Os poderes político e econômico se reconciliam na Argentina
Pela primeira vez em 15 anos, um presidente participa do IDEA, principal foro econômico do país
Quase tudo tem constituído um marco, na Argentina, neste primeiro ano de mandato de Mauricio Macri. Depois do retorno ao mercado financeiro, a volta de uma missão do FMI depois de 10 anos de ausência, chegou a vez da reconciliação do poder político argentino com o poder empresarial. Macri é o primeiro presidente, em 15 anos, a participar do IDEA, o foro empresarial mais importante da Argentina, em Mar del Plata, localidade de veraneio mais popular do país. Esse reencontro ocorre em um momento de otimismo moderado, em que paira no ar uma certa dúvida, já que a prometida recuperação econômica não vem acontecendo, razão pela qual o presidente está pedindo aos empresários que se “comprometam”, ou seja, que invistam.
O encontro do IDEA, a mais poderosa organização empresarial de debate de ideias da Argentina, que reúne durante três dias todos os personagens decisivos do poder no país, tem marcado a história recente. O momento crucial dos últimos anos, que sinalizou a virada econômica dos Kirchner, se produziu exatamente ali. Foi em novembro de 2005. Roberto Lavagna, respeitado ministro da Economia, o homem que havia tirado a Argentina do atoleiro em 2001 e que protagonizara as difíceis negociações com o FMI, decidiu que iria comparecer ao colóquio. Naquele momento, Nestor Kirchner já iniciara os seus enfrentamentos com o mundo empresarial, e pediu ao ministro que este não fosse ao evento. Mas Lavagna desobedeceu, pois já se havia comprometido. Na segunda-feira seguinte, foi demitido, assumindo seu posto, então, Felisa Miceli, que logo acabou caindo também depois que uma sacola com 60.000 dólares foi encontrada no banheiro de sua sala no ministério; sua alegação foi de que esse dinheiro era para comprar um apartamento. Desde então, os Kirchner passaram a controlar a economia diretamente, e declararam guerra a uma grande parcela do empresariado, que viam como responsável pelo saque a que o país fora submetido. Nenhum ministro voltou a participar do IDEA, muito menos um presidente. O kirchnerismo chegou até mesmo a promover eventos paralelos em Mar del Plata para denotar o seu repúdio a esse foro.
Esse período se encerrou definitivamente nesta semana. Macri compareceu ao evento com metade de sua equipe ministerial. E pronunciou um de seus melhores discursos, chegando a se mostrar emocionado em alguns momentos.
As relações entre Macri e os empresários — universo do qual ele mesmo procede — têm sido bastante complexas. Ele chegou até mesmo a criticá-los abertamente por não investirem suficientemente e por aumentarem demais os preços. No IDEA, não fez isso. Emitiu mensagens positivas, citando até mesmo Perón — “ele dizia que a estrela polar deve ser a competitividade”, afirmou —, brincou com governadores peronistas supostamente de oposição, como Juan Manuel Urtubey, de Salta, e procurou transmitir otimismo aos presentes. Acima de tudo, pediu aos empresários que aproveitem a oportunidade de haver agora um governo liberal após tantos anos de forte intervencionismo.
“Depois de lidar por anos com personagens exóticos que decidiam o preço dos produtos que vocês vendem, se podiam vender ou não, se tinham de ir todos juntos para Angola para fazer vendas, agora vocês precisam se dedicar de novo às suas fábricas para buscar uma competitividade maior, para melhorar o seu negócio”, disse Macri.
O presidente foi ouvido por centenas de empresários, que vivem um clima de certo alívio, embora não obrigatoriamente de entusiasmo. Nos corredores do evento, todos concordam com o fato de que o clima para o mercado está melhor, que o Governo facilitou as coisas ao suspender o freio cambial e algumas restrições que havia para exportar ou importar, ou, ainda, ao diminuir os impostos no campo e na mineração, algo bastante polêmico em um momento em que a classe média baixa sofre com a crise. Mas a economia, se diz nos bastidores do IDEA, não consegue deslanchar e os empresários argentinos não se decidem a investir. “Todos nós apoiamos este governo, mas uma coisa é estar de acordo, outra são os números. O consumo está caindo, este ano está sendo péssimo e o dinheiro não aparece. Ninguém confia plenamente. Os empresários argentinos passaram muitos anos vendo bobagens. Não é fácil confiar”, comenta um empresário.
A maioria dos economistas presentes ao evento, como Dante Sica, presidente da Abeceb, estão otimistas em relação a 2016. Macri insistiu em que a Argentina voltará a crescer depois de cinco anos de estagnação. “Os dados são contraditórios, metade bons e metade ruins, mas a tendência mostra que o pior já passou e que vários setores já começam a se recuperar. O Brasil é essencial. O ano que vem será bom”, insiste Sica.
Macri procurou convencer os empresários que ainda hesitam. “Todos nós precisamos contribuir, e vocês mais ainda, pois podem gerar riqueza, e, a partir daí se pode pensar na sua distribuição”. Para estimulá-los, disse que serão feitos anúncios de investimentos de 48 bilhões de dólares até 2019, o que, até agora, parece ser mais uma promessa do que uma realidade.
Alguns empresários se mantêm cautelosos, mas há um novo espírito no ar. Pesquisa realizada pelo IDEA entre executivos destaca que cerca de 22% acreditam que a situação econômica do próximo semestre será “muito melhor”, e 56%, “moderadamente melhor”. Fora desse setor econômico, nas classes média e baixa, a crise tem causado danos, com uma taxa de pobreza de 32%, e alguns empresários preferem aguardar para ver se Macri conseguirá se sair vitorioso nas eleições legislativas de 2017 para então investir. Mas o ambiente geral, sem dúvida, começa a mudar.
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