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‘Ok computer’: O último grande disco de rock completa 20 anos e previu o que vivemos hoje

Para muitos, desde 1997, nada superou uma obra tão influente como 'Ok computer', do Radiohead

Los Angeles, 12 de junho de 1997, Radiohead já produziu 'Ok, computer' e agora posa relaxado. No entanto, não sabe a dimensão do que foi criado. Thom Yorke, o líder, é o segundo a partir da esquerda.
Los Angeles, 12 de junho de 1997, Radiohead já produziu 'Ok, computer' e agora posa relaxado. No entanto, não sabe a dimensão do que foi criado. Thom Yorke, o líder, é o segundo a partir da esquerda.Getty

É um castelo construído em 1490 e que pertenceu a familiares de Felipe VII. Está em Bath (sul da Inglaterra) e se chama St. Catherine's Court. Ali, debaixo de uma escadaria isabelina, o cantor Thom Yorke encontrou a enigmática acústica para entoar, com sua voz de sofrimento, as canções que compõem o que para muitos é o último grande disco da história do rock: Ok computer, do Radiohead.

Em uma entrevista para a emissora de televisão MuchMusic, em 1997, a apresentadora perguntou ao grupo sobre essa misteriosa atmosfera. "O lugar onde gravamos teve bastante influência", respondeu o líder da banda, Thom Yorke, que tinha 29 anos naquela época. "Já tínhamos as músicas, mas conseguimos tocá-las de uma maneira rara. Era uma casa encantada". Além da escadaria, Yorke gravou algumas canções em um dos sete banheiros da mansão, que pertencia, naquela época, à atriz Jane Seymour, protagonista da série Dra. Quinn.

"O disco antecipa características desta alienação pós-moderna em que vivemos. Tiveram olfato para captar o sinal do seu tempo"

Lançado em maio de 1997, no Japão (no resto do mundo, em junho), Ok computer teve efeito imediato. Tinha algo de avançado e futurista e, ao mesmo tempo, os sedimentos dos grandes álbuns dos anos setenta. No ano em que saíram Wannabe, das Spice Girls, Mmmbop, do Hanson, e Candle in the wind 97, do Elton John, o terceiro disco do Radiohead, sem singles claros, exaltava os discos de longa duração. Pelo seu som inovador, parecia um álbum que o Pink Floyd teria feito se a banda tivesse sido formada nos anos noventa.

Ok computer matou o britpop, movimento do qual o quinteto de Oxford emergiu alguns anos antes. Seu single Creep (1993), apesar de sua beleza melodramática, não se destacava especialmente ao lado de grandes músicas do Oasis, Blur, Pulp ou Suede. Quando parecia que estavam destinados a serem eternos aspirantes, lançaram, em 1995, o álbum The bends; foi importante. O Radiohead tinha um som e um discurso próprios. "Coloca a banda debaixo de uma luz diferente e a catapulta ao megaestrelato", escreveu Mark Sutherland, em sua resenha para a New Musical Express, dando a The Bends um 9/10.

Incrivelmente, depois de um disco muito bom, o Radiohead fez outro ainda melhor. "Acredito que a mudança foi enorme", opina Carlos Pérez de Ziriza, jornalista musical e autor do livro Indie e o pop alternativo (Robin Book, 2017). "Porque, embora The bends tenha esse som tênue e épico que remete ao U2 (e que anteciparia as texturas de Ok computer), ninguém poderia esperar que a mudança do terceiro disco fosse tão considerável".

St. Catherine’s Court, a mansão onde a banda gravou 'Ok computer'.
St. Catherine’s Court, a mansão onde a banda gravou 'Ok computer'.

"Radiohead era uma dessas bandas que prometiam muito, mas que também foi criticada por pretender atiçar as chamas que o Nirvana e toda a trupe de Seattle haviam acendido", lembra Neo Sala, presidente da Doctor Music, promotora que trouxe à Espanha a turnê de Ok computer . "The bends distanciou-os um pouco disso, mas ninguém esperava o que Ok computer estava prestes a fazer", acrescenta.

