Oscar ataca Trump, mas só um pouquinho
O ator mexicano Gael García Bernal e o diretor iraniano Asghar Farhadi deram o tom político, e o apresentador, Jimmy Kimmel, o irônico
Sempre será possível argumentar que não custa nada a um grupo de bem sucedidos, muitos milionários, se mostrarem solidários por uma noite com os imigrantes e refugiados e criticar Donald Trump. Mas o assunto não é brincadeira e as decisões adotadas contra os expatriados e contra a liberdade de expressão e de imprensa do novo presidente dos Estados Unidos acenderam todas os alarmes, inclusive entre as estrelas de cinema. A política esteve presente na cerimônia do Oscar neste domingo, mas talvez com mais contenção do que se poderia prever diante de comentários prévios.
Os protagonistas não seguiram a convocação lançada na sexta-feira, dia 24, por Jodie Foster, quando a vencedora de dois Oscars gritou “é hora de agir”. Mas realmente houve várias referências e duas falas incisivas e direta: a do cineasta iraniano Asghar Farhadi e a do ator mexicano Gael García Bernal. Também uma irônica e constante intervenção do apresentador da festa, Jimmy Kimmel, que chegou a enviar um tuíte a Trump, estranhando que este não tivesse enviado nenhum depois de duas horas e meia de cerimônia. E a chave de ouro de Warren Beatty.
Antes, no tapete vermelho, alguns convidados, como a atriz Ruth Negga (indicada ao prêmio de Melhor Atriz Coadjuvante por Loving) a modelo Karlie Kloss e o compositor e ator Lin-Manuel Miranda (indicado a Melhor Canção pelo tema do filme Moana) exibiram um laço azul pelos direitos civis proposto pela União Americana pelas Liberdades Civis em protesto contra as políticas do governo.
Assim que começou a cerimônia, Kimmel surpreendeu com uma brincadeira dizendo que o Oscar menos racista (havia uma grande presença de indicados negros, diferentemente do ano passado) coincidiram com a chegada do empresário ao poder. E depois fez o público levantar de seus assentos prestando uma homenagem à “supervalorizada” Meryl Streep. Foi assim que o presidente dos EUA a qualificou em um de seus tuítes, depois do incisivo e crítico discurso da atriz no último Globo de Ouro, onde exaltou a natureza multicultural de Hollywood e a necessidade de combater as falsidades.
Com este início, deu a sensação de que a cerimônia se tornaria um prolongado ato de protesto, mas os primeiros prêmios foram chegando e os vencedores não fizeram qualquer referência à conjuntura política. Só a presidenta da Academia de Cinema dos EUA, Cheryl Boone, voltou ao tema, mas com uma alusão genérica, a ser interpretada: “Pertencemos a uma comunidade cada vez mais inclusiva. A arte não tem fronteiras e não pertence a uma única fé. Há uma conexão poderosa e permanente”.
Até que chegasse o Oscar de melhor filme estrangeiro não se entrou em cheio na polêmica política. O diretor iraniano Asghar Farhadi levou o prêmio com seu filme O apartamento. E também recebeu uma boa ovação a carta lida por uma engenheira da NASA de origem iraniana, já que o cineasta se negara a viajar aos EUA diante da decisão do Governo norte-americano de limitar a entrada das pessoas procedentes de sete países de maioria muçulmana. “Minha ausência tem a ver com o respeito que sinto pelas pessoas de meu país e dos outros seis que foram vítimas dessa falta de respeito. Assim o mundo se divide. Os diretores de cinema criam empatia e unem”, dizia a carta. Quase 10.000 pessoas se reuniram em Londres neste domingo para ver seu filme e se solidarizar com ele.
Também se destacou o apresentador do Oscar de Melhor Desenho de Produção (que coube a La La Land), Gael García Bernal, que lançou uma das frases mais incisivas da noite: “Como mexicano, como imigrante, como trabalhador, sou contra qualquer muro”. O público explodiu em aplausos e alguns presentes se levantaram por alguns instantes.
A cerimônia continuou sem menções a Trump por parte dos ganhadores, exceto as ironias de Kimmel, algumas delas relativas à predisposição presidencial de divulgar notícias falsas. Meryl Streep e Javier Bardem, sempre bastante combativos, optaram desta vez pelo silêncio, politicamente falando, quando entregaram o Oscar para Melhor Fotografia.
Foi preciso buscar uma das alusões políticas da noite fora da cerimônia. Em um de seus intervalos, o jornal The New York Times, um dos alvos de Trump nos meios de comunicação, aproveitou para fazer uma propaganda: “A verdade é difícil. Difícil de encontrar. Difícil de conhecer. A verdade é mais importante agora do que nunca”.
A verdade da cerimônia chegou ao fim com os principais prêmios em jogo. E foi outro ativista de sempre, o ator Warren Beatty, acompanhado de Faye Dunaway (os imortais Bonnie and Clyde), ao entregar o Oscar de Melhor Filme, que colocou o ponto final político a uma cerimônia crítica a Trump, mas menos do que esperado. Depois de enaltecer os valores da diversidade e do respeito, afirmou: “Na política como nas artes, o objetivo tem de ser a verdade”.
Depois, ocorreu o erro incrível, do qual se falará até cansar. Beatty abriu o envelope, hesitou por um instante e então o entregou a Dunaway, que anunciou La La Land como Melhor Filme. Quando a equipe do musical subiu ao palco e começou a agradecer, a organização se deu conta do erro e entregou o envelope correto. O verdadeiro vencedor foi Moonlight. Pelo menos, Beatty e Kimmel pediram desculpas.
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