, até mesmo as redes sociais. Está regredindo terrivelmente. Quando me prenderam, minha família, meus amigos se perguntavam onde ele está? Ninguém sabia. Que tipo de Estado você é se faz com que uma pessoa desapareça? Qual é a diferença entre o Estado chinês e a máfia? Se você é tão poderoso e tem todo o dinheiro, por que não pode conquistar o respeito por si próprio?”, diz o artista.

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