A história de Ok computer começa com a autoestima nas nuvens e 100.000 libras no bolso (424 mil reais, na cotação de atualmente): a quantia que a EMI lhes deu para produzirem o disco por sua conta. Consultaram apenas Nigel Godrich, que havia sido o engenheiro de The bends e acabou sendo coprodutor deste e dos discos seguintes.

Com ou sem os fantasmas de St. Catherine's Court, o som do álbum leva o ouvinte a territórios inexplorados. "Bitches brew, de Miles Davis [1970] foi o ponto de partida de como as coisas deveriam soar", declarou Yorke, em 1999, ao Yahoo Launch Music. Em Bitches brew, um disco experimental com músicas de 20 minutos, o lendário trompetista parece mais interessado em criar texturas do que melodias. "Tem esse som incrivelmente denso e genial que eu tentava alcançar. Era o som que eu tinha na minha cabeça. Também ouvi discos de [o compositor de trilhas sonoras Ennio] Morricone. Nunca música pop".

"Para mim, ouvir Ok computer é como ver um filme muito bom", afirma Anni B Sweet, que se declara fã deste disco. "Atiça minha imaginação em 100%. Me leva a muitas paisagens diferentes, a lugares diferentes. É um disco que, quando escuto, não apenas escuto, eu o vejo".

O angustiante vídeo de 'No surprises", uma das músicas de 'Ok, computer', com Thom Yorke debaixo d'água.

Apesar de seu complexo quadro sonoro, Ok computer baseia-se em músicas com melodias muito marcantes que podem ser cantaroladas. Para o músico barcelonês Kim Fanlo, ex-guitarrista do Nena Daconte e indicado para o Grammy Latino de 2017 como Produtor do Ano pelo seu trabalho para Pablo López, "é um disco muito corajoso, com canções que lhes permitiram arriscar sem medo nos arranjos e na produção. Destacaria a densidade que tem o disco, a quantidade e a variedade de informações e a boa organização para chegar a este resultado final".

Entre o emaranhado de sons, há espaço para o preciosismo. O disco está repleto de pequenos detalhes que deslumbram, como a elegância com que entra a bateria em Exit music (for a film): sete finíssimos golpes no prato seguidos de pancadas no tambor tão certeiras e grossas que parecem produzidas por Jeff Lynne.

As músicas surgiram de impulsos distintos. A primeira composta foi Lucky, a pedido de Brian Eno para um disco beneficente. Foi gravada em um único dia, em 5 de setembro de 1995, quase dois anos antes do lançamento do álbum. Quem foi ao cinema, em 1996, para ver Romeo + Juliet (de Baz Luhrmann) escutou o tema Exit music (for a film) nos créditos finais.

O angustiante vídeo de 'No surprises", uma das músicas de 'Ok, computer', com Thom Yorke debaixo d'água.
O angustiante vídeo de 'No surprises", uma das músicas de 'Ok, computer', com Thom Yorke debaixo d'água.

A cena em que Julieta (Claire Danes) se dá um tiro diante do cadáver de Romeu (Leonardo DiCaprio) inspirou a composição de Yorke. Quando, em agosto de 1997, a turnê do álbum chegou a Nova York, Claire Danes (conhecida pelo seu papel de protagonista da série Homeland) foi vista entre o público.

Quanto às letras, não se pode dizer que tenham um argumento específico - principalmente pelo seu caráter abstrato -, mas têm em comum uma visão desanimada de um futuro distópico. Um crítico do The Guardian destacou que "um dos pontos fortes do álbum está na representação orwelliana de um mundo cheio de terror, mas esperançoso, povoado por personagens que fazem zumbidos parecidos aos de frigoríficos".

O primeiro corte do álbum serve de exemplo. Airbag deixa o ouvinte pasmo, com uma letra que fala da próxima Guerra Mundial, acidentes de carro, a reencarnação e um protagonista que se define como "uma explosão interestelar que voltou para salvar o universo". Levando em conta o estado do mundo hoje em dia, alguns acharam que foi profético.

