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“No futuro poderão injetar um cirurgião no corpo, porque ele será um nanorrobô”

Químico holandês criou um carro mil vezes menor do que a largura de um pelo

Nuño Domínguez
Ben Feringa, após a entrevista.
Ben Feringa, após a entrevista.© Carlos Rosillo (EL PAÍS)
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Ben Feringa é o pioneiro de uma revolução de dimensões diminutas. Filho de dois fazendeiros, se interessou pela química pela possibilidade de “construir seu próprio mundo molecular” e “fazer coisas que nunca existiram”. Há poucas semanas, o pesquisador da Universidade de Groningen recebeu o prêmio Nobel de Química junto com Fraser Stoddart e Jean-Pierre Sauvage por criar as menores máquinas do mundo. As contribuições de Feringa (Barger-Compascuum, Holanda, 1951) incluem o primeiro motor molecular, com uma hélice ativada com a luz, e um carro com tração nas quatro rodas. Ambos são mil vezes menores do que a largura de um pelo humano. Na atualidade, entre as nanomáquinas também existem interruptores, elevadores, máquinas de costura, foguetes e dispositivos de armazenamento de memória. Em Madri para participar do 5º Simpósio Científico da empresa farmacêutica Lilly, Feringa explica nessa entrevista quais podem ser as aplicações mais promissoras desses veículos microscópios.

Pergunta. Em que o senhor trabalha atualmente?

Resposta. Hoje tentamos fazer todo o tipo de materiais inteligentes. Estamos construindo materiais que podem se contrair e expandir, que podem se movimentar, andar e se dobrar, como músculos artificiais. Também tentamos incorporar interruptores nos medicamentos, para que possamos ligá-los e desligá-los quando quisermos.

P. Quais serão suas aplicações?

"Desenvolvemos remédios inteligentes, mas ainda estamos muito no início"

R. Existe, por exemplo, um grande problema com a resistência a antibióticos. De modo que fazemos interruptores para que possamos ligar e desligar os antibióticos usando luz. Isso permitiria ativar o antibiótico somente quando chegasse a infecção e, 12 horas depois, quando a pessoa estiver no meio ambiente, desativá-lo, para não causar resistência. No caso de compostos antitumorais, os atuais têm muitos efeitos colaterais. O que queremos é gerar novos compostos que possam ser ativados somente onde exista um tumor, mas que não causem problemas ao restante do corpo. Desenvolvemos remédios inteligentes, mas ainda estamos muito no início. Talvez ainda se passem 10 anos ou mais antes que possam ser utilizados na clínica.

P. Qual será a complexidade das nanomáquinas do futuro?

R. Seu corpo está cheio de nanomáquinas que fazem com que você veja, se movimente, que suas células se dividam, etc. Por enquanto somos muito bons em fazer materiais novos, mas não em criar funções dinâmicas, coisas capazes de sentir, se adaptar. No futuro isso abrirá um novo campo para desenvolver funções adaptativas. O que se pode fazer com elas? É difícil de dizer, um pouco futurista. Mas minha previsão é que em 30 ou 40 anos um médico poderá injetar em você um diminuto nanosubmarino no sangue que poderá encontrar uma célula tumoral, consertar algo, transportar um medicamento. Eu já fiz a louca afirmação de que talvez em 50 anos possamos injetar um cirurgião no corpo humano, porque esse cirurgião será um nanorrobô. É ficção científica, mas é possível.

"À medida que vemos mais mulheres em campos como as ciências naturais espero que muitas mais recebam o Nobel"

P. Podem ser criadas máquinas capazes de fabricar outras nanomáquinas?

R. Isso é um pouco ficção científica. Eu não o faria. Acho mais interessante encontrar modelos de evolução química que expliquem como apareceram as primeiras células primitivas. Evolução química por volta de um bilhão de anos antes da evolução biológica. De onde veio a vida? Talvez tenha sido a mão direita de Deus. Talvez tenha sido a união de elementos químicos para formar um sistema complexo que pudesse se reproduzir. Não sabemos. Talvez possamos construir pequenos replicantes simples, esse é o primeiro passo, mas isso é bem distante de se criar nanoreplicantes.

P. Podemos perder o controle sobre essas nanomáquinas?

R. Não creio. Certamente é preciso tratar os nanomateriais como qualquer outro composto químico, como qualquer outro medicamento. Quando se desenvolve novos compostos, leva 10 anos para testá-los em pessoas. Se desenvolvermos os medicamentos inteligentes com certeza testaremos se são tóxicos.

P. Esse ano nenhuma mulher recebeu o Nobel. Historicamente, os homens levaram 98% dos prêmios de Química, 99% dos de Física e 94% dos de Medicina. O senhor acha que as mulheres são invisíveis para esses prêmios?

R. O comitê, os assessores e os indicadores são os que julgam quem merece o Nobel. Eu acredito que as mulheres deveriam ter as mesmas oportunidades que os homens. À medida que vemos mais mulheres em campos como as ciências naturais espero que muitas mulheres recebam o prêmio Nobel no futuro. Isso se deve em parte ao fato de que no passado existiam poucas mulheres nesses campos, mas agora muitas estão nas ciências naturais, na química, na física, em biologia, etc.

"Governo deve entender que deve investir em ciência e no futuro dos jovens"

P. Mas existiram mulheres nesse e em outros campos durante muito tempo e existiram excelentes químicas e físicas. Pode haver algo mais que esteja causando uma distorção?

R. Não acredito. Mas espero que no futuro muitas mais o recebam.

P. Qual é o seu conselho para os cientistas jovens?

R. Que não tenham medo de entrar em uma aventura com a natureza. Que tentem trabalhar em coisas originais, olhar além do nosso horizonte atual, porque as soluções podem vir de um ângulo totalmente diferente. Ninguém predisse o fenômeno dos celulares, nem mesmo há 20 anos, a maneira como nos comunicamos graças à Internet, graças aos smartphones, os computadores portáteis. Minha mensagem é que sejam um pouco ousados, que não se assustem. Mas, é claro, o Governo também deve entender que deve investir em ciência e no futuro dos jovens, porque isso tornará tais coisas possíveis.

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