China se projeta como baluarte da ordem mundial em “tempos incertos”
Pequim avança para ocupar a lacuna que o novo protecionismo norte-americano deixará
Em uma das últimas atividades do Governo chinês antes da pausa para o Ano Novo lunar, o primeiro-ministro, Li Keqiang, falou por telefone com a chanceler alemã Angela Merkel. A mensagem: que ambos os países devem garantir a estabilidade do sistema econômico internacional diante dos atuais “momentos de incerteza” no mundo. Tempos que se precipitaram com a chegada à Casa Branca de Donald Trump e que abriram uma oportunidade para que Pequim se posicione como baluarte da ordem mundial.
O presidente Xi Jinping já tinha assentado as bases, em seu discurso em Davos apenas três dias antes da posse de Trump em Washington, quando lançou uma defesa acalorada da globalização econômica, do livre comércio e da luta contra a mudança climática.
E o próprio Li defendeu, em um artigo para a Bloomberg Businessweek, que a China “oferece uma âncora de estabilidade e crescimento com sua mensagem consistente de apoio às reformas, abertura e livre comércio”. “Continuamos convencidos de que a abertura econômica beneficia a todos, em casa e no exterior.”
Durante seu mandato, Xi Jinping se tornou um dos líderes chineses que mais viajou na história recente do país. Em momentos em que a ONU pareceu desgastada, ofereceu apoio, financiamento e tropas. Foi anfitrião da reunião anual do G-20, propôs novos acordos comerciais, criou um novo banco de desenvolvimento —o BAII— e quer desenvolver uma rede de infraestrutura que conecte a China ao Ocidente, a “Nova Rota da Seda”.
Mas até agora a China nunca tinha se colocado de forma tão explícita como líder global alternativo. Pequim assegura que este não é um papel que tenha procurado: se em 2008 a crise financeira se tornou protagonista da economia mundial, agora a declaração de “América Primeiro” de Trump forçou os acontecimentos. “Não é que a China tenha querido adiantar-se correndo, mas os que estavam à frente deram um passo atrás e deixaram o posto para a China”, declarou esta semana o diretor de Economia Internacional do Ministério de Relações Exteriores, Zhang Jun. De qualquer forma, precisou Zhang, “se for exigido que a China adote esse papel de liderança, a China assumirá suas responsabilidades”.
Os projetos de pactos comerciais propostos pela China —conhecidos pelas iniciais RCEP e FTAAP— enfraqueciam diante do TPP até que Trump assinou uma ordem executiva que retira os EUA desse tratado que a Administração Obama apresentou como chave para demonstrar a influência de seu país na região da Ásia-Pacífico. Agora o interesse neles se viu renovado; e países como a Austrália sugerem que a China será bem-vinda na TPP.
“É preferível, muito preferível, que os países troquem bens e serviços e se vinculem mediante alianças de investimento do que trocar comentários sardônicos e construir barreiras”, sustenta Li em seu artigo.
Pequim prevê organizar em maio um encontro de alto nível com os países interessados na “Nova Rota da Seda”, em uma iniciativa para promover seu setor de infraestrutura e para exibir musculatura diplomática.
Além de suas garantias comerciais, o Governo de Xi Jinping assegura que também manterá seus compromissos e sua liderança na luta contra a mudança climática, frente o escapismo da nova Administração dos EUA. “Meu presidente deixou claro, claro como cristal, que a China cumprirá sua parte”, disse o diretor de Organizações e Conferências Internacionais do Ministério das Relações Exteriores, Li Junhua, citado pela Reuters.
Este novo protagonismo global representa um reforço muito bem-vindo para Xi, que, no terreno interno, encara no próximo outono uma delicada renovação das estruturas de comando do regime no 19o Congresso do Partido Comunista da China.
Mas as manifestações de apoio à ordem internacional não deixam de ser contraditórias. As reformas econômicas que Xi prometeu ainda não se materializaram, em sua maioria. As câmeras de comércio estrangeiras afirmam que, apesar das palavras de apoio ao livre comércio, a China ainda protege amplos setores de sua economia interna.
Os elogios à conectividade que o presidente chinês declarou em Davos encontram uma China em que existe a censura e a Internet se encontra ferrenhamente controlada. Repórteres Sem Fronteiras situa o país no 176o lugar, de um total de 180, em relação a liberdade de imprensa. Enquanto o presidente falava na Suíça, era divulgado o testemunho do advogado de direitos humanos Xie Yang sobre as torturas que sofreu na prisão.
E seus apelos à cooperação podem ser colocados à prova se Trump e sua equipe cumprirem suas promessas em relação a Pequim: impor tarifas de importação de 45%, bloquear o acesso às ilhas artificiais no mar do Sul da China que este país considera parte de seu território e abandonar a política de “Uma Única China” em favor de Taiwan se o Governo de Xi não fizer concessões.
Até o momento, Pequim se limitou a advertir que Washington tenha cuidado. “Relações sadias, estáveis e desenvolvidas entre China e EUA beneficiam os dois povos e todo o mundo”, declarou o porta-voz das Relações Exteriores Hua Chunying.
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