"Antecipam características desta alienação pós-moderna em que vivemos - afirma Pérez de Ziriza -, logo, acredito que, se tiveram algo neste disco, além dos gostos de cada um, foi olfato para captar o sinal do seu tempo. Há alguns discos do final dos anos noventa e início dos 2000 que também souberam dar forma a este mal estar (de Primal Scream, David Holmes, PJ Harvey ou até mesmo do R.E.M.), mas ninguém conseguiu alcançar tanta gente como eles".

A atriz Claire Danes, com 18 anos, em um show do Radiohead.
A atriz Claire Danes, com 18 anos, em um show do Radiohead.Getty

Thom Yorke canta como se essa paisagem catastrófica tivesse deixado-o ferido. A sua nem sempre perfeita afinação transmite que ali há alguém sofrendo tanto que não tem tempo de revisar o que está fazendo. "Acima de tudo, destacaria as vozes. O que canta Thom Yorke e como o faz... é sublime. Li em algum lugar que praticamente tudo que gravou foi de primeiras tomadas. Essa frescura é impossível de ser repetida muitas vezes", afirma o produtor Kim Fanlo. Arrematando essa estética tão especial está a arte do disco, uma colagem perturbadora criada por Stanley Donwood, trabalhando com a banda desde The bends.

A turnê de Ok computer passou pela Espanha em outubro de 1997 (Madri, Barcelona e Bergara), mas antes, em maio, a antiga sala Zeleste de Barcelona recebeu a apresentação mundial do tour. "Estavam lá 500 jornalistas musicais de prestígio de todos os países, junto com um público com muita expectativa. Lembro-me de Thom Yorke e companhia aparecerem no palco de maneira tímida, de acordo com o cenário austero daquela sala, sem adornos ou efeitos".

Assim como enterrou o britpop, Ok computer catapultou o indie como o conhecemos. O Radiohead abriu uma nova era para músicas que não entravam nos parâmetros comerciais, mas que podiam arrastar as massas. "Teve uma enorme influência em bandas posteriores, como os primeiros do Muse, Doves, Elbow, Starsailor, Budapest...", explica o jornalista Carlos Pérez de Ziriza.

Thom Yorke, líder do Radiohead, durante um show do grupo na Holanda (1997).
Thom Yorke, líder do Radiohead, durante um show do grupo na Holanda (1997).Getty

Neo Sala compara seu impacto com o do primeiro disco do Velvet Undergrund ou o Never mind the bollocks, dos Sex Pistols: "São discos que tem um argumento e, além de serem um ponto de inflexão na música, nesses casos, são também na sociedade do momento. Ok computer representa o topo do rock alternativo e a porta de entrada para uma nova maneira de entender a música, muito mais livre e sem tantos obstáculos na hora de utilizar o eletrônico, mesclá-lo com guitarras... de usar todos os elementos possíveis na hora de formar paranoias, crises existenciais e motivações musicais".

Thom Yorke canta como se essa paisagem catastrófica tivesse deixado-o ferido. A sua nem sempre perfeita afinação transmite que ali há alguém sofrendo tanto que não tem tempo de revisar o que está fazendo

Jess Fabric, baixista do Viva Suecia, afirma que este álbum "pode parecer apenas um punhado de boas músicas, mas há muito mais que isso. Há as estruturas, as melodias, o medo, a tristeza e até mesmo a capacidade de estremecer. Ok computer é uma lenda, é muito difícil saber o motivo, e talvez seja por causa disso".

"Não há uma música óbvia, as letras não fazem sentido a partir da primeira, a maioria dos temas são muito lentos, ruidosos ou raros para o rádio e, no geral, soa como algo que não se vende", escreveu Barry Walters, na Spin. "Mas a audaciosa expansão sônica do quinteto do Reino Unido é o esforço mais atrativo e estranho de uma banda de rock em anos". Para muitos, que opinam que este foi o último grande disco de rock da história, essa audácia não voltou a acontecer.

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