Manter e ajustar a política de conteúdo local
No Brasil, a desindustrialização precoce é um retrocesso
A desindustrialização atinge o Brasil e alguns países. No Reino Unido, em 1970, 30% dos empregos estavam na indústria. Em 2008, esta participação caiu para 10%. O Relatório da UNCTAD (United Nations Conference on Trade and Development), de setembro de 2016, informa que, no começo dos anos 70, a indústria gerava no Brasil 27,4% dos empregos. Em 2014, passou para 10,9%.
No Reino Unido, França e Canadá, a desindustrialização sinaliza que o setor terciário (serviços) já predomina na economia, em lugar do secundário (industrial). É um avanço. No Brasil, a desindustrialização precoce é um retrocesso. Reações ocorreram a esse processo. No setor de petróleo e gás, com o fim do monopólio da Petrobras e a criação da Agência Nacional do Petróleo (ANP), o Estado procurou fortalecer as empresas nacionais do ciclo do petróleo e a "cláusula de conteúdo local" passou a integrar os contratos de concessão da ANP.
Desde 1999, a "cláusula" sofreu modificações. A partir da quinta rodada de licitações de blocos exploratórios, em 2003, os percentuais de conteúdo local de bens e serviços passaram a ser obrigatórios nas compras das concessionárias.
Com o regime de partilha no pré-sal, em 2010, um novo ente surgiu, a Pré-Sal Petróleo SA (PPSA), para "gerir os contratos de partilha" e cumprir "as exigências contratuais referentes ao conteúdo local" (Lei 12.304/10). Resultados apareceram. Segundo o Programa de Mobilização da Indústria do Petróleo (Prominp), a indústria nacional nos investimentos do setor saltou de 57% em 2003 para 75% em 2009, o que representou uma adição de US$ 14,2 bilhões de bens e serviços contratados no mercado nacional e a geração de 640 mil postos de trabalho. Problemas também surgiram. Concessionárias queixam-se do produto nativo. Na verdade, a "cláusula" tem uma preliminar, a da equivalência da qualidade, preços e prazos de entrega dos produtos brasileiros com os estrangeiros.
O conteúdo local não é para favorecer empresas arcaicas. Apresentaram-se hipóteses de mudanças da "cláusula". Uma delas foi a de se usar um índice global de conteúdo local, para bens e serviços, o que pode levar à distorção de se atingir o tal índice sem se incorporar máquinas e equipamentos. Outra foi a de definir uma política baseada no "incentivo" e não na "multa". A empresa que atingir metas de conteúdo local é premiada com desonerações, subsídios, regimes aduaneiros favoráveis, entre outros benefícios. É assim na Noruega e China. O certo é que o país deve preservar sua política de conteúdo local e deve resolver os problemas postos, aprimorando-a.
É neste sentido que deve ser encarada uma consulta que a ANP está fazendo e que terá audiência em 18 de abril de 2017. A Agência abriu esse procedimento ante a solicitação da Petrobras de liberação de todas as exigências de conteúdo local para um navio-plataforma para o campo de Libra, no pré-sal. É um pedido de waiver ou renúncia. Na defesa do pedido, a diretora da Petrobras, Solange Guedes, afirmou que “no limite, sem waiver, não terá projeto de Libra”.
O waiver, para este caso, abrirá um precedente perigoso para a política de conteúdo local e para o respeito aos contratos. Correr-se o risco de frustrar o projeto de Libra é também preço que não se deve pagar.
Espera-se que a consulta da ANP mantenha a "cláusula", mas dê uma saída à Petrobras, como a prorrogação do prazo para cumprimento das suas obrigações. Revogar a "cláusula", seria duro golpe à indústria nacional e à regulação da ANP, que pode até ser questionada juridicamente.
Haroldo Lima foi diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo, Biocombustíveis e Gás Natural, é engenheiro e membro da Comissão Política do Comitê Central do Partido Comunista do Brasil.
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