Deixem os paneleiros em paz
Por que tipo de corrupção dobravam as caçarolas? Chega de cobrança. Cada um faz o silêncio que lhe convém no momento
Amigos xiitas seguem enchendo o saco dos paneleiros, cobrando aos paneleiros, de certa forma até constrangendo os brasileiríssimos paneleiros de norte a sul do Bananão – o batismo é do confrade Ivan Lessa, o garoto da fuzarca, data vênia. Este avexado cronista confessa: por algum tempo também caiu na tentação de tal cobrança cívica. Agora chega, colegas. Isso é tortura psicológica. Basta. Deixemos os paneleiros em paz.
Prometo jamais azucriná-los. Primeiro por razão democrática – cada um protesta contra a corrupção que o incomoda e na hora que lhe convém. Direito liberal sagrado. Agora o motivo principal: peguei, em duas vizinhanças, a carioquíssima Copacabana e a paulistana Perdizes, os piores batedores de panelas do universo. Como eram desafinados. Depois descobri: a culpa era das próprias panelas. Quanto mais gourmet, menos harmonia na evolução do batuque. Como eram desafinados. Não conseguiam sequer aquele “tatatatá” primário, com acordes de parada militar, regido pelo bom moço do jornal da tevê.
Sim, depois de tanto barulho nas oiças, me tornei um sommelier de panelaço. Percebia até quando os paneleiros mais “nutellas” recorriam ao aplicativo com o ritmo de panela de cerâmica. Moderníssimos na luta por um Brasil das antigas. Sem querer ser populista, já sendo, os utensílios de alumínio da classe média baixa beiravam uma sinfonia nos protestos, nota 9,9 em bateria. As formas de sobremesas, nossa madre, um sucesso. Pena que o relógio do golpe tenha revelado, em tão pouco tempo, que o mais bem-intencionado dos batuqueiros acabou levando um bolo da história. Revoltante.
Por estas e por outras, não clamo mais pela volta das panelas. Sem essa, amigo, não insista. Não pergunto mais onde estão os paneleiros, afinal de contas os revejo todas as semanas nas portarias e nos elevadores, retirando, sem aquela velha euforia patriótica, o plástico da “Veja”. O heavy-metal agora é outro. A ladainha também. Saiu o refrão “a solução é botar o Michel”, hit do Mc Jucá, e voltou o bordão “é tudo farinha do mesmo saco”. Em meio a essa arenga toda, há quem sinta saudade da civilizadíssima mandioca da ex-presidente Dilma, digo, do discurso em favor do tubérculo, o “pão do Brasil” no dizer mais sociológico de raiz.
Não, amigo, deixa o Temer soltar suas bravatas em silêncio, panela não. Pelo amor de Deus, o tom maior daqueles caldeirões de cobre era insuportável. Teflon, por favor, apenas nas caras de pau em que nada gruda, apesar das sujeiras e oleosidades políticas. Quero de volta o barulho original da vila Pompeia, berço nada esplêndido do rock paulistano, a bateria da Vai-Vai no Bixiga e Bela Vista, o pagode e o batuque afro do Centrão etc.
Paneleiro? Prefiro não, amigo, mesmo que a pauleira ajude a destronar o impostor do Jaburu. Prefiro ouvir o silêncio sorridente de São Paulo diante da chacina, como no hino ao Haiti do Caetano. Que siga o retumbante silêncio, ouviram do Ipiranga? Traumatizei com aquela panela de ferro de um ex-vizinho capixaba especialista na arte da moqueca. Ele batia com um pedaço de cano de ferro, a cada corrente pra frente das redes sociais ou do noticiário televisivo.
Fico por aqui, no meu democrático direito de não ouvir de novo a histeria paneleira. Vale a sabedoria do Analista de Bagé: “Te abanca, índio velho, que tá incluído no preço”. E tome joelhaço como apurada técnica psicológica para tentar entender o estrago no corpo e na alma. Viva Veríssimo e até a próxima.
Xico Sá, escritor e jornalista, é autor de “A pátria em sandálias da humildade” (editora Realejo), entre outros livros. Comentarista dos programas “Papo de Segunda” (GNT) e “Redação Sportv”.
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