Como resgatar o macho romântico brasileiro
O que o homem moderno pode e deve aprender com o lirismo radical de Wando, que nos deixou há exatos cinco anos
Em um mundo cada vez mais objetivo e sem os necessários e providenciais arrodeios românticos, em um mundo cada vez mais dos “finalmentes” e não das preliminares, em um mundo cada vez mais Tinder e menos “Love me tender”...
Em mundo cada vez mais WhatsApp e menos “blow job”, digo, em um mundo que troca o sexo oral pelo sexo falado de memes e mimimis... Em um mundo cada vez mais aplicativo, onde o toque na pele da moça foi trocado pelo carinho estéril na tela do smartphone... Em um mundão velho perdido e sem porteira, esses moços, pobres moços, carecem reaprender com os mitos da canção popular e romântica (brega é a mãe!) o caminho do roçado amoroso.
No que este humilde cronista de costumes toma um rabo-de-galo sentimental e relembra uma criatura especialíssima que partiu deste para outro plano do romantismo há exatos cinco anos. Toca outra vez, amigo Wando. Sim, Ele se foi no dia 8 de fevereiro de 2012. Morreu para você, fã ingrato, macho insensível e perdido sem cachorro ou GPS no mato da memória. Morreu para você, bossanovista jazzístico juramentado, não para mim, não para este réptil do amor e da sorte.
Morreu para você que não canta bêbado no botequim mais fuleiro esta linda página do Antonio Carlos & Jocafi:
“Mas não faz mal
É tão normal ter desamor
É tão cafona é sofredor
Que eu já nem sei
Se é meninice ou cafonice o meu amor...
Se o quadradismo dos meus versos
Vai de encontro aos intelectos
Que não usam o coração como expressão...”
E viva Wando, nesta efeméride molhada de obscenidade sob a 25ª chuva do verão do ano da graça de 2017. O importante é não deixar morrer as suas lições de amor devoto e explícito. Previsão meteorológica, linda moça do tempo: tempestade de calcinhas no palco.
E olhe que o mineiro de Cajuri poderia, graças aos seus dotes de violista erudito e músico sofisticado, ter partido desta para outra sem contribuir com a mitologia do cafa ultra romântico brasileiro.
Qual o quê. Importante repetir nesta data, como anotei na imprensa quando Ele se foi, as lições deixadas pelo mestre, aqui resumidas com o auxílio do amigo Marcos França. Marquinhos é parceiro de escrita na peça Chabadabadá – manual prático do macho jurubeba, declaradamente inspirada no cancioneiro romântico.
Sem mais chorumelas, o que temos, homens insensíveis, a aprender com as canções de Wando:
1) Que a devoção às mulheres é obrigatória: “Você é luz, é raio, estrela e luar...”
2) Que brochada ou broxada (o dicionário admite qualquer grafia para o fracasso masculino) é um ato de delicadeza: “Beijo suas costas e nada... / caem dos meus olhos duas lágrimas geladas”.
3) Que melhor do que colecionar obras de arte ou miniaturas é colecionar calcinhas. Coleção Wando na próxima Bienal, por favor, curadores modernos de SP.
4) Que não se deve estragar hoje o que se pode fazer mais gostoso logo adiante: “Moça, me espere amanhã...”
5) Que em uma mulher não se bate nem com uma flor: “Nossa Senhora das fêmeas proteja toda mulher/ Desses perigos do mundo,/ venha de onde vier/ Livrai dos homens malvados, sem piedade, sem dó/ Ôoo, que batem, xingam, machucam, quando não fazem pior...”
6) Que a vida íntima deve ficar entre as quatro paredes: “Eu te quero assim/ Safada, sacana/Me pedindo grana/ Ouvir seu gemido/ Quando a gente ama/Guardar em segredo/ O que a gente faz...”
7) Que o amor é como campeonato baiano, tem ida e volta, turno e returno: “O que importa, /É que um dia você volte, pra ficar,/ Vá, conheça, tudo que não pude oferecer, /Vá pela vida adormecida dos seu olhos, /Pela avenida, ao encontro das ilusões, /E quando você se cansar...”
8) Que os corpos se entendem, mas almas nem sempre: “Razões tenho demais pra te deixar e ir embora/O que é que eu vou fazer /O que é que eu vou dizer para o meu corpo /Que vai ficar vazio e quase morto”.
9) Que nunca devemos cair no conto das discussões complicadas e labirínticas: “Uma mulher tem os seus desejos loucos, mas no fundo/ Seu coração só quer as coisas mais simples do mundo”.
10) Que a poesia de verdade é punk-brega, como bem sabe Wander Wildner –igualmente Wanderley a exemplo de Wando. Que na despedida cantemos esse refrão rock'n'roll do mestre: “Aquele amor filho da puta me deixou/ô, uouô uouô uouô” –repete duas vezes. E até a próxima recaída amorosa.
Xico Sá, escritor e jornalista, é autor de “A pátria em sandálias da humildade” (ed. Realejo, 2017). Comentarista do programa “Papo de Segunda” (canal GNT).